Dinheiro de volta

Em caso de desistência, consórcio tem de devolver valor pago

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23 de janeiro de 2007, 12h48

Consumidor que desiste de consórcio tem direito de receber o valor já investido no contrato. O entendimento é do juiz Hector Valaverde Santana, do 3º Juizado Cível de Brasília. O juiz acolheu o pedido de um consumidor que aderiu a um consórcio administrado pela Bancorbrás, para determinar que a empresa lhe restitua o valor das mensalidades pagas.

De acordo com o processo, o cliente aderiu a um grupo de consórcio da empresa e Depois de pagar algumas parcelas, desistiu do contrato. Solicitou, então, a devolução das parcelas pagas, mas não foi atendido. A Bancorbrás argumentou que o autor deveria aguardar o prazo previsto para o término do grupo, para receber a quantia.

O juiz considerou que a posição do banco contrariou o Código de Defesa do Consumidor. Ele esclareceu que se trata, no caso, de um contrato de adesão, regulado pelo Código de Defesa do Consumidor, de acordo com o artigo 54. Conforme a regra, “contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo”.

“A exigência excessiva de que o consumidor desistente aguarde o fim de um grupo estabelece obrigação que coloca, arbitrariamente, a parte mais fraca em desvantagem exagerada, sendo, portanto, abusiva, segundo o entendimento das regras protetivas do consumidor”, disse o juiz.

Processo 2006.01.1.082523-8

Leia a decisão

Circunscrição:1 – BRASILIA

Processo: 2006.01.1.082523-8

Vara: 1403 – TERCEIRO JUIZADO ESPECIAL CIVEL

SENTENÇA

Dispensado o relatório, nos termos do artigo 38, “caput” da Lei Federal nº 9.099, de 26 de setembro de 1995.

Trata-se de AÇÃO RESCISÓRIA c/c RESTITUIÇÃO proposta por ITAMAR BARBOZA DE SA contra BANCORBRÁS ADMINISTRADORA DE CONSÓRCIOS LTDA, todas as partes qualificadas nos autos.

O requerente alega, em síntese, que aderiu a grupo de consórcio junto à parte requerida. Afirma que efetuou o pagamento de algumas parcelas, mas que desistiu do contrato, solicitando devolução das mensalidades pagas, o que não foi feito pela parte requerida.

Diante disso, requer a restituição imediata das parcelas vertidas em favor da parte requerida.

A parte requerida, por sua vez, sustenta que o requerente deverá aguardar o prazo previsto para o término do grupo para que seja restituída a quantia pleiteada, de acordo com as normas contratuais e Circular do Banco Central, sob pena de ferirem-se a função social do contrato e o ato jurídico perfeito.

Assevera, ainda, que, do valor a ser devolvido ao requerente, deverão ser descontados a taxa de administração, o seguro, a multa contratual e a cláusula penal contratualmente consignadas.

Os contratos de consórcio estão expressamente previstos na Lei n° 8.078/90, “in verbis”:

“Art. 53…

§2º – Nos contratos do sistema de consórcio de produtos duráveis, compensação ou a restituição das parcelas quitadas, na forma deste artigo, terá descontada, além da vantagem econômica auferida com a fruição, os prejuízos que o desistente ou inadimplente causar ao grupo.”

Outrossim, trata-se de contrato de adesão, regulado pelo CDC:

“Art. 54 – Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo.”

Nesse sentido, leciona Cláudia Lima Marques (Contratos no Código de Defesa do Consumidor. 3. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. p. 206-207):

“Nos contratos do sistema de consórcio, como os denomina o art. 53, §2º, do CDC, a administradora do consórcio caracteriza-se como fornecedor, prestadora de serviços; o contrato é geralmente concluído com consumidores, destinatários finais fáticos e econômicos dos bens duráveis… que se pretende adquirir através dos consórcios. Aos contratos do sistema de consórcio aplicam-se as normas do CDC… Em virtude da presença constante de consumidores como pólo contratual, podemos concluir que os contratos de sistema de consórcios são típicos contratos de consumo, cuja finalidade justamente é permitir e incentivar o consumo de bens duráveis, que de outra forma não estariam ao alcance do consumidor.”

Nos termos do artigo 22, inciso XX,m da Constituição Federal, compete privativamente à União legislar sobre sistema de consórcios e sorteios. E assim a União o fez, por intermédio, especialmente, do Código de Defesa do Consumidor.

Ao instituir o sistema autônomo de proteção ao consumidor, o legislador deixou clara a opção de submeter os contratos de consórcio à proteção específica da parte vulnerável da relação jurídica. Desse modo, não deve prevalecer a aplicação de circular do Banco Central em detrimento de Lei Federal, pelos mais comezinhos princípios hermenêuticos.


O relacionamento estabelecido entre as partes é de natureza consumerista, e a solução do conflito de interesses entre elas estabelecidos deve ser feita em conformidade com os princípios e dispositivos do Código de Defesa do Consumidor.

O requerente juntou documentos após a apresentação da defesa da parte requerida. Entretanto, a vista dos autos pela parte requerida foi dispensada, tendo em vista que as provas colacionadas pelo requerente são reprodução dos documentos apresentados pela própria parte requerida. Desse modo, atendeu-se à celeridade processual almejada pela Lei Federal n. 9.099, de 26 de setembro de 1995 não havendo qualquer prejuízo ao contraditório.

Está comprovado que as partes firmaram contrato de consórcio, conforme documentos de f. 52-55. O requerente desistiu de participar do grupo mencionado, tendo a parte requerida se recusado a devolver as quantias pagas, fundada em cláusula contratual.

Resta averiguar o prazo para a devolução dos valores pagos à parte requerida, bem como no “quantum” a ser devolvido à parte requerente.

Dispõe o artigo 51, incisos IV e XV, da Lei nº 8078/90:

“Art. 51 – São nulas, de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:

IV – estabeleçam obrigações consideradas iníquas. abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade;

XV – estejam em desacordo com o sistema de proteção do consumidor.”

A exigência excessiva de que o consumidor desistente aguarde o fim de um grupo estabelece obrigação que coloca, arbitrariamente, a parte mais fraca em desvantagem exagerada, sendo, portanto, abusiva, segundo o entendimento das regras protetivas do consumidor.

Impende destacar que a disposição contratual que condiciona a repetição da entrada vertida pelo consorciado desistente somente para o final da atividade do grupo sujeita-o a uma condição potestativa, uma vez estabelecida ao exclusivo critério e benefício da administradora.

A posição de desvantagem exagerada da parte requerente é visível, haja vista que, além de não angariar qualquer proveito com a adesão, pois não poderá adquirir o bem objeto do contrato, continuará sujeita a um condicionamento que beneficia apenas a administradora. Por outro lado, o grupo consorciado será adequadamente remunerado (mediante retenção proporcional da taxa de administração).

Ademais, não haverá prejuízo aos demais consorciados, tendo em vista que, se por um lado a arrecadação do grupo é reduzida, por outro lado, o grupo deverá adquirir um bem a menos, havendo ainda a possibilidade da substituição da parte requerente por outro associado.

Dessa forma, a função social do contrato, a boa-fé e a eqüidade são observadas, tendo em vista que a saída da parte requerente do grupo não afetará conclusão do contrato para os outros integrantes.

Por esses motivos, tal cláusula afigura-se desprovida de eficácia e legitimidade diante das disposições do CDC, pois atenta contra os princípios de probidade e boa-fé, motivo pelo qual declaro-a nula.

Diante da nulidade da cláusula que remete a devolução do valor vertido pelo consorciado desistente para o encerramento do grupo, mister se faz a restituição imediata das parcelas pagas pelo consumidor, conforme assentou a jurisprudência:

“CONSÓRCIO – DESISTÊNCIA ANTES DO ENCERRAMENTO DO GRUPO – DEVOLUÇÃO DAS PARCELAS PAGAS, QUE SE IMPÕE, EM FACE DA RESCISÃO CONTRATUAL, DE IMEDIATO E, NÃO DE SESSENTA DIAS APÓS O ENCERRAMENTO OFICIAL DO GRUPO.

Não há, neste ato de devolução imediata, desequilíbrio financeiro do plano, eis que a execução deste está vinculada exatamente a este tipo de empreendimento de cooperação, de alocação de recursos para a consecução de seus objetivos e não aos recursos dos desistentes. Se o consórcio estivesse vinculado aos recursos dos desistentes, ele jamais conseguiria concluir o seu objetivo por falta, evidente, de fundos financeiros, eis que os desistentes não mais continuam a contribuir. A prevalecer o entendimento do apelante, ele continuaria a utilizar o dinheiro do recorrido e de quem vier a comprar sua cota, o que representaria um indevido proveito econômico a custa de terceiro…”

(APC nº 546117/2001. 1ª Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do Distrito Federal. Relator: João Timóteo de Oliveira. Publicação no DJU em 22/02/02. p. 260)

“CIVIL – CONSÓRCIO – DEVOLUÇÃO DAS PARCELAS PAGAS.

1. Cumpre à administradora de consórcio a devolução imediata da quantia paga, ao consorciado que desiste em prosseguir pagando as prestações, comparecendo injusta e ilegal a pretensão da administradora em assim proceder somente quando por ocasião do término do grupo.

2. A devolução quanto mais tardia menos justa ela o é e a retenção por parte da administradora a partir da desistência ou exclusão configura ato lesivo…” (APC nº 73537/2001. 2ª Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do Distrito Federal. Relator: João Egmont Leôncio Lopes. Publicação no DJU em 04/02/02. p. 28)


Passo à análise do valor a ser devolvido ao requerente.

A fornecedora reconhece o pagamento pelo consorciado no valor de R$ 15.886,00 (quinze mil oitocentos e oitenta e seis reais), conforme atesta o documento de f. 54-55. Desse total, R$ 943,82 (novecentos e quarenta e três reais e oitenta e dois centavos) correspondem à antecipação da taxa de administração, a qual não deverá ser retida, pois não há causa justificadora do adiantamento do referido valor para o consórcio.

Ausente a previsão do destino da quantia vertida em favor da fornecedora, a retenção da taxa de administração antecipada é desprovida de fundamento, violando, assim, o artigo 51, inciso IV, do Código de Defesa do Consumidor.

Evidente a abusividade da exigência da taxa, porquanto sujeita os aderentes ao pagamento de um importe desprovido de causa subjacente e que somente se revestiria de lastro material se os serviços de administração que são afetos à administradora tivessem sido prestados durante a vigência da adesão. Os serviços somente podem ser remunerados na medida e proporção em que forem efetivamente fomentados e disponibilizados.

Assim, a quantia paga a título de taxa de administração antecipada deverá ser devolvida integralmente ao consumidor. As deduções contratuais incidirão apenas sobre o valor remanescente do crédito do requerente, qual seja, R$ 14.942,18 (quatorze mil novecentos e quarenta e dois reais e dezoito centavos).

Tendo em vista que o serviço foi prestado pela administradora, cabível a dedução da taxa de administração, no patamar de 17% (dezessete por cento), conforme previsão contratual (f. 52).

Dessa feita, deverá ser descontado, a título de taxa de administração, o valor de R$ 2.540,17 (dois mil quinhentos e quarenta reais e dezessete centavos) da quantia a ser ressarcida ao requerente.

Não há prova do percentual previsto contratualmente para o seguro, sendo, portanto, incabível o desconto da referida quantia.

A cláusula penal, por sua vez, não se afigura aplicável. A parte requerida invoca cláusula contratual para ensejar o desconto no valor a ser devolvido ao requerente. Contudo, tal norma faz alusão ao consorciado inadimplente, e não desistente. Assim, impossível a aplicação da penalidade contratual aludida, diante de ausência de suporte fático para incidência da norma.

Ademais, extensão da cláusula mencionada à hipótese em análise ensejaria interpretação em desfavor do consumidor, o que vai de encontro à principiologia consumerista, nos termos do artigo 47 do Código de Defesa do Consumidor.

A questão atinente à incidência de correção monetária sobre o valor a ser restituído ao consorciado desistente encontra-se pacificada e a controvérsia acerca do tema superada em razão da edição da súmula nº 35 do colendo Superior Tribunal de Justiça.

Impende ressaltar que a correção monetária não constitui remuneração do capital ou um acréscimo que a ele é incorporado, mas instrumento articulado e previsto no ordenamento jurídico positivo com o escopo de assegurar a intangibilidade da moeda e manter sua identidade no tempo. Não se pode conceber que a repetição de valores seja isenta ou imune à atualização monetária que, em suma, visa preservar o valor do que foi despendido, sob pena de se configurar e amparar o enriquecimento sem causa.

Sendo assim, na presente demanda, deve incidir correção monetária a partir dos desembolsos e juros legais a começar da citação, conforme disposto no artigo 219 do Código de Processo Civil e na Súmula 163 do Supremo Tribunal Federal.

Dessa forma, estar-se-á garantindo a remuneração da parte requerida na medida em que prestou seus serviços, de acordo com entendimento da Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do Distrito Federal:

“CIVIL – CONSÓRCIO RESIDENCIAL – ADESÃO – DESISTÊNCIA MANIFESTADA ANTES DO ENCERRAMENTO DO GRUPO – DEVOLUÇÃO DAS PARCELAS PAGAS SOMENTE AO FINAL DAS ATIVIDADES – CONDIÇÃO ABUSIVA – DEVOLUÇÃO IMEDIATA – CABIMENTO – TAXA DE ADMINISTRAÇÃO RESGATADA DE FORMA ANTECIPADA – CARÊNCIA DE CAUSA SUBJACENTE LEGÍTIMA – REPETIÇÃO NECESSÁRIA.

I. As atividades consorciais não se destinam, de conformidade com as formulações legais que as disciplinam, a fomentar capital de giro ou à capitalização de qualquer sociedade comercial que se destine a explorá-las, mas, isso sim, a possibilitarem a aquisição de bens duráveis nas condições delineadas, devendo os próprios consorciados fomentarem o alcançamento dos objetivos almejado com o grupo ao qual aderiram, atuando a administradora como mera gestora e depositária dos capitais despendidos.

II. O consorciado, ao aderir a um grupo de consórcio, não abdica do direito de dele se desligar de acordo com suas conveniências, e, em tendo se verificado sua desistência enquanto o grupo ao qual havia aderido encontra-se em plena atividade, deve-lhe ser assegurada, de imediato, a restituição das parcelas que destinara à administradora para fomento das atividades consorciais e viabilizar a aquisição do bem que almejava e ensejara a adesão.


III. A cláusula que condiciona a restituição dos importes vertidos ao encerramento do grupo ao qual havia aderido o consorciado afigura-se iníqua, abusiva e onerosa, carecendo de lastro legal e sendo repugnada pelo Código de Defesa do Consumidor (artigo 51, IV, e parágrafo 1º, III), mesmo porque o desistente não pode ser compelido a continuar fomentando uma atividade que não lhe trará quaisquer benefícios, impondo-se, então, sua desconsideração de forma a viabilizar a imediata repetição dos importes por ele vertidos.

IV. A taxa de administração destina-se a remunerar a administradora de consórcio pelos serviços que fomenta durante toda a vigência da adesão, devendo ser paga na medida em que são fomentados, revelando que seu pagamento antecipado, então, não se reveste de legitimação, pois a condição à qual restara sujeita não se implementara ante a circunstância de que, resolvida a adesão logo após sua formalização, não se implementara seu fato gerador e causa subjacente, que estavam jungidos justamente à perduração do ajuste e ao efetivo fomento dos serviços de administração que estavam destinados à empresa.

V. Não revestida de causa subjacente legítima, pois desprovida de qualquer contraprestação derivada da administradora, a taxa de administração vertida de forma antecipada restara, então, carente de sustentação, restando caracterizada sua abusividade e excessividade, não podendo, então, ser decotada do importe a ser repetido ao consorciado desistente…” (APC nº 2003.01.1.091586-9. 1ª Turma dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do Distrito Federal. Relator: Teófilo Rodrigues Caetano Neto. Publicação no DJU em 31/05/2004. p. 54)

De tudo o que foi exposto, o requerente deverá receber o valor de R$ 12.402,01 (doze mil quatrocentos e dois reais e um centavos), compreendendo o total das mensalidades vertidas em favor da parte requerida, subtraído a remuneração dos serviços prestados.

Tal quantia deverá ser somada ao valor de R$ 943,82 (novecentos e quarenta e três reais e oitenta e dois centavos), referentes à antecipação indevida da taxa de administração.

Ante o exposto, julgo procedente o pedido para determinar que a parte requerida restitua imediatamente ao requerente a importância de R$ 13.345,83 (treze mil trezentos e quarenta e cinco reais e oitenta e três centavos), acrescida de correção monetária desde a data dos efetivos desembolsos e juros legais desde a citação.

Incabível a condenação em custas e honorários advocatícios, conforme disposto no artigo 55, “caput” da Lei Federal n° 9.099/95.

Após o trânsito em julgado, a parte requerida terá o prazo de 15 (quinze) dias para cumprir a condenação, sob pena de multa de 10% (dez por cento), nos termos do artigo 475-J, do Código de Processo Civil e do Enunciado n. 105 o Fórum Nacional dos Juizados Especiais.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Brasília-DF, 09 de janeiro de 2007 às 16h15..

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