Breque no Samba

MP paulista pede interdição de casa de shows em São Paulo

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29 de janeiro de 2007, 16h21

O Ministério Público de São Paulo entrou, nesta segunda feira, com Ação Cautelar com pedido de liminar na Justiça estadual para a interdição da casa de shows Sampa Hall, na capital paulista. Segundo José Carlos de Freitas, 1º promotor de Justiça de Habitação e Urbanismo da Capital, a casa protagoniza cenas de violência e vandalismo, que aterrorizam a vizinhança. O promotor pede multa diária de R$ 50 mil, em caso de descumprimento da liminar, que deverá reverter ao Fundo Estadual de Reparação de Interesses Difusos Lesados.

Nos 14 pontos ajuizados contra a casa de shows, que atestam total perda de controle das condições básicas de segurança, o promotor elenca que "narrou o Sr. Subprefeito que além dos danos ao patrimônio público, furtos, tumultos, brigas no passeio público, danos aos imóveis vizinhos e barulho excessivo na madrugada, em 21/1 houve uma briga no interior da casa de shows, que ocasionou a morte de um adolescente, por conta de uma garrafada no pescoço. Apesar de atendido no Hospital Sorocabano, o menor faleceu por conta de uma lesão na coluna e no pescoço. Este fato vem comprovado por boletim de ocorrência e noticiário da imprensa"

Conheça a íntegra da ação:

Exmo. Sr. Dr. Juiz de Direito da Vara da Fazenda Pública da Capital

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO, por sua Promotoria de Justiça de Habitação e Urbanismo da Capital, com suporte nos artigos 129, II e III, da Constituição Federal, artigos 81, parágrafo único, III, 82, 91, 92, 110 e 117 da Lei nº 8.078/90, artigos 1º, 5º e 21 da Lei nº 7.347/85, artigo 25, IV, “a” e “b”, da Lei 8625/93, e Lei nº 10.257/01 (Estatuto da Cidade), vem propor a presente AÇÃO CAUTELAR com pedido de LIMINAR em face da:

MUNICIPALIDADE DE SÃO PAULO, pessoa jurídica de direito público, a ser citada na av. Liberdade, nº 136, 6º andar, Centro, nesta Capital, e da

VINTE MIL E DOIS RESTAURANTE E ATRAÇÕES MUSICAIS LTDA – SAMPA HALL, pessoa jurídica de direito privado inscrita no CNPJ nº 07.462.171/0001-81, a ser citada na rua Clélia, 1517, Lapa, Capital,

pelas razões a seguir expostas.

1) Instaurou-se na Promotoria de Justiça de Habitação e Urbanismo da Capital o Procedimento Preparatório de Inquérito Civil – PPIC nº 018/07, a partir de representação da Subprefeitura da Lapa, órgão da Municipalidade de São Paulo, protocolada em 23.01.2007, comunicando que a cor-ré VINTE MIL E DOIS RESTAURANTE E ATRAÇÕES MUSICAIS LTDA , com nome fantasia SAMPA HALL, vem promovendo shows e eventos em seu estabelecimento, situado na rua Clélia, nº 1517, Lapa, sem alvará de funcionamento e proporcionando uma série de acontecimentos prejudiciais à vida em comunidade.

2) Anexou-se à representação uma cópia do ofício nº 4BPMM 023/02/07 da Polícia Militar (fls. 16/18), relatando a seqüência de fatos e transtornos causados pela casa de shows SAMPA HALL com direta relação com a prática de vendas de ingressos e de bebidas alcoólicas a preços módicos nas dependências do estabelecimento comercial, a saber:

2.1) desde 27 de novembro de 2006 a casa de shows vem realizando eventos com artistas ligados ao funk, samba e pagode, de elevado apelo popular e com grande presença de público, com o atrativo do ingresso, cobrado entre R$10,00 e R$20,00 para homens e R$5,00 e R$10,00 para mulheres;

2.2) as bebidas alcoólicas – dentre elas cerveja e whisky – são vendidas ao preço de R$1,00 (um real), o que proporciona o excesso de consumo e o envolvimento dos freqüentadores em brigas e furtos no interior da casa de espetáculos, e, do lado externo da edificação, depredações, furtos, brigas, tumultos e até tiros;

2.3) moradores do entorno registraram boletins de ocorrência pela violação do sossego noturno (boletim de fls. 24/25);

2.4) relatórios das ocorrências atendidas pela Corporação registram tumultos, desinteligências, perturbação do sossego público, depredação de terminais de ônibus, desacato, resistência à prisão e brigas por falta de cerveja, todos ocorridos nos dias 15, 22, 25, 29, 30 de dezembro, e também 01, 05, 07, 08, 12, 13, 14, 15 de janeiro, a partir da 01:00 h até as 05:00 h, horário de funcionamento da casa de espetáculos;

2.5 em 10 de janeiro do ano em curso, houve a apresentação do grupo de samba “Revelação”, quando ocorreu superlotação, com público estimado em 10.000 (dez mil) pessoas, sendo que no momento em que foram fechadas as portas, cerca de 2.000 (duas mil) pessoas, várias com ingressos na mão, ficaram do lado externo e invadiram o local, sendo necessária a intervenção da Polícia Militar; houve brigas durante o show e perturbações nas imediações da rua Clélia;


2.6) no dia 12 de janeiro deste ano, além de diversos shows, a grande concentração de pessoas proporcionou brigas, confrontos com a Polícia Militar; com o desligamento do som a partir das 03:00 horas, houve protestos e depredação de vários equipamentos da casa;

2.7) em 14 de janeiro houve o show de “pancadão” (baile funk paulista), e a comunidade local foi presenteada com novas cenas de vandalismo, quebra-quebra de imóveis, de telefones públicos e desordem nos pontos de ônibus, apesar do acionamento da Força Tática e da 1ª Cia do 4ºBPMM;

2.8) em 15 de janeiro, quando da apresentação do show do artista Alexandre Pires, parte das 5000 (cinco mil) pessoas foi protagonista de brigas, enfrentamento da Polícia Militar e depredações.

3) Narrou o Sr. Subprefeito que além dos danos ao patrimônio público, furtos, tumultos, brigas no passeio público, danos aos imóveis vizinhos e barulho excessivo na madrugada, em 21/01 houve uma briga no interior da casa de shows, que ocasionou a morte de um adolescente, por conta de uma garrafada no pescoço. Apesar de atendido no Hospital Sorocabano, o menor faleceu por conta de uma lesão na coluna e no pescoço. Este fato vem comprovado por boletim de ocorrência (fls. 41) e noticiário da imprensa.

4) Além disso, relatou o Subprefeito que a co-ré não tem alvará de funcionamento e que as medidas de fiscalização estavam paralisadas em decorrência de pedido de anistia apresentado à Secretaria de Habitação do Município de São Paulo – SEHAB. Por força do art. 23 da Lei nº 13.558/03, no entanto, o poder de polícia foi reativado para exigir do infrator o correto cumprimento da lei, regularizando sua situação ou encerrando suas atividades.

Lei nº 13.558, de 14 de abril de 2003 (com redação dada pela Lei nº 13.876, de 23 de julho de 2004)

Art. 23. As edificações de que trata esta lei, enquanto seus processos de regularização estiverem em andamento, não serão passíveis de sanção em decorrência de infrações regularizáveis nos termos ora fixados ou por falta do Auto de Licença de Localização e Funcionamento ou de Alvará de Funcionamento.

§ 1º Ficam excluídas do disposto no "caput" deste artigo as seguintes situações constatadas pela fiscalização:

II – o exercício de atividade que não atenda aos níveis de ruídos permitidos, à poluição ambiental e aos horários de funcionamento, conforme a legislação pertinente;

III – o exercício de atividade, qualquer que seja, que esteja causando transtorno ou incômodo aos vizinhos e à população em geral;

§ 2º Para as edificações que necessitem do Alvará de Funcionamento de Local de Reunião – AFLR ou do Auto de Verificação de Segurança serão aplicadas as disposições previstas no art. 7º desta lei."

5) No entanto, a casa de shows SAMPA HALL continua em atividade sem alvará de funcionamento, proporcionando os lamentáveis episódios aqui relatados, mobilizando o efetivo da Polícia Militar e dos funcionários da Subprefeitura da Lapa, que, a seu turno, ao invés de adotar as medidas para promover o fechamento do estabelecimento, preferiu formular a representação ao Ministério Público.

6) Conforme prescreve a legislação urbanística local, nenhum imóvel pode ser ocupado ou utilizado para instalação e funcionamento de atividades comerciais sem prévia licença de funcionamento expedida pela Prefeitura (Lei 7805/72, art. 23, parágrafo 3º, “a” e Lei 10.205/86, art. 1º; Decreto11.106/74, art. 98, “a” ). A Municipalidade tem a obrigação de impedir que o ocorra o mau uso da propriedade, resguardando a saúde, a segurança ou qualquer outro interesse público, que deve prevalecer sobre o interesse do particular. Esse poder-dever decorre de sua competência constitucional de ordenar e controlar o uso do solo urbano (art. 30, VIII, CF), de fazer valer as limitações administrativas em prol do bem-estar da população (Lei 10.257/01 – Estatuto da Cidade, arts. 1º, parágrafo único; 2º, VI, “g”).


7) Não colhe o encaminhamento feito pelo Sr. Subprefeito, que tem o dever de adotar as medidas urgentes administrativas para a salvaguarda do interesse público. Sua conduta arranha os preceitos da Lei Municipal nº 13.399/02, que instituiu as subprefeituras e atribuiu poderes e deveres de administração aos subprefeitos, notadamente os de coordenar, supervisionar, fiscalizar e decidir:

Lei nº 13.399, de 1º de Agosto de 2002

Art. 9º – É da competência do Subprefeito:

I – representar política e administrativamente a Prefeitura na região;

(…)

III – coordenar e supervisionar a execução das atividades e programas da Subprefeitura, de acordo com as diretrizes, programas e normas estabelecidas pela Prefeita;

(…)

IX – fiscalizar, no âmbito da competência da Subprefeitura, na região administrativa correspondente, o cumprimento das leis, portarias e regulamentos;

(…)

XIV – decidir, na instância que lhe couber, os assuntos da área de sua competência;

8) Portanto, a população está privada do exercício do princípio da autoridade e da auto-executoriedade dos atos administrativos e do poder de coerção que a Administração deve exercer sobre os particulares, que, no caso, só lavrou auto de infração e de multa (fls. 12/15). Nesse sentido, havendo lesão ou ameaça de lesão a direitos, é necessária a intervenção do Judiciário para acudir a população, os direitos difusos de uma cidade ordenada e a ordem pública (art. 5º, XXXV, CF).

9) Além de tudo, a Promotoria apurou em expediente já findo, para o anterior ocupante do mesmo imóvel, Lapa Produções Artísticas e Comerciais Ltda – OLYMPIA, que o estabelecimento comportava público máximo de 2.619 (duas mil e seiscentas e dezenove) pessoas, segundo Auto de Vistoria do Corpo de Bombeiros nº 370860 (expedido em 22.02.05) e alvará de funcionamento de local de reunião expedido pela Secretaria de Habitação (nº 2004.21484-00) (fls. 57-A). Portanto, número bem inferior ao noticiado no item 2.5 acima, o que coloca em risco iminente as vidas dos clientes e freqüentadores da casa de espetáculos.

9.1) A ré SAMPA HALL exibe em sua página na Internet (www.sampahall.com.br/sampahall/projeto.asp) a mensagem de que tem capacidade para 5.000 (cinco mil) pessoas, sendo 1.500 (mil e quinhentas) somente na área do camarote (fls. 43).

10) Há fortes suspeitas de que a casa de shows SAMPA HALL permite que menores consumam bebidas alcoólicas no interior de seu estabelecimento, vendendo-as com infração à legislação da espécie, notadamente ao Estatuto da Criança e do Adolescente. Esse fato está sendo objeto de perscrutação pela Promotoria de Justiça da Infância e Juventude do Foro Regional da Lapa.

11) As atividades não licenciadas da ré SAMPA HALL têm direta relação com os acontecimentos aqui narrados, inclusive pela ocorrência de crimes dentro e fora de seu estabelecimento (boletins de ocorrência de fls. 19/38), sem nenhum controle eficiente para contê-los, por oferecer bebidas a preços módicos incentivadoras do alto consumo (cardápio e mensagens da ré na página da Internet às fls. 39/40 e 48/55) e da série de atos de vandalismo que a comunidade tem de suportar, apesar da atuação da Polícia Militar.

11.1) Além disso, o estabelecimento produz poluição sonora desmedida, promovendo degradação ambiental em desrespeito às normas que regram o silêncio e o sossego noturnos, e que garantem o bem-estar da população, a cujo respeito seus autores respondem objetivamente (art. 3º, II, III, “a”, IV, c.c. art. 14, Lei 6938/81 – Lei da Política Nacional do Meio Ambiente), mediante desconsideração da personalidade jurídica, inclusive pela prática de crime ambiental (art. 3º, parágrafo único, c.c. art. 4º, e art. 54 da Lei 9.605/98).


DA NECESSIDADE DE MEDIDA LIMINAR

12) Diante do quadro caótico relatado, considerando que a ré SAMPA HALL não tem alvará de funcionamento exigido pela legislação municipal – o que a coloca em situação de atividade clandestina aos olhos das normas de uso e ocupação do solo urbano – ; considerando que sua atividade constitui causa eficiente para a causação dos danos patrimoniais, à vida, à integridade física e à saúde da população freqüentadora e circunvizinha; considerando o relato da Polícia Militar e o pedido de providências (socorro) da própria Subprefeitura da Lapa ao Parquet; considerando a insuficiência das medidas adotadas pela Municipalidade na contenção dos atos danosos; considerando, também, que se avizinham novos eventos igualmente impactantes para os freqüentadores e população vizinha (anúncio no site da ré dá conta de eventos similares de 29/01/2007 a 04/02/07 – fls. 48/55), que atrairão um número seguramente superior ao admitido no local (item 9 acima), considerando que outros eventos devem ocorrer nestes dias, inclusive na data de hoje, é imperiosa medida liminar, sem a oitiva das rés, para que as atividades da ré SAMPA HALL sejam suspensas até que obtenha as licenças urbanísticas (auto de vistoria do Corpo de Bombeiros, licença de funcionamento da SEHAB) que atendam, inclusive, aos interesses afetos à manutenção da ordem pública e do bem-estar da vizinhança que sofre com as atividades da co-ré (o sossego e o conforto da vizinhança são condicionantes à expedição de alvará de funcionamento e para as medidas de poder de polícia – item 4 acima)

13) Cumpre assinalar que a Municipalidade decretou que não haveria expediente em suas repartições neste dia 26.01.07, em decorrência das festividades do aniversário da Cidade de São Paulo, do dia 25.01.2007. Assim, não tem o munícipe, inclusive hoje, nem no final de semana, qualquer garantia de que o poder de polícia estará atuante…

14) Pretende o autor ajuizar, no prazo legal, ação civil pública postulando a condenação das rés a obrigação de fazer (obtenção de alvará, auto de vistoria; obras de isolamento acústico; ou de fechamento definitivo; exercer o poder de polícia) e a indenizar os danos ocasionados aos munícipes – freqüentadores, população em geral, vizinhos, e todas as vítimas dos acontecimentos noticiados – ao patrimônio público e social e ao erário.

DOS PEDIDOS

15) Requer seja concedida liminar, sem a oitiva das rés, para:

a) determinar à ré SAMPA HALL a imediata paralisação de toda e qualquer atividade relacionada ao estabelecimento, abstendo-se de realizar os eventos noticiados, e quaisquer outros, enquanto não obtiver novo auto de vistoria do corpo de bombeiros, licença de funcionamento da Municipalidade, obras de isolamento acústico no imóvel e controle do consumo de bebidas alcoólicas e do número de freqüentadores, segundo as normas de segurança;

b) determinar que a ré Municipalidade adote as medidas de poder de polícia para a imediata paralisação das atividades do estabelecimento, enquanto não expedidos o auto de vistoria do corpo de bombeiros e a licença de funcionamento da Municipalidade, e enquanto não realizadas obras de isolamento acústico no imóvel e controle do consumo de bebidas alcoólicas e do número de freqüentadores, segundo as normas de segurança; que antes de expedir o alvará de licença de funcionamento, consulte a população circunvizinha quanto ao incômodo causado pelo estabelecimento da co-ré;

c) cominar a pena de pagamento de multa diária de R$50.000,00 (cinqüenta mil reais), em caso de descumprimento da liminar, cujo valor deverá ser revertido ao Fundo Estadual de Reparação de Interesses Difusos Lesados (Decreto Estadual 7.070/87; art. 13 da Lei nº 7.347/85), na conta-corrente nº 13000074-5, da Agência 00935-1 da Nossa Caixa;

16) Requer a citação das rés para, querendo, no prazo legal, contestarem a presente ação, sob os efeitos da revelia, e, ao final, seja julgada procedente para:

a) condenar em definitivo a MUNICIPALIDADE e a SAMPA HALL nas obrigações contidas no item 15, sob pena de pagamento de multa diária de R$50.000,00 (cinqüenta mil reais), cujo valor deverá ser revertido ao Fundo Estadual de Reparação de Interesses Difusos Lesados (Decreto Estadual 7.070/87; art. 13 da Lei nº 7.347/85), na conta-corrente nº 13000074-5, da Agência 00935-1 da Nossa Caixa;

17) Observada a dispensa do pagamento de custas, emolumentos e encargos, nos termos do art. 18 da Lei nº 7.347/85 e art. 87 do Código de Defesa do Consumidor, requer a realização das intimações do autor na rua Riachuelo, 115, 1º andar, sala 115, mediante entrega dos autos, nos moldes do art. 236, § 2°, do CPC c.c. art. 41, IV, da Lei 8.625, de 12/02/93 (Lei Orgânica Federal do Minis­tério Pú­blico).

Valor da causa: R$1.000,00 (mil reais).

São Paulo, 26 de janeiro de 2007.

José Carlos de Freitas

1º Promotor de Justiça de Habitação e Urbanismo da Capital

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