Poder da tecnologia

Não adianta juiz mandar prender; bits não são aprisionáveis

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29 de janeiro de 2007, 15h28

A velocidade com que a internet avança é muito maior que o conhecimento sobre seu funcionamento. O suposto bloqueio do site YouTube, recentemente promovido pelo Judiciário paulista, expôs à sociedade a realidade de que muitos operadores do Direito não estão preparados para atuar no campo do Direito das novas tecnologias, ou Direito Eletrônico, como queiram denominá-lo.

A decisão tomada no mês de setembro pela corte paulista era de que os sites Globo.com, IG e YouTube estavam proibidos de veicular as imagens do casal de famosos namorando na praia sob pena de multa diária de R$ 250 mil. Como o site YouTube teve dificuldades em cumprir a determinação, novo pedido foi requerido e o desembargador Ênio Santarelli Zuliani, da 4ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, concedeu liminar por entender que a empresa estrangeira não podia desrespeitar as decisões tomadas pelo Judiciário brasileiro.

Na liminar, foi determinado que o YouTube, que agora pertence à empresa Google Inc, também responsável pela administração do polêmico site de relacionamentos Orkut, teria de instalar uma ferramenta capaz de filtrar os vídeos exibidos e a multa de R$ 250 mil continuaria valendo. Para dar cumprimento à decisão judicial, os provedores simplesmente bloquearam o acesso a todo conteúdo do site.

A reação de repúdio de toda comunidade mundial e principalmente a brasileira foi instantânea. O prejuízo causado a milhares de brasileiros fez com o juiz tivesse de voltar atrás e determinar o desbloqueio do site de vídeos. Segundo o magistrado, o novo entendimento foi motivado pela negativa do site em cumprir uma decisão judicial e que só foi aplicado por uma suposta dificuldade em bloquear apenas o acesso ao vídeo das cenas de namoro na praia. No mesmo despacho, o desembargador diz que o incidente serviu para confirmar que a Justiça poderá determinar medidas restritivas, com sucesso, contra as empresas, nacionais e estrangeiras, que desrespeitarem as decisões judiciais. Será verdade?

Então quer dizer que o juiz pode mandar prender um bit? Os bits não são aprisionáveis, tudo que é processado no computador, sons, vídeos, imagens e textos se resumem a uma sucessão de zeros e uns, a chamada linguagem binária. Portanto, trata-se uma decisão judicial de difícil cumprimento e por si só ineficiente. O vídeo pode facilmente mudar de endereço e jamais ninguém conseguirá retirá-lo da Web. Esta não é a primeira decisão neste sentido. Recentemente, uma outra provocou discussões entre os especialistas no assunto.

A 28ª Vara Cível do Rio de Janeiro obrigou o Google e o Yahoo! a instalar filtros em seus motores de busca para que o nome de Robson Pacheco Pereira não fosse encontrado pelos buscadores da internet. A determinação foi mantida pelo Tribunal de Justiça fluminense. Será que diante da impossibilidade de cumprimento desta sentença, também serão bloqueados os referidos sites?

O desconhecimento técnico e falta de legislação específica dificultam a tomada de decisões adequadas à realidade dos meios eletrônicos. Não basta falar em informatização da Justiça se esta não estiver preparada para encarar os novos desafios que a internet nos coloca todos os dias. No caso específico, seria necessária uma legislação supranacional? Como executar uma decisão na rede global? O vídeo foi feito na Espanha, disponibilizado numa empresa americana e acessado no Brasil por meio de provedores locais.

Quem são os responsáveis pela sua veiculação? Qual a definição do que é lícito e ilícito na rede mundial de computadores? São questões polêmicas de complicada solução até o momento. Chegamos num determinado ponto em que a simples analogia com a legislação vigente não é suficiente. Precisamos tornar a internet uma terra de leis respeitáveis para que se possa colocar ordem nesta verdadeira anarquia virtual.

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