Vendedores de fumaça

Pertence repele acusações de venda de decisões no Supremo

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29 de janeiro de 2007, 17h07

O ministro do Supremo Tribunal Federal Sepúlveda Pertence enviou à Procuradoria-Geral da República esclarecimentos sobre o caso em que gravações da Polícia Federal flagraram advogados dando a entender que obtiveram liminar no STF graças a uma propina de R$ 600 mil que teria sido paga ao ministro. O tom da manifestação é de indignação.

“A serenidade que tenha conseguido preservar custou-me o amargo esforço de vencer o constrangimento de remexer o lixo das baixezas humanas e sufocar a ira justificada por ver o próprio nome enrolado na onda levantada pela calúnia dos vagabundos e a leviandade de irresponsáveis agentes públicos”, afirma Pertence no ofício.

Apesar do tom indignado, o ministro coloca à disposição da PGR sua movimentação bancária e elenca dados objetivos, que mostram outras dezenas de vezes em que ele decidiu exatamente da mesma forma da decisão colocada sob suspeita no curso de investigações da Polícia Federal.

A matéria que gerou a controvérsia trata da base de cálculo da Cofins. A Emenda Constitucional 20 permitiu o alargamento da base de cálculo da contribuição ao determinar que ela incidisse sobre faturamento ou receita bruta das empresas. Mas antes mesmo da aprovação da Emenda, para apressar o processo e poder arrecadar mais rapidamente, o governo editou uma Medida Provisória em vez de enviar projeto de lei ao Congresso.

A questão chegou ao Supremo Tribunal Federal, que decidiu que o alargamento da base de cálculo da Cofins era inconstitucional porque não poderia ser regulamentado por MP. A partir dessa decisão, os 11 ministros do Supremo decidem no mesmo sentido quando o que está em discussão é o alargamento da base de cálculo da Cofins por meio da Lei 9.718/98.

Levantamento feito pela assessoria de Pertence revelou que, desde 2004, o ministro despachou 54 pedidos de Medida Cautelar referente a esse tema com a mesma celeridade e no mesmo sentido da ação que gerou a desconfiança. Das 54 decisões, 43 foram tomadas num espaço de uma semana — 23 delas no dia seguinte ao do pedido.

Com esses dados, Pertence repudia as alegações de que a decisão colocada sob suspeita teria sido tomada “em tempo recorde”. Ainda segundo a manifestação do ministro, em 2005 e 2006, outros 123 recursos extraordinários foram decididos em 48 horas. “Nenhum deles sob o patrocínio do embusteiro, travestido de advogado, de quem se trata”, afirma, numa referência ao advogado Luís Fernando Garcia Severo Batista, cuja conversa interceptada pela PF deu origem à suspeita sobre a decisão do ministro.

O ministro critica, ainda, o fato de as suspeitas terem sido chanceladas por três procuradores da República. Segundo ele, se as falácias “acaso puderam impressionar o imaginoso policial comentador da urdidura dos safardanas, desvelada pela série de telefonemas gravados, espanta que hajam bastado para que três procuradores da República lhe trilhassem as pegadas enganosas e endossassem a suspeita inconsistente”.

O ministro termina sua defesa com um desabafo em que não poupa “os desqualificados traficantes da honra alheia” e tão pouco os “agentes públicos de pressuposta responsabilidade — policiais federais e Procuradores da República — os quais, pela titulação que detêm, não podem ser havidos por néscios e papalvos — e cuja precipitação irrefletida — para não me deixar arrastar a conjecturas menos inocentes —, desafia também a repulsa mais vigorosa”.

Após a análise da manifestação do ministro, a Procuradoria-Geral da República deve decidir se abre ou não inquérito para apurar o caso.

Venda fictícia

No início de janeiro, foi divulgado que gravações da Polícia Federal feitas numa investigação em Mato Grosso do Sul flagraram advogados dando a entender que teriam conseguido uma decisão favorável do ministro Sepúlveda Pertence graças a uma propina de R$ 600 mil.

Nas investigações, não há provas nem indicação da participação do ministro em qualquer negociação. Ele não é parte das gravações e nem mesmo é citado. Mas o caso referido nas conversas gravadas foi de sua relatoria.

Na ocasião, como agora, o ministro atribuiu o fato à prática de advogados, que, conhecendo previamente, com base na jurisprudência, o resultado da ação, convencem o cliente de que é preciso “comprar” a decisão. Como a vitória é certa, embolsam o dinheiro e, de quebra, vendem a imagem de que têm influência e trânsito junto a juízes que não fazem idéia de que estão à venda.

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