Dívida tributária

Responsabilidade tributária de sócio requer cuidadosa análise

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28 de janeiro de 2007, 23h00

O tema da responsabilidade dos sócios ou administradores por obrigações tributárias de sociedades empresariais possui enorme importância nos dias atuais, preocupando sócios investidores, empreendedores e inúmeros outros participantes em nosso âmbito empresarial, por vezes tornados presas fáceis diante dos mecanismos de constrição judicial disponíveis aos credores fazendários.

A 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial n. 627.806-RS, decidiu, por maioria de votos, que nos casos de débitos com a Seguridade Social decorrentes do inadimplemento de obrigações previdenciárias por pessoa jurídica, os sócios-quotistas respondem solidariamente com a sociedade, conforme previsto no artigo 13 da Lei n. 8.620, de 05 de janeiro de 1993.

De acordo com os Ministros do STJ não se faz necessário que o Instituto Nacional do Seguro Social demonstre que o não recolhimento das obrigações previdenciárias se deu por ato abusivo, praticado com violação à lei, ou de que o sócio agiu na qualidade de administrador da sociedade, nos moldes do artigo 135 do Código Tributário Nacional, abaixo transcrito:

“Art. 135. São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos:

I – as pessoas referidas no artigo anterior;

II – os mandatários, prepostos e empregados;

III – os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado.”

Isso porque, conforme o raciocínio dos julgadores, o inciso II, do artigo 124 do Código Tributário Nacional, que estabelece a responsabilidade tributária solidária das pessoas expressamente designadas por lei, autorizaria a previsão inserta no artigo 13 da Lei n. 8.620/1993, que justamente estabelece a responsabilidade solidário de sócios na seguinte hipótese, in verbis:

“Art. 124. São solidariamente obrigadas:

II – as pessoas expressamente designadas por lei.”

“Art. 13 O titular da firma individual e os sócios das empresas por cotas de responsabilidade limitada respondem solidariamente, com seus bens pessoais, pelos débitos junto à Seguridade Social.

Parágrafo único. Os acionistas controladores, os administradores, os gerentes e os diretores respondem solidariamente e subsidiariamente, com seus bens pessoais, quanto ao inadimplemento das obrigações para com a Seguridade Social, por dolo ou culpa.”

Assim, em uma análise fria do inciso II, do artigo 124 do CTN e do artigo 13 da Lei n. 8.620/1993, o STJ resolveu a questão, sem maiores conjecturas, de forma singela, concluindo que o sócio, seja ele empreendedor ou investidor, responde com seu patrimônio pessoal pelas dívidas da sociedade por quotas de responsabilidade limitada da qual detenha participação.

Referido Julgamento provocou um verdadeiro alvoroço no meio empresarial, sobretudo pela relevância da responsabilização solidária, pouco comum no sistema tributário, em que prepondera a regra (art. 135 CTN), que também consta no artigo 158 da Lei n. 6.404, de 15 de dezembro de 1976, de que somente deve responder aquele que, detendo poder de mando, praticou o ato contrário à lei ou ao estatuto social:

“Art. 158. O administrador não é pessoalmente responsável pelas obrigações que contrair em nome da sociedade e em virtude de ato regular de gestão; responde, porém, civilmente, pelos prejuízos que causar quando proceder:

I – dentro de suas atribuições ou poderes, com culpa ou dolo;

II – com violação da lei ou estatuto;”

Talvez por romper com a tradição da responsabilidade tributária que esta solidariedade vem sendo atacada com os argumentos jurídicos fundados no artigo 135 do CTN e 158 da Lei nº. 6.404/1976, no sentido de que ela estaria condicionada à prova de que o sócio agiu contrariamente à lei ou ao estatuto/contrato social, aplicando-se tão-somente ao sócio que exerce poderes de administração na Sociedade.

Em nossa opinião, a matéria careceria de outra abordagem visto que o artigo 124 do CTN, em uma singela análise apegada à sua literalidade, expressamente possibilitaria a imputação legal de responsabilidade tributária às pessoas designadas pela Lei, como os sócios nominados no artigo 13 da Lei nº 8.620/1993.

Nesse ponto, julgamos relevante abrir um parêntese para afirmar que, na realidade, o inciso II, do artigo 124 não constitui um cheque em branco dado ao legislador ordinário, vez que necessariamente deve haver relação jurídica entre a obrigação tributária e a terceira pessoa eleita a responder solidariamente por tal dever jurídico.

E a simples titularidade de quotas por si só, sem qualquer relação com o não recolhimento de tributos, em nosso entendimento, diversamente do estabelecido pelo artigo 13 da Lei nº 8.620/1993, não seria suficiente para que o sócio integrasse o pólo passivo de uma cobrança na qualidade de devedor solidário.


Esse também é o pensamento de HUGO DE BRITO MACHADO , que, tratando do tema, observou o seguinte “não nos parece seja permitido ao legislador atribuir responsabilidade tributária a quem não esteja, ainda que indiretamente, relacionado ao fato gerador da obrigação respectiva.”

Desde já estamos convictos que a responsabilização prevista no artigo 13 da Lei nº 8.620/1993 esmaeceu após 10.01.2003, data da entrada em vigor do Código Civil (Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002), uma vez que deixaram de existir os “sócios da sociedade por cotas de responsabilidade limitada”, prevista no Decreto nº 3.708, de 10 de janeiro de 1919.

As sociedades por quotas de responsabilidade limitada existentes deram lugar, mediante adaptação a ser realizada pelos seus sócios, nos termos do artigo 2.031 do CC, a outros tipos societários, que, embora semelhantes, diferem do modelo descrito pelos artigos 1º e 2º do Decreto nº 3.708/1919, modelo este ao qual o artigo 13 da Lei nº 8.620/1993 faz referência:

“Art. 1o Além das sociedades a que se referem os arts. 295, 311, 315 e 317 do Codigo Commercial, poderão constituir-se sociedades por quotas, de responsabilidade limitada.

Art. 2o O titulo constituivo regular-se-há pelas disposições dos arts. 300 a 302 e seus numeros do Codigo Commercial, devendo estipular ser limitada a responsaiblidade dos sócios à importancia total do capital social.

Em outras palavras, pelos princípios da tipicidade cerrada e da estrita legalidade, previstos no artigo 5º e inciso I, do artigo 150 da Constituição Federal, em nossa opinião, um sócio de uma sociedade limitada, de uma sociedade simples e/ou de uma sociedade simples limitada não poderia mais ser alcançado pelo artigo 13 da Lei nº 8.620/1993, que faz expressa menção a um tipo societário transposto – a sociedade por cotas de responsabilidade limitada.

A força desses princípios, reproduzida nos artigos 108, 111 e 112 do CTN, impossibilita a interpretação voltada à inclusão de sócios de outros tipos societários que não as sociedades por cotas de responsabilidade limitada na forma de responsabilização prevista no artigo 13 da Lei nº 8.620/1993.

A importância do tema o alçou ao Supremo Tribunal Federal, onde há duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade propostas, nas quais Confederação Nacional do Transporte – CNT (ADIN 3642) e a Confederação Nacional da Indústria – CNI (ADIN 3672) pleiteiam a inconstitucionalidade do artigo 13 da Lei nº 8.620/1993.

No período anterior a 20 de janeiro de 2002, merece destaque o julgamento que será dado pelo STF, vez que padece de sentido jurídico a diferenciação societária constante no artigo 13 da Lei n. 8.620/1993, que porquanto, em nossa opinião, incidiu em inconstitucionalidade o referido dispositivo ao simplesmente mencionar os sócios das sociedades por cotas de responsabilidade limitada, olvidando outros tipos societários como a Sociedade por Ações, que mereceria maior atenção das autoridades por seu caráter institucional, as antigas Sociedades Civis etc.

Esta distinção sem motivos jurídicos relevantes consubstancia ofensa ao princípio da isonomia, previsto no artigo 5º e no inciso II, do artigo 150 da Constituição Federal, recaindo sobre um tipo societário até então muito difundido em nosso meio empresarial, de grande importância para o desenvolvimento econômico do nosso país, adotado em regra para pequenos e médios empreendimentos.

Tal discriminação, pelas mesmas razões, vai de encontro aos princípios da atividade econômica previstos no artigo 170 da Constituição Federal, dentre os quais podemos destacar a livre iniciativa, a propriedade privada e a função social da propriedade, chegando a expor meros sócios investidores das antigas sociedades por cotas de responsabilidade limitada que não tiveram qualquer participação com o não recolhimento dos tributos pela sociedade.

Desse modo, o tema da responsabilidade tributária dos sócios por dívidas perante a seguridade social não se circunscreve a uma simples operação lógica travada entre o inciso II, do artigo 124 do CTN e o artigo 13 da Lei nº 8.620/1993, irradiando seus efeitos por todo o meio empresarial, seus partícipes, e produzindo impacto sobre a nossa ordem econômica.

Aliás, o próprio STJ, por meio da 1ª Seção, que reúne a 1ª e a 2ª Turmas competentes para o julgamento de matéria tributária, já pacificou o entendimento, contrariado especificamente nas hipóteses do artigo 13 da Lei nº 8.620/1993, que o simples inadimplemento de tributos não constitui infração legal e que o sócio não responderia solidariamente com a Sociedade, conforme se verifica na seguinte ementa:

TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. EXECUÇÃO FISCAL. RESPONSABILIDADE. SÓCIO-GERENTE. REDIRECIONAMENTO DO EXECUTIVO. LIMITES. ART. 135, III, DO CTN. NECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DO FISCO DE VIOLAÇÃO DA LEI. REEXAME DE PROVA. INCIDÊNCIA DA SÚMULA Nº 07/STJ. PRECEDENTES.


1. Agravo regimental contra decisão que negou seguimento ao recurso especial da agravante.

2. Os bens do sócio de uma pessoa jurídica comercial não respondem, em caráter solidário, por dívidas fiscais assumidas pela sociedade.

A responsabilidade tributária imposta por sócio-gerente, administrador, diretor ou equivalente só se caracteriza quando há dissolução irregular da sociedade ou se comprova infração à lei praticada pelo dirigente.

3. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça pacificou entendimento no sentido de que o simples inadimplemento não caracteriza infração legal. Inexistindo prova de que se tenha agido com excesso de poderes, ou infração de contrato social ou estatutos, não há falar-se em responsabilidade tributária do ex-sócio a esse título ou a título de infração legal, por meio de redirecionamento da execução fiscal.

4. “A responsabilidade tributária substituta prevista no art. 135, III, do CTN, imposta ao sócio-gerente, ao administrador ou ao diretor de empresa comercial depende da prova, a cargo da Fazenda Estadual, da prática de atos de abuso de gestão ou de violação da lei ou do contrato e da incapacidade da sociedade de solver o débito fiscal.” (AgReg no AG nº 246475/DF, 2ª Turma, Relª Minª. NANCY ANDRIGHI, DJ de 01/08/2000)…”

(AgRg no REsp 834404/RS – AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL 2006/0067900-7)

Diante de tal descompasso interpretativo, torna-se difícil visualizar critérios de justiça — que dirá o leigo nos assuntos diários do Direito — e divisar uma interpretação constitucional, vez que ambos os casos julgados pelo STJ tratam de não recolhimento de tributos e os resultados são diametralmente opostos, justamente por conta do ilegal e inconstitucional artigo 13 da Lei nº 8.620/1993.

Em nosso entendimento, apenas um dispositivo ilegal e inconstitucional como o artigo 13 da Lei nº 8.620/1993 poderia gerar tamanha celeuma e desequilíbrio em nosso sistema jurídico, que não por coincidência provocou alarme do meio empresarial, que embora alheio aos assuntos da técnica do Direito, percebeu, de pronto, a falta de lógica deste julgado.

Além da esperança ora depositada no Supremo Tribunal Federal e na sensibilidade dos juízes monocráticos, sobretudo após a publicação da Lei nº 11.101, de 09 de fevereiro de 2005, — Lei de Falência e Recuperação de Empresas — o assunto ora tratado possui como ponto positivo o fato de que nos leva inegavelmente à reflexão.

Até que ponto devemos admitir o ingresso no patrimônio pessoal de sócios, sejam eles empreendedores – e o que é pior, meros investidores – de qualquer tipo societário, que se lançam a investir suas energias e/ou recursos financeiros em fonte produtora de recursos, por meio de pessoas jurídicas, que, no final das contas, são colocadas de lado ao bel prazer do credor fazendário.

A generalização da responsabilidade tributária, distante de investigações de quem praticou o ato – ou de que o débito fiscal decorreria de prática ilícita, contrária à lei, contrato/estatuto social, ou corresponderia em ofensa ao princípio da função social da empresa – apesar de cômoda para a fiscalização tributária e para o próprio credor fazendário, produz nocivas conseqüências em longo prazo.

Faz-se mister que nosso sistema jurídico, por meio da devida aplicação do direito, ofereça um caminho seguro para a responsabilização tributária de sócios e administradores, diferenciando, mediante cuidadosa análise, e delimitando os limites em que o sócio investidor, o sócio empreendedor e o administrador podem ou não ser responsabilizados, de modo a estancar o medo e possibilitar investimentos empresariais.

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