Erros da Justiça

Estado não pode impor pena que não possa ser reparada

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26 de janeiro de 2007, 16h07

O Superior Tribunal de Justiça condenou o estado de Pernambuco a pagar R$ 2 milhões por danos morais e materiais a Marcos Mariano da Silva, por mantê-lo preso ilegalmente por mais de 13 anos, sendo tal erro considerado como “o mais grave atentado à violação humana já visto na sociedade brasileira”.

A decisão dada no mês de outubro do ano passado nos ajuda a pensar alguns elementos sobre a polêmica questão da pena de morte. Preso ilegalmente, sem as garantias constitucionais, acusado falsamente de ter participado de rebeliões, Marcos Mariano da Silva viu o desmoronamento da sua família.

Na prisão, contraiu tuberculose e ficou cego de ambos os olhos. Segundo o ministro Teori Zavaschi, “esse homem morreu e assistiu sua morte no cárcere”.

Não obstante a importância da indenização concedida, a injustiça feita nunca poderá ser reparada. Além da repugnância natural de um erro judiciário, o caso de Marcos Mariano da Silva coloca em destaque a questão da (in)justiça penal: quando e como o Estado deve punir? A chamada pena de morte é ainda defensável?

A violência toca o íntimo das pessoas que reagem pedindo o recrudescimento do sistema penal. Mais pena, mais punição, independentemente do que dizem a lei e a cultura jurídica. Para muitos, a pena de morte seria a panacéia para os males da violência brasileira. Se o fundamento legal que proíbe a pena de morte não é obstáculo para seus defensores, há outros dois fundamentos, um ético e um histórico, que pedem reflexão.

O fundamento ético contra a pena de morte parte da perspectiva da vítima de uma injusta condenação. Se qualquer ser humano erra, erra com mais gravidade aquele que julga imprudentemente seu semelhante. Nunca haverá sistema penal perfeito. Qualquer pena imposta e executada pode ter origem num erro judiciário. Um Estado não pode impor uma pena que não possa ser minimamente reparada em caso de erro.

Se, no caso acima, Marcos Mariano da Silva pôde receber uma indenização, além de sua liberdade (e isso é muito pouco perto das perdas e do sofrimento por ele padecido) o que poderia ser dito da vítima de uma pena capital? O que o Estado poderia fazer ao constatar o erro irreparável? Nada.

Ante a absoluta irreparabilidade de uma pena de morte injusta, deveriam os homens públicos não só proibir esta espécie de pena (o que felizmente foi feito no Brasil), como também mostrar à população o perigo latente em cada condenação à morte. A prudência deve estar sempre presente no representante público sob pena de ser acusado de compactuar com as injustiças, estas sim merecedoras do mais ferrenho combate. Prudência e justiça andam sempre juntas.

Essa lição ética parece ter sido aprendida por Dom Pedro II no caso que deu origem a mais trágica história de erro judiciário do Brasil. Acusado da morte de uma família de oito pessoas, Manuel da Motta Coqueiro foi condenado, após dois julgamentos, à pena de morte, sendo tal decisão confirmada pelos tribunais superiores. Sua última chance, o pedido de graça imperial feito a Dom Pedro II, foi também negado.

No dia 6 de março de 1855, momentos antes de sua execução, e após reafirmar sua inocência, Motta Coqueiro roga uma maldição à cidade que o enforcava: “teria 100 anos de atraso pela injustiça que estava sendo feita a ele”. Após o cumprimento da pena, a verdade aparece: o fazendeiro tinha sido vítima de um terrível erro judiciário originado por uma conspiração de seus adversários políticos. Abalado com a injustiça praticada, Dom Pedro II concede graça a todos os pedidos que lhe são feitos. A condenação de Motta Coqueiro é o início do fim da pena de morte no Brasil.

Para os que quiserem lavar as mãos, defendendo a pena de morte, mas aceitando a morte de inocentes injustamente condenados, lembro que não poderão depois reclamar de outras injustiças, como aquela sofrida por Marcos Mariano da Silva. Se é louvável a defesa das vítimas de delitos, mais louvável ainda é a defesa das vítimas de julgamentos injustos, pois uma injustiça não pode justificar outra injustiça.

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