Caos aéreo

Anac não reconhece decisão de Justiça sobre linhas da Varig

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30 de janeiro de 2007, 18h33

A Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) não desiste de tornar difícil a decolagem da nova Varig. Em nota publicada em seu site, a agência encarregada de disciplinar o tráfego aéreo no país afirma que não reconhece a competência da Justiça Estadual do Rio de Janeiro que na última sexta-feira (19/1) mandou-a restituir 22 linhas aéreas à Varig.

A 1ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro determinou que a agência devolvesse à empresa as rotas que lhe haviam sido retiradas. Foi a quinta vez que a Justiça impediu a distribuição das linhas aéreas da Varig para suas concorrentes.

A Anac, no entanto, afirmou que não reconhece a competência da Juízo Universal da falência para decidir questões administrativas da agência. Pela legislação brasileira, em princípio, autarquias da União respondem à Justiça Federal. Mas é da 1ª Vara Empresarial do Rio a competência para decidir sobre o processo de recuperação judicial da Varig e, portanto, se considera responsável pelo seu patrimônio.

O Conflito de Competência já foi analisado pelo Superior Tribunal de Justiça, que decidiu em favor da justiça estadual. Em outro conflito, dessa vez entre a Justiça Estadual e a Trabalhista, o STJ entendeu, em caráter provisório, que a competência é da Vara Empresarial.

A Anac havia anunciado que retiraria da Varig 119 rotas. Parte delas, a própria empresa havia devolvido à agência. Mas, de acordo com o advogado da Varig, Cristiano Zanin Martins, do escritório Teixeira, Martins e Advogados, as que saem do Aeroporto de Congonhas, que são 23 rotas no total, eram de interesse da empresa que já as está operando. Por isso, a questão foi parar, mais uma vez, na Justiça.

Na sexta-feira (26/1), o juiz Paulo Roberto Fragoso, da 1ª Vara Empresarial do Rio, determinou que a Anac devolvesse as 22 rotas das 23 questionadas para a Varig.

Na nota, a Anac afirma que tem competência para retirar as linhas não operadas de qualquer concessionária. “A 1ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro tem responsabilidade legal pela recuperação judicial da antiga Varig, mas não tem alçada sobre a VRG [nova Varig]”, diz a nota.

Falta de equilíbrio

A Varig afirma que as 22 linhas aéreas estavam ativas e promete recorrer à Justiça novamente para obter as linhas de volta. “Não são poucos os episódios que mostram a forma pouco equilibrada com a qual a Anac tem agido. Desde o leilão judicial ocorrido em julho, a Anac já vem tentando leiloar as linhas da nova Varig a fim de que sejam distribuídos entre seus principais concorrentes”, afirma o advogado da Varig.

Para Cristiano Zanin Martins, “a resistência da Anac em aceitar a nova Varig parece que não vai parar. Isso é ilegal e desafia o dever de probidade do administrador público. Estamos analisando a possibilidade de propor uma ação contra a agência e seus diretores pelos prejuízos causados à companhia.”

Na nota oficial, a Anac afirma que ainda não foi notificada sobre a decisão da Justiça Federal. “Para que a Anac seja notificada, é preciso ocorrer à expedição de carta precatória a ser cumprida por um juiz federal, uma vez que a autarquia tem sede no Distrito Federal e somente o presidente ou o procurador-geral [da agência] tem competência legal para receber notificações.”

O advogado da Varig garante que a agência foi notificada na própria sexta-feira (26/1). “Foi o próprio diretor da Anac quem recebeu a intimação do oficial de Justiça no dia 26 de janeiro. A argumentação de que somente o diretor-presidente teria poderes para receber intimação apenas revela o objetivo da agência de se esquivar do cumprimento de ordens judiciais. É o mesmo que se exigir que o presidente da República receba todas as intimações dirigidas à União”, diz Martins.

No entendimento dos advogados da nova Varig, o objetivo da Anac não é o de tirar as linhas da empresa, mas asfixiá-la para impedir seu restabelecimento. Ao adotar sucessivas medidas já condenadas pelo Judiciário, a agência estaria fugindo seu papel institucional para defender interesses de terceiros, afirma Cristiano Martins.

Histórico

A partir do momento em que recebeu a certificação, em 14 de dezembro, a Varig tinha 30 dias para colocar em operação as suas linhas. A Varig devolveu, em seguida 96 linhas que não estava apta a operar e concentrou seus esforços em reativar as demais

Até a nova Varig ser autorizada a voar, suas linhas estiveram diversas vezes sob ameaça de leilão. A Anac chegou a marcar a venda das rotas, barrada pela Justiça. No início de dezembro, um acordo entre Varig, Anac e Infraero permitiu que a certificação ocorresse.

Leia a nota da Anac

A Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC) informa que é de sua competência retirar os eslotes e linhas aéreas não operadas por qualquer concessionária de serviços aéreos no período de 30 dias, no caso de linhas domésticas, e de 180 dias, no caso de vôos internacionais.


No dia 23/01, a Agência Reguladora cancelou as 119 linhas aéreas da Nova Varig, nome pela qual é conhecida a VRG Linhas Aéreas. Quando recebeu a Certificação de Homologação de Empresas de Transporte Aéreo (CHETA), em 14/12/2006, a VRG Linhas Aéreas — empresa que adquiriu em leilão judicial a Unidade Produtiva Varig em 2006 — teria direito a 270 vôos domésticos.

De acordo com a Portaria 569, de setembro de 2000, toda empresa aérea tem um prazo de 30 dias para operar seus vôos. A Superintendência de Serviços Aéreos (SSA) avaliou as operações realizadas no período que compreende a data de assinatura do contrato de concessão e a data da decisão da Diretoria Colegiada e verificou que, dos 270 vôos, entre eles 23 eslotes em Congonhas, a VRG Linhas Aéreas operou apenas 151.

A 1ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro tem responsabilidade legal pela recuperação judicial da antiga Varig, mas não tem alçada sobre a VRG. A companhia também conhecida como Nova Varig é uma empresa aérea concessionária recentemente homologada pela ANAC e tem saúde financeira, não estando em recuperação judicial.

Vale ressaltar que até o momento Agência Reguladora não foi notificada do teor da decisão veiculada pela imprensa. Para que a ANAC seja notificada é preciso ocorrer à expedição de carta precatória a ser cumprida por um juiz federal, uma vez que a autarquia tem sede no DF e somente o Presidente ou o Procurador- Geral têm competência legal para receber notificações.

Conheça abaixo os artigos 16 e 17 da Lei 11.182:

Art. 16. Cabe ao Diretor-Presidente a representação da ANAC, o comando hierárquico sobre o pessoal e o serviço, exercendo todas as competências administrativas correspondentes, bem como a presidência das reuniões da Diretoria.

Art. 17. A representação judicial da ANAC, com prerrogativas processuais de Fazenda Pública, será exercida pela Procuradoria.

Leia trecho do voto condutor do desembargador federal Paulo Espírito Santo sobre a questão da competência para tratar dos ativos da Varig

A competência da juízo universal da falência para dirimir questões relacionadas ao patrimônio da nova Varig já foi reafirmada mais de uma vez pelo STJ. Em um dos casos, no ano passado, o tribunal confirmou um enfático voto do Tribunal Regional Federal da 2ª Região. Leia seus principais trechos:

“(…)

Qual a competência? Não tenho a menor dúvida em dizer que a competência desse caso é da Justiça Estadual, porque a função dessa Autarquia, da Agência Nacional de Aviação Civil — ANAC — não é de instituir direitos, instituir patrimônios, liquidar patrimônios, mas regular o mercado de aviação civil.

(…)

Eu começaria dizendo que é absolutamente incompetente a Justiça Federal para julgar esse caso. Sem falar que, com a máxima vênia do eminente Relator pela ênfase, o procedente não se enquadra na hipótese de insolvência de aviação civil, em que se diz que quanto uma autarquia sobre uma lesão de direito por um Juiz estadual, quem julga é o TRF. Sim, boa jurisprudência. Mas onde está a lesão de direito sofrida pela autarquia? Ela é que pode causar uma lesão no patrimônio da empresa em recuperação. Assim, não há que se falar absolutamente nessa questão competencial.

Estou na sala de espera, mas tenho que entrar na sala de visita do mérito. O que é a realização ou recuperação de um patrimônio? Estou falando alto para o meu voto ficar transcrito. A recuperação ou realização de um patrimônio é se verificar – o que contabilmente se fala de forma simples – o passivo e o ativo? Não! Juridicamente, patrimônio é mais amplo…

A questão é saber o seguinte: uma companhia de aviação civil, na sua componente patrimonial, tem bens corpóreos? Sim. Aliás, até nem têm tantos, porque os aviões são arrendados, elas pagam por mês. Há os bens imobiliários, enfim, têm bens. Certamente, a Varig tem os seus bens corpóreos.

Mas qual o principal componente patrimonial de uma empresa como a Varig, uma das maiores empresas de aviação do mundo? Eu não vou falar esse nome aqui… Vou falar o meu vernáculo … As suas rotas são o maior em que uma empresa de aviação tem no seu patrimônio. Não há outro bem maior. Uma aeronave, que aparentemente pode ser um bem maior, às vezes, não é dela, pois está arrendada…

A Varig tinha e tem um arsenal enorme de rotas, arsenal que compõe a sua principal parte patrimonial. E foi por causa disso que a Varig conseguiu, na Vara Empresarial, fazer o acordo…

O maior componente da Varig são as rotas nacionais e internacionais, os direitos, as permissões, as concessões, tudo aquilo que ela podia fazer…

Isso foi, de forma inequívoca, bem equacionado pela Vara Empresarial, como pude ler aqui. E eu sou da Justiça Federal. Foi feito um acordo reto, lógico, inequívoco, que está sendo implementando. Há até um prazo após o qual, se o acordo não estiver implementado, a agência possa entrar, já que não pode ficar esperando indefinidamente, porque o transporte de passageiros em aviões é de interesse público.


(…)

Então pasmem: eu, que sou um dos maiores defensores das agências …. não posso aceitar que essa agência retire aquilo que está sendo realizado, ainda dentro do prazo, pela Vara Empresarial e jogue na sua atividade-fim, a pretexto de estar regulando, para distribuir por interesse público. É claro que há interesse público, mas dentro dos prazos. E a Vara Empresarial está fazendo. Ela não pode ser, em última análise, paladina da Justiça. O Brasil tem Justiça, e Justiça atenta.

Saindo da sala de espera do mérito e entrando nas preliminares, fiquei pensando: como posso admitir a competência da Justiça Federal? Não posso! (…) Se o interesse que alega – que não tem – está lá no acordo da Vara Empresarial, mandado de segurança contra uma decisão interlocutória, passível de agravo de instrumento? Sobretudo hoje em que o agravo de instrumento, até em uma nova roupagem, foi bem equacionado na questão do agravo retido, sendo admitido só naquelas hipóteses excepcionais”.

(…)

“Ela concordou [com a alienação da UPV], foi intimada. A Doutora Juíza proferiu uma decisão que não foi cumprida ou não está se querendo cumprir. E vou repetir o que a Doutora Juíza de Primeiro Grau disse, e disse bem – aliás, também digo sempre: os dois pilares fundamentais da democracia são o cumprimento da lei e o cumprimento à decisão judicial. Não importa o nível: se de uma Juíza ou um Juiz do interior da Justiça Estadual ou do Presidente do Supremo Tribunal Federal.

Sua Excelência foi perfeita. No dia em que decisão judicial não for cumprida, porque a parte não gostou da decisão judicial, achou antipática, por exemplo, uma decisão judicial que reconhece o usucapião — não há mais antipático do que o proprietário perder sua propriedade por esbulho do outro —, no dia em que a parte disser: ‘Eu não cumpro’, acabou o Poder Judiciário.

(…)

Então, a decisão judicial foi exarada por uma Juíza. Mandou parar. Sim, mandou parar o que não poderia começar. E se diz: ‘Não se pode, porque Juiz do Estado não pode mandar na autarquia’. Mas não está mandando na autarquia, não está interferindo na atividade-fim da autarquia. Aliás, não poderia mesmo.

Sua Excelência está simplesmente proferindo uma decisão no sentido de permanecer o ‘status’ naquele momento. Porque, se houver uma decisão de uma agência que vai exatamente na contramão de tudo o que foi realizado na Vara Empresarial, não se cumpre a decisão judicial. Porque é Justiça do Estado? Não existe hierarquia no Poder Judiciário, tudo é Poder Judiciário. Então, tinha que ser cumprida.

Mandado de segurança? Onde está a ilegalidade da Doutora Juíza? Onde está o abuso de poder? Onde está a teratologia? Não há. Não há teratologia nenhuma. Onde estão as empresas, as pessoas que estariam prejudicadas por esse acordo? Só a agência nacional, que quis arrostar uma função que não é sua, neste momento.”

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