Férias remuneradas

Suspenso o pagamento de salário aos 22 suplentes de deputados

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31 de janeiro de 2007, 19h27

Está suspenso o pagamento dos salários e verbas de gabinete aos 22 suplentes de deputados que assumiram mandatos na Câmara, durante o recesso parlamentar. A Justiça Federal do Distrito Federal aceitou o pedido de liminar, em Ação Popular, apresentado pela advogada Carmen Patrícia Coelho Nogueira. Os parlamentares, que deixam o cargo nesta quinta-feira (31/1), quando começa o ano Legislativo, receberiam R$ 85,9 mil pelo mês de férias.

O valor, correspondente aos ganhos dos deputados federais, é composto com salário de R$ 12,8 mil; verba de gabinete de R$ 50,8 mil; verba indenizatória de R$ 15 mil; cota postal e telefônica de R$ 4,2 mil; e, por fim, auxílio-moradia de R$ 3 mil.

A juíza Natália Floripes Diniz, da 5ª Vara do Distrito Federal, concluiu que há previsão legal para a convocação dos suplentes de parlamentar, conforme disposição do artigo 56 da Constituição Federal e do artigo 241 do Regimento Interno da Câmara dos Deputados.

No entanto, como não houve qualquer atividade legislativa no período em que eles foram convocados, ela entendeu que o pagamento traz “efetiva lesão ao patrimônio público”. A juíza diz que consultou o site da Câmara dos Deputados e constatou que não houve convocação extraordinária em janeiro de 2007.

Para a juíza, a melhor interpretação do artigo 56 da Constituição é no sentido de que os suplentes só devem ser convocados nos casos em que houver comprometimento do regime Democrático.

“Na hipótese, faltando apenas um mês para início do ano legislativo e existindo, ainda, durante o recesso parlamentar uma Comissão representativa do Congresso Nacional, não há, a meu ver, qualquer risco de desestabilização do regime Democrático que justifique a nomeação e posse dos suplentes, com o conseqüente pagamento de verbas sem a necessária contraprestação (serviço prestados). Daí a ilegalidade (inconstitucionalidade) e lesividade do ato”, decidiu.

Atividade inexistente

Na ação, a advogada argumenta que a posse dos 22 parlamentares que ocuparam a Câmara em janeiro é um ato administrativo lesivo ao Estado. Ela declara que as “vultosas” verbas que serão pagas aos suplentes de deputados para custear uma “atividade parlamentar inexistente” são alvos de clamor público e da indignação de todos os cidadãos brasileiros. Apesar da indignação da autora, a posse dos suplentes está prevista no artigo parágrafo 1ª do artigo 56 da Constituição.

Para a advogada, não há lei ou regimento interna corporis que justifique “este ato administrativo absolutamente lesivo ao povo”. Além disso, Carmen condena o fato de os suplentes terem permissão para nomear um grande número de assessores parlamentares “que serão remunerados regiamente por um mês onde não há nenhum trabalho parlamentar”.

Leia a decisão

Cuida-se de ação por meio da qual o autor popular pretende “seja deferida a suspensão liminar inaudita altera parte do ato lesivo impugnado (§ 4º, art. 5º, Lei 4.717/95), uma vez que se encontram presente todos os pressupostos básicos para a concessão: fumus boni iuris e o periculum in mora, determinando que a Câmara dos Deputados não venha a pagar o salário e verbas de auxílio-moradia, indenizatória, combustível, verba de gabinete e cota postal/telefônica aos deputados suplentes que figuram no pólo passivo da presente ação, bem como aos seus assessores.

Sustenta que a posse de deputados suplentes no período de recesso parlamentar representa afronta direta ao princípio da moralidade administrativa na medida em que houve o pagamento de remuneração sem que ocorresse a respectiva atividade legislativa na Câmara dos Deputados.

É o relatório necessário. Decido.

Inicialmente, importa considerar que a ação popular possui requisitos específicos sem os quais não é possível o seu manejo, quais sejam a condição de eleitor, a ilegalidade do ato a anular e sua lesividade ao patrimônio público.

O primeiro deles restou demonstrado pelo documento de fl. 20. Quanto aos demais, necessária se faz uma análise, ainda que superficial, do ato administrativo cuja anulação se pretende.

Observo que o art. 56, § 1º da Constituição da República previu expressamente os casos de convocação de suplente de parlamentar nos seguintes termos:

“Art. 56. Não perderá o mandato o Deputado ou Senador:

I- investido no cargo de Ministro de Estado, Governador de Território, Secretário de Estado, do Distrito Federal, de Território, de Prefeitura de Capital ou chefe de missão diplomática temporária;

II- licenciado pela respectiva Casa por motivo de doença, ou para tratar, sem remuneração de interesse particular, desde que, neste caso, o afastamento não ultrapasse cento e vinte dias por sessão legislativa.

§ 1º O suplente será convocado nos casos de vaga, de investidura em funções previstas neste artigo ou de licença superior a cento e vinte dias.


§ 2º Ocorrendo vaga e não havendo suplente, far-se-á eleição para preenchê-las se faltarem mais de quinze meses para o término do mandato.

§ 3º Na hipótese do inciso I, o Deputado ou Senador poderá optar pela remuneração do mandato.”

Da mesma forma é a previsão do Regimento Interno da Câmara dos Deputados:

“Art. 241. A Mesa convocará, no prazo de quarenta e oito horas, o Suplente de Deputado nos casos de:

I- ocorrência de vaga;

II- investidura do titular nas funções definidas no art. 56, I, da Constituição Federal;

III- licença para tratamento de saúde do titular, desde que o prazo original seja superior a cento e vinte dias, vedada a soma de períodos para esse efeito, estendendo-se a convocação por todo o período de licença e de suas prorrogações.

§ 1º Assiste ao Suplente que for convocado o direito de se declarar impossibilitado de assumir o exercício do mandado, dando ciência por escrito à Mesa, que convocará o Suplente imediato.

§ 2º Ressalvadas as hipóteses de que trata o parágrafo anterior, de doença comprovada na forma do art. 236, ou de estar investido nos cargos de que trata o art. 56, I, da Constituição Federal, o Suplente que, convocado, não assumir o mandato no período fixado no art. 4º, § 6º, III, perde o direito à suplência sendo convocado o Suplente imediato.”

Pela análise dos dispositivos constitucional e normativo acima transcritos, seria possível antever, num primeiro momento, a legalidade do ato administrativo ora impugnado, momente se partirmos da premissa de que a nomeação e posse de suplentes, em caso de afastamento do parlamentar para exercício de outros mandatos públicos, é prevista e previsível, sendo, por isso, um ato interna corporis ao qual não compete ao Poder Judiciário a avaliação de sua necessidade/utilidade.

Entretanto, mesmo tendo em mira a premissa de que a nomeação e posse de suplentes, em caso de afastamento do parlamentar para exercício de outros mandatos públicos, é prevista e previsível, entendo que a questão a despeito de, em princípio, encontrar-se dentro da avaliação discricionária do Poder Legislativo, está a exigir um pronunciamento judicial.

Deixo claro que não se pretende, aqui, substituir as razões que embasaram a decisão de nomeação dos suplentes de Deputados Federais pelas deste Juízo, o que seria de todo incabível.

Na verdade, a doutrina mais moderna vem admitindo uma análise judicial do mérito administrativo sem que esse exame represente afronta a princípio da separação dos poderes (art. 2º da CR/88), porquanto o controle jurisdicional pode, e deve, incidir sobre os motivos determinantes do ato administrativo, havendo, nesse caso, apenas um controle de legalidade no qual o Poder Judiciário verificará se o ato é correto à luz dos princípios que regem a atuação da Administração.

Sobre o tema já disse o insigne Ministro Eros Grau (1) que “como a atividade da Administração é infralegal — administrar é aplicar a lei de ofício, dizia Seabra Fagundes — a autoridade administrativa está vinculada pela dever de motivar os seus atos. Assim, a análise e ponderação da motivação do ato administrativo informam o controle pelo Poder Judiciário, da sua correção.” E completa ressaltando que “o Poder Judiciário vai à análise do mérito do ato administrativo, inclusive fazendo atuar as pautas da proporcionalidade e da razoabilidade, que não são princípios, mas sim critérios de aplicação do direito, ponderados no momento das normas de decisão. (…) O fato porém é que, nesse exame do mérito do ato, entre outros parâmetros de análise de que para tanto se vale, o Judiciário não apenas examina a proporção que marca a relação entre meios e fins do ato, mas também aquela que se manifesta na relação entre o ato e seus motivos, tal e qual deciarados na motivação.

Tendo em vista que a nomeação dos suplentes, ora requeridos, mais que um ato interna corporis, consubstancia-se em um típico ato administrativo, passível sua avaliação à luz dos princípios que regem a Administração Pública.

Dentro desse contexto, sobressai nítida a violação ao princípio da moralidade administrativa que, além da moral comum, representa o dever de o Administrador Público de “atuar na conformidade de princípios éticos. Violá-los implicará violação ao próprio Direito, configurando ilicitude que assujeita a conduta viciada a invalidação, porquanto tal princípio assumiu foros de pauta jurídica, na conformidade do art. 37 da Constituição. (2)

É que nomeação e posse de suplentes, enquanto se amoldem em sua literalidade à previsão constitucional e regimental, na forma como realizadas representaram nítida medida ilegal e lesiva ao patrimônio público. Isso porque foram feitas — a nomeação e posse — para um curtíssimo espaço de tempo que abrange, justamente, o recesso parlamentar (art. 57 da CR/88), período em que inexistem quaisquer atividades legislativas.


E se inexistem quaisquer atividades legislativas, quaisquer que sejam elas, o pagamento das verbas, cujo afastamento se pretende nesta ação popular, representa, o meu ver, efetiva lesão ao patrimônio público, pois tal ato administrativo não teria relação com qualquer motivo jurídico válido.

Nesse mesmo sentido as observações do MM. Juiz do Trabalho da 15ª Região, Dr. Guilherme Guimarães Feliciano, que em texto veiculado no site www.jusnavegandi.com.br., assim se manifestou:

É certo que a Constituição, em seu artigo 56, §1º, prevê a convocação do suplente quando o deputado é investido em cargo de secretário de Estado. Também o diz o artigo 241, II, do Regimento da Câmara. Mas essas regras não podem ser aplicadas, sem mais, quando significarem desperdício do dinheiro público. Não têm o condão de justificar pagamentos graciosos a treze felizardos que, por mais bem-intencionados que estejam, nada farão que mereça ser remunerado. Do contrário, revestem-se — na aplicação — de imoralidade administrativa, ferindo de morte o princípio constitucional.

Cabe aqui percutir, d’além-mar, a lição memorável de CANOTILHO, conhecido jurista português, segundo a qual as administrações, ao praticarem atos de execução de regras constitucionais, devem executá-las constitucionalmente, interpretando-as e aplicando-as de conformidade com os direitos, liberdades e garantias. Ora, a moralidade administrativa é, no Brasil, uma garantia da sociedade e de todos os cidadãos. Ao cidadão — ou ao seu guardião maior; o Ministério Público – incumbe, agora reclamá-la. E ao Judiciário, se provocado, fazê-la valer”

Ainda deve ser levado em consideração que o texto constitucional determina que “ocorrendo vaga e não havendo suplente, far-se-á eleição para preenchê-la se faltarem mais de quinze meses para o término do mandato”(art. 56, § 2º). Sob esse aspecto, é possível concluir que certamente considerou o legislador constituinte a necessidade de um período mínimo em relação ao qual deva ser suprida a vaga a fim de que não fique comprometida, inclusive, a proporcionalidade da repartição partidária, garantindo-se, com isso, a solidez do nosso regime Democrático.

Assim, a interpretação que melhor se compatibiliza com o texto constitucional é no sentido de que convocação de suplente nos casos de vaga, de investidura em funções previstas no art. 56 da CR/88 ou de licença superiora cento e vinte dias deve se dar nos casos em que efetivamente exista, em última análise, um comprometimento do regime Democrático.

Na hipótese, faltando apenas um mês para início do ano legislativo e existindo, ainda, durante o recesso parlamentar uma Comissão representativa do Congresso Nacional (art. 58 § 4º da CR/88), não há, a meu ver, qualquer risco de desestabilização do regime Democrático que justifique a nomeação e posse dos suplentes, com o conseqüente pagamento de verbas sem a necessária contraprestação (serviço prestados). Daí a ilegalidade (inconstitucionalidade) e lesividade do ato.

Lado outro, observo que a sessão legislativa extradionária, ao contrário da sessão ordinária, tem temática reduzida e deve constar expressamente de convocação (art. 57, §§ 7º e 8º, CR/88).

Isso faz crer que a necessidade de nomeação dos suplentes, no período do recesso parlamentar, decorreria de expressa convocação extraordinária, sendo justificável, aí sim, o pagamento de todas as verbas necessárias ao desempenho da atividade legislativa em questão.

Em consulta ao site Câmara, pude observar que não ocorreu qualquer convocação extraordinária para o período em questão (janeiro/2007), não havendo que se falar, portanto, que a nomeação dos suplentes se deu por absoluta necessidade.

Presentes, portanto, os requisitos necessários, DEFIRO O PEDIDO LIMINAR a fim de determinar a suspensão do “salário e verbas de auxílio-moradia, indenizatória, combustível, verba de gabinete e cota postal/telefônica aos deputados suplentes que figuram no pólo passivo da presente ação, bem como aos seus assessores”,desde que, por obvio, o pagamento já não tenha sido efetuado (considerando que ação foi ajuizada somente em 26 de janeiro deste ano), quando então, restará a este Juízo, após os trâmites processuais pertinentes, apreciar o mérito da presente ação.

Citem-se. Publique-se. Intimem-se.

Brasília, 29 de janeiro de 2007.

Natália Floripes Diniz

Juíza Federal Substituta da 5ª Vara/DF

Notas de Rodapé

1- STF, RMS 24699/DF, 1ª Turma, DJ 01.07.2025, p.56

2- Mello, Celso Antônio Bandeira, Curso de Direito Administrativo. São Paulo Editora Malneiros, 20ª edição, p. 107

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