Fábrica de fumaça

TJ paulista libera queimada da cana-de-açúcar no interior

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24 de janeiro de 2007, 13h24

A Justiça paulista liberou a queima da palha da cana-de-açúcar em Ribeirão Preto, interior do estado. A decisão foi tomada nesta quarta-feira (24/1), em votação apertada, pelo Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo. Prevaleceu a tese de que lei municipal pode complementar lei estadual em matéria ambiental, mas não contrariar a legislação do estado.

Com esse fundamento, o colegiado declarou inconstitucional o artigo 201, da Lei Complementar Municipal 1.616/2004. A norma criou o Código Ambiental de Ribeirão Preto e proibiu a queimada nas plantações de cana. Cabe recurso ao Supremo Tribunal Federal.

A decisão foi uma vitória da indústria sucroalcooleira e uma derrota dos ambientalistas. Na reunião foi apresentado o voto do desembargador Marco César, que se manifestou pela procedência da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) movida por duas entidades ligadas ao agronegócio. Com o voto, o placar ficou empatado em 12 a 12. O último voto foi apresentado pelo presidente do TJ paulista, Celso Limongi, favoreceu o setor sucroalcooleiro.

A ADI foi proposta pelo Sindicato da Indústria da Fabricação do Álcool do Estado de São Paulo (Sifaesp) e o Sindicato da Indústria do Açúcar no Estado de São Paulo. O argumento foi o de que a legislação municipal usurpou a competência conferida ao estado para legislar sobre meio ambiente. As entidades alegaram que a lei impôs prejuízo irreparável às categorias econômicas envolvidas com o plantio, colheita e processamento da cana-de-açúcar.

“A norma impugnada — norma proibitiva — suprimindo o método usado para a colheita da cana de forma manual, tem seus efeitos sentidos diretamente pelos produtores de açúcar e álcool. Isto porque impedir a queima é impedir a colheita e conseqüentemente privar as categorias econômicas representadas pelos requerentes de exercer suas atividades”, apontaram os advogados Ângela Maria da Motta Pacheco e Jayr Viégas Gavaldão Júnior.

Em São Paulo, a queima da palha da cana é regulada pela Lei 11.241 e pelo Decreto 47.700, de março de 2003. A lei apresenta uma tabela para a eliminação gradativa do atual processo de cultivo. Segundo este dispositivo, porém, a queima será totalmente substituída somente depois de 30 anos, num prazo que termina em 2031. A partir dessa data, só poderá existir o cultivo mecanizado de cana crua.

A legislação estadual distingue as áreas mecanizáveis das não mecanizáveis (plantações em terrenos com declives superiores a 12%) e cria uma tabela para cada uma delas, determinando a sua redução gradativa de modo que a cada cinco anos deixe de ser queimada 20% da área a ser colhida.

Os motivos apontados pelos produtores para a aplicação do corte manual são o barateamento do custo da colheita, o que traz vantagens comerciais ao Brasil, e o provável impacto social que provocaria a mecanização. A queimada é justificada, ainda, porque elimina animais peçonhentos do entorno das plantações, trazendo maior segurança ao trabalhador, além do fato de facilitar o corte ao eliminar impurezas e reduzir perdas.

“O julgamento confirma o resultado obtido na ADI contra a lei da cidade de Americana, com o mesmo teor, criando assim, mais um importante precedente no sentido da consolidação do entendimento do Tribunal de Justiça”, afirmou Ângela Maria.

Contra a queimada

A ação foi distribuída ao relator, Debatin Cardoso, que votou pela procedência da ação. A tese de Debatin foi seguida pelos desembargadores Walter Guilherme, Palma Bisson e Maurício Ferreira Leite. Para eles, a lei municipal é inconstitucional porque não caberia ao município legislar sobre meio ambiente e sim ao estado.

Para os defensores dessa tese, a proteção ao meio ambiente é assunto em que haveria competência concorrente da União e dos estados para legislar. Nesse caso, o estado estaria exercendo a competência suplementar. “Lei dessa natureza tem que ser estadual, federal ou distrital, nunca municipal”, afirmou Walter Guilherme.

Com argumento contrário, surgiram os desembargadores Renato Nalini, Passos de Freitas, Laerte Nordi e Ivan Sartori. O grupo entende que o tema não estaria restrito à União ou ao estado, mas a todas as esferas da Federação que teriam competência de proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas.

Para Nalini, a degradação do ambiente está caminhando em passos muito maiores do que todos imaginam. Por isso, é preciso tomar uma atitude para preservar a vida do planeta e das futuras gerações. Segundo ele, a população sente nos pulmões os efeitos adversos decorrentes da queima dos canaviais.

Para o desembargador, a lei municipal veio em boa hora e é compatível com a ordem constitucional vigente, além de ter sido editada em atenção ao peculiar interesse da comunidade local. “O município de Ribeirão Preto colhe as nefastas conseqüências dessa prática rude, que já poderia ter sido extirpada se o avanço do agronegócio brasileiro não se ativesse prioritariamente ao interesse do lucro, mas tomasse a sério as determinações fundantes em relação ao meio ambiente”, afirmou Nalini em seu voto.

Uma pesquisa da Faculdade de Saúde Pública da USP confirma a preocupação de Nalini. O trabalho aponta que entre janeiro de 2000 e dezembro de 2004, foram detectados, em média, mais de 3 mil focos de queimadas nos 645 municípios paulistas. No mesmo período a média anual de internações por problemas respiratórios chegou a 22 mil.

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