Fase de instrução

STJ autoriza Justiça italiana acompanhar interrogatórios

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23 de janeiro de 2007, 9h40

Representantes da Justiça italiana poderão acompanhar o interrogatório de onze brasileiros e quatro italianos, que moram no Brasil, com o objetivo de colher elementos para instruir uma ação penal contra Francesco Vittorio Ambrosio. O réu é presidente da empresa Italgrani e responde por suspeita de falência fraudulenta e lavagem de dinheiro. Os italianos Gennaro Carbone e Antonio Battaglia serão ouvidos na condição de investigados. Os demais serão inquiridos como testemunhas.

A autorização foi concedida pelo presidente do Superior Tribunal de Justiça, ministro Raphael de Barros Monteiro Filho, em carta rogatória requerida pela Procuradoria da República do Tribunal Judicial de Nápoles. A Justiça Federal dos estados de São Paulo, Minas Gerais e Goiás deverão informar as datas e locais das audiências às autoridades italianas.

O acompanhamento de interrogatórios e diligências para instruir investigação sobre crimes de lavagem de dinheiro e falência fraudulenta está previsto no Tratado de Cooperação Judiciária em matéria penal, firmado entre Brasil e Itália em 1993.

Na carta rogatória [nome dado às solicitações de autoridades judiciais de outros países], a Justiça italiana também pediu a quebra do sigilo bancário e buscas em estabelecimentos comerciais e residenciais dos interessados. O presidente do STJ negou os dois pedidos.

As buscas foram impedidas sob o argumento de que o pedido foi formulado genericamente, sem especificação do objeto da medida, o que impede a execução da diligência. A quebra do sigilo bancário foi negada porque não existe, entre os documentos anexados ao pleito, qualquer decisão de autoridade judicial nesse sentido.

Barros Monteiro ressaltou que a diligência de inquirição é indispensável à instrução de processos na Justiça estrangeira e não implica violação à ordem pública e à soberania nacional. Serão ouvidos pela Justiça Norival Navarro, David Antunes Cabral, Osvaldo Barros, Eduardo Pereira da Silva, Angel Benigno Maldonato, Cláudio Morata Gonçalves, Cláudio Pereira José Evangelista, Divino Severino da Silva, Marlene Aguiar Brito Porto, Geraldo Soares, Sônia Oliveira da Conceição, Aldo Corda, Ricardo Baratta, Gennaro Carbone e Antonio Battaglia.

Leia a decisão

Superior Tribunal de Justiça

CARTA ROGATÓRIA Nº 528 – IT (2005/0019371-5)

JUSROGANTE : TRIBUNAL JUDICIAL DE NÁPOLES – PROCURADORIA DA REPÚBLICA

INTERES. : NORIVAL NAVARRO

INTERES. : ALDO CORDA

ADVOGADO : NILTON SERSON E OUTROS

INTERES. : RICCARDO BARATTA

INTERES. : DAVID ANTUNES CABRAL

ADVOGADO : NILTON SERSON E OUTROS

INTERES. : OSWALDO BARROS

INTERES. : EDUARDO PEREIRA DA SILVA

INTERES. : GENARO CARBONE

INTERES. : CLÁUDIO MORATA GONÇALVES

INTERES. : CLÁUDIO PEREIRA JOSÉ EVANGELISTA

INTERES. : DIVINO SEVERINO DA SILVA

INTERES. : MARLENE AGUIAR BRITO PORTO

INTERES. : GERALDO SOARES

INTERES. : SÔNIA DE OLIVEIRA DA CONCEIÇÃO

INTERES. : SULMINAS FORESTAL AGRÍCOLA E PASTORIL LTDA

INTERES. : QUÍMICA DY VITÓRIA LTDA

INTERES. : MINERAÇÃO RIOLAVADO LTDA

ADVOGADO : GERALDO SOUSA DA SILVA

INTERES. : ANTÔNIO BATTAGLIA

INTERES. : ANGEL BENIGNO MALDONATO

DECISÃO

Vistos, etc.

1. A Procuradoria da República que oficia junto ao Tribunal Judicial de Nápoles, Itália, visando a instruir a ação penal ajuizada contra o presidente da empresa “Italgrani” e outro pela suposta prática de falência fraudulenta e lavagem de dinheiro, solicita, mediante esta carta rogatória, as seguintes diligências (fls. 7-12):

a) localização e busca nas empresas “Antonello Battaglia Participações Ltda.”, “Finpar Empreendimentos Participações Ltda.”, “Aldo Corda Participações Ltda.”, “Fundesp Obras Gerais Ltda.”, “Fundesp Construções Ltda.”, “Itabrás Construções Ltda.”, “Imobiliária Manitoba S.A.” e “Fundesp Fundações Especiais Ltda.”;

b) apuração das relações bancárias das referidas empresas, com obtenção dos extratos de conta, transferências bancárias, cheques bancários, ordens de depósito, etc.;

c) busca no domicílio de Antônio Battaglia;

d) identificação e interrogatório dos brasileiros Norival Navarro, David Antunes Cabral, Osvaldo Barros, Eduardo Pereira da Silva e dos italianos Aldo Corda, Riccardo Baratta, Gennaro Carbone e Antônio Battaglia, ressaltando que estes dois últimos, por figurarem como argüidos, devem ser interrogados na presença de um advogado de confiança ou nomeado de ofício, nos termos da lei italiana.

Às fls. 63-66, o pedido foi aditado, fim de incluir as diligências de:

a) busca nos estabelecimentos das empresas “Sulminas Florestal Agrícola e Pastoril Ltda.”, “Química Dy Vitória Ltda.” e “Mineração Riolavado Ltda.”;


b) seqüestro da documentação financeira e contábil da empresa “Italgrani S.p.A.” no que se refere a seus contatos com o cidadão italiano Curio Pintus e a empresa de sua propriedade, “Soliman Finance S.A.”, com sede no Panamá;

c) identificação e interrogatório de Angel Benigno Maldonato; Cláudio Morata Gonçalves; Cláudio Pereira José Evangelista, presidente da “Sulminas Florestal Agrícola e Pastoril Ltda.”; e dos empregados do “Banco do Brasil” em Goiânia – GO: Divino Severino da Silva, Marlene Aguiar Brito Porto, Geraldo Soares e Sônia de Oliveira da Conceição.

Requer, por fim, permissão para que autoridades italianas acompanhem as diligências no Brasil.

As intimações prévias de Antônio Battaglia, David Antunes Cabral, Osvaldo Barros, Eduardo Pereira, Riccardo Baratta, Genaro Carbone, Cláudio Morata Gonçalves, Angel Benigno Maldonato, Aldo Corda, do representante legal da “Sulminas Florestal Agrícola e Pastoril Ltda.” e de Cláudio Pereira José Evangelista foram devolvidas por não terem sido encontrados os destinatários (fls. 101, 104, 107, 110, 195, 197, 211, 213, 217 e 219).

Norival Navarro apresentou impugnação às fls. 116-139, aduzindo ausência de tradução dos documentos instrutórios, de indicação do objeto das buscas requeridas e dos quesitos a serem formulados aos interessados. Sustentou que as medidas requeridas são de natureza executória; que o pedido não traz elementos probatórios suficientes para subjugar a inviolabilidade do domicílio e o sigilo de dados bancários, e não ter sido homologada no Brasil a sentença declaratória da falência.

O “Banco do Brasil S.A.”, às fls. 179-193, em resposta às intimações prévias a ele enderaçadas, informou que Divino Severino da Silva, Marlene Aguiar Brito Porto, Geraldo

Soares e Sônia de Oliveira da Conceição não fazem parte do seu quadro de funcionários da ativa.

“A Mineração Riolavado Ltda.”, às fls. 222-226, requer sua exclusão do feito por não “manter nenhuma relação de qualquer natureza com as pessoas e as empresas relacionadas e envolvidas com os fatos constantes” na comissão.

Às fls. 231-239, Aldo Corda impugnou a concessão do exequatur, pois a comissão não listou as questões formuladas aos interessados, deixou de traduzir os documentos instrutórios e de noticiar a condição em que os interessados serão inquiridos.

Instado a manifestar-se, o Ministério Público Federal opinou pela concessão parcial do exequatur, excluídas as buscas em estabelecimentos residenciais e comerciais (fls. 243-249).

Às fls. 260-262, requereu o envio de cópia dos autos à Procuradoria da República no Estado de Goiás, por entender que “tudo indica que a movimentação ilícita de ativos tenha tido desdobramento em território brasileiro”.

O representante da empresa “Química Dy Vitória” juntou petição (fls. 266-270), informando que teve sua falência decretada e que não manteve qualquer relacionamento comercial com empresas italianas.

Às fls. 275-282, Riccardo Baratta impugnou o pedido rogatório, sob os fundamentos de ausência do questionário a ser formulado aos interessados, impossibilidade de participação de autoridades estrangeiras na oitiva dos interessados e ilegitimidade da Procuradoria da República italiana para formular a comissão rogatória.

O interessado David Antunes Cabral (fls. 296-308) juntou impugnação, pela qual alega nulidade da citação por edital, procedida após frustrada a intimação prévia pelos correios, por não terem sido esgotados os outros meios de citação. Pugnou pela denegação do exequatur ante a ausência das perguntas a serem formuladas, e insurgiu-se contra a generalidade do texto rogatório, que não define limite temporal para a inquirição dos fatos ou a condição dos interessados. Apontou afronta à ordem pública.

Pelas petições de fls. 317-318, 325-326 e 334-335, os interessados David Antunes Cabral, Riccardo Baratta, Norival Navarro e Aldo Corda insistem que o Ministério Público Federal deve indicar se eles serão ouvidos na condição de “acusados, investigados, testemunhas (ou) prejudicados”.

Após as manifestações de fls. 310-312, 320-322, 331 e 346, o Ministério Público Federal observou que, “nos termos do pedido estrangeiro, somente Gennaro Barbone e Antonio Battaglia estão na condição de investigados e, por isso, devem ser interrogados na presença de um advogado. Os demais devem ser inquiridos na condição de testemunhas”.

2. Preliminarmente, são intempestivas as impugnações apresentadas pelos interessados “Química Dy Vitória”, Riccardo Baratta e David Antunes. Publicadas as intimações de David Antunes e Riccardo Baratta no Diário da Justiça, pois frustrada a intimação prévia via correio, os prazos para impugnação expiraram em 22-11-2002 e 20-5-2003 (fls. 140 e 240). Somente em 30-3-2004, David Antunes ofereceu impugnação, enquanto que Riccardo Baratta, em 11-2-2004. Já a interessada “Química Dy Vitória” foi intimada previamente por correio em 5-5-2003 (fl. 200) e sua manifestação foi juntada aos autos apenas em 10-11-2003 (fls. 266).


3. Passo, então, à análise das impugnações apresentadas por Norival Navarro e Aldo Corda. Segundo os impugnantes, o pedido rogatório não indica com precisão a qualidade em que os interessados serão ouvidos e, de outro lado, limita-se a proceder a uma narrativa genérica dos fatos.

No entanto, como bem asseverado pelo Ministério Público Federal, a comissão expressamente indicou, à fl. 9, que somente Gennaro Carbone e Antonio Battaglia serão ouvidos na presença de advogado, por figurarem como argüidos no processo de origem. Resta claro, assim, que os demais interessados serão inquiridos na condição de testemunhas.

A diligência de inquirição é indispensável à instrução de processo na Justiça estrangeira e não implica violação à ordem pública e à soberania nacional, como argumentado nas impugnações. Além do mais, encontra-se no âmbito da cooperação internacional. Nesse sentido, confira-se o seguinte precedente:

Agravo regimental. Carta rogatória. – Carta rogatória que visa a inquirir pessoas e a colher dados para a instrução de causa que tramita perante Juízo estrangeiro não afronta a soberania nacional ou a ordem pública. Por outro lado, em pedido de concessão de exequatur de carta rogatória, não cabe a este Tribunal a apreciação de alegações, como as feitas pela ora agravante, sobre sua posição processual em face do litígio em curso na Justiça estrangeira, à vista de decisões que teriam emanado desta, e que, segundo o direito alienígena, teriam transitado em julgado. Agravo regimental a que se nega provimento (CR-AgR 4441; Relator Ministro Moreira Alves; publicado no DJ de 12-9-1986).

Quanto à alegada ausência de quesitos para as inquirições, o pedido rogatório é claro ao narrar as circunstâncias fáticas do caso, a legislação aplicável e, nos termos do parecer ministerial, as perguntas podem ser juntadas “pelas autoridades judiciárias intervenientes (juízes rogantes e rogado), […] até o dia da audiência” (fl. 346), sem violação ao direito de defesa dos interessados.

Por outro lado, a solicitação de quebra de sigilo bancário foi formulada pela Procuradoria da República, não existindo, entre os documentos anexados ao pleito, decisão alguma emanada de autoridade judicial a respeito. Assim, em face do decidido recentemente pela Corte Especial no Agravo Regimental na Carta Rogatória n. 998-IT, descabida é no caso a quebra do sigilo de dados bancários.

Por fim, na linha do parecer ministerial, o pedido de busca nos estabelecimentos comercias e residências foi formulado genericamente, sem especificação do objeto da medida, de modo a impossibilitar execução da diligência.

4. Ante o exposto, concedo parcialmente o exequatur (art. 2º, Resolução n. 9/2005 deste Tribunal), a fim de que se proceda à oitiva dos interessados, permitida a presença das autoridades italianas durante a execução das diligências rogadas, sem que nelas interfiram.

Remetam-se os autos à Justiça Federal do Estado de São Paulo para as providências cabíveis (art. 13 da mencionada Resolução). Após cumprida a diligência no referido Estado, tendo em vista o caráter itinerante do feito, encaminhem-se-os diretamente à Justiça Federal do Estado de Minas Gerais – para a oitiva de Cláudio Pereira José Evangelista – e de Goiás – para a oitiva de Divino Severino da Silva, Marlene Aguiar Brito Porto, Geraldo Soares e Sônia de Oliveira da Conceição – recomendando-se empenho na localização dos interessados.

Observem os Juízos a necessidade de informar as autoridades italianas as datas das audiências.

Fica deferida a extração de peças para remessa, como postulado pelo Ministério Público Federal.

Publique-se. Intimem-se.

Brasília, 10 de janeiro de 2007.

Ministro BARROS MONTEIRO

Presidente

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