Alcance do leão

Cartórios têm natureza privada e têm de pagar ISS

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20 de janeiro de 2007, 23h01

Duas sentenças da Justiça paulista confirmaram que os cartórios, ainda que executem serviços públicos, têm de pagar ISS. Isso porque são concessionárias, com prestação privada de serviços, que visam o lucro. Portanto, não há que se falar em isenção de impostos.

Os juízes Cláudio Antônio Marques da Silva, da 11ª Vara da Fazenda Pública, e Edson Ferreira da Silva, da 13ª Vara da Fazenda Pública, ambas de São Paulo, se debruçaram sobre o assunto ao analisar pedidos de Mandados de Segurança de donos de cartórios, que pretendiam não pagar o ISS. Os pedidos foram negados e a tributação, mantida.

De acordo com os juízes, os cartórios são concessões e, assim como qualquer outra concessionária, obedecem as regras das empresas privadas. Não estão, portanto, livres da tributação. A Constituição Federal, em seu artigo 236, privatizou os serviços notariais e de registro. “A partir da Constituição da República de 1988, embora sejam chancelados por fé-pública e o Estado detenha a titularidade, os serviços notariais são prestados a título privado, de modo que incide a tributação pelo ISS”, decretou o juiz Cláudio Antônio Marques da Silva.

Para ele, tanto faz que o serviço seja público, se a sua natureza é privada. “Os tabeliães não recolhem aos cofres públicos todos os valores recebidos pela prestação do serviço.” É atividade lucrativa, observou o juiz.

Veja as decisões

11ª Vara da Fazenda Pública Autos nº 1215 053 06 125224 0

Vistos. Trata-se de mandado de segurança interposto pelo 29º TABELIÃO DE NOTAS DE SÃO PAULO, serventia extrajudicial, por sua representante legal PRISCILA DE CASTRO LOPES TEIXEIRA PINTO LOPES AGAPITO, contra o DIRETOR DO DEPARTAMENTO DE RENDAS MOBILIÁRIAS DA PREFEITURA MUNICIPAL DE SÃO PAULO.

Alegou a impetrante, em resumo, a condição de tabeliã de notas,realizando serviços notariais, os quais de acordo com o art. 236, da Carta Magna são exercidos em caráter privado, por delegação do poder público. Ocorreu que, com o advento da LC. 116/03, foi adicionado à lista de serviços tributáveis pelo ISSQN, diversos serviços, dentre eles os de registros públicos “cartorários” e notariais, estando sujeito ao recolhimento do ISS calculado com alíquota fixa de 5% sobre a receita bruta auferida.

Acrescentou que a impetrada por meio da LM. 13.701/03, criou dois códigos de recolhimento aplicáveis aos serviços notariais e de registro estabelecendo bases de cálculo diferenciadas, sendo um referente a pessoa jurídica (03875), para recolhimento do tributo à alíquota de 5% sobre o faturamento e, outro referente a pessoa física (04014), para recolhimento do tributo à alíquota de 5% sobre R$ 909,77 (regime especial de recolhimento).

Mencionou que a impetrada, objetivando regulamentar a exigência do ISS, conforme a LM. 13.701/03, editou o Decreto 47.350/06, instituindo a nota fiscal eletrônica e, na mesma data editou a Portaria 72 que incluiu as serventias extrajudiciais não oficializadas na relação dos prestadores de serviços obrigados à emissão do referido documento fiscal, além de classificar a atividade no código 03875, ou seja, na qualidade de pessoa jurídica.

Assim, a partir de 01.09.06, conforme Portaria 72, o notário ou registrador inscrito no CCM com base no CNPJ – código 03875, portanto, na qualidade de pessoa jurídica, estará, dessa forma, obrigado a emitir a nota fiscal eletrônica bem como recolher o ISS utilizando como base de cálculo o faturamento,ou seja, sobre o total das notas fiscais emitidas no mês. A impetrante promoveu o cancelamento de sua inscrição como pessoa jurídica no CCM visando afastar a alegada pretensão do fisco municipal de exigir o ISS com base no total do faturamento.

Assim, a impetrante não concorda e nem pode se submeter às exigências da LC 116/03, Lei 13.701/03 e Decreto 47.350/06, bem como da Portaria 72, e estando sujeito às autuações dos agentes fiscais a qualquer momento, que exigirão o recolhimento do ISS calculado no percentual de 5% sobre o faturamento desde o mês de janeiro de 2004 até 08.08.06, caracterizando ato coator interpõe a presente ação. Desse modo, postulou a concessão da segurança para suspender definitivamente a cobrança do ISS, nos termos do art. 151, IV, do CTN.

A liminar não foi concedida e foram solicitadas as informações. Houve interposição de agravo de instrumento, anotando-se o efeito ativo concedido pelo Egrégio Tribunal. Na resposta ao juízo, a autoridade impetrada argüiu preliminarmente pendência de ação declaratória versando precisamente o mesmo objeto deste mandado de segurança e, decadência do direito. No mérito sustentou que por força da legislação municipal, está o impetrante obrigado ao recolhimento do ISS calculado à alíquota de 5% sobre R$ 909,77. Pugnou pela denegação da ordem.


O órgão do Ministério Público deixou de manifestar-se. É o Relatório. D E C I D O. O pedido da impetrante é improcedente.Com efeito, não há que se falar em direito líquido e certo ou abuso de autoridade no ato de exigir o atacado tributo. A Carta Magna vigente estatui que os notários e registradores não são funcionários públicos, passando a ser colaboradores do Poder Público, sob regime de delegação, atuando em recinto particular e contratando seus empregados sob o regime da Consolidação das Leis do Trabalho.

A Lei nº 8.935 de 1994, que regulamenta o art. 236 da CF/88, reforça este entendimento ao dispor, em seu artigo 3º que os notários e registradores são “profissionais do direito, dotados de fé pública, a quem é delegado o exercício da atividade notarial e de registro.” Segundo lição de PINTO FERREIRA, que prelecionou: Por força do art. 236 da CF de 1988 foram abolidas as aposentadorias compulsórias dos tabeliães e oficiais de registro que completarem setenta anos de idade depois de 5.10.1988.

A linguagem da Constituição é muito clara: ela privatizou os serviços notariais e de registro. Tais serviços passam a ser serviços privados. A delegação estatuída na Lei Fundamental feita pelo poder público, consumou a privatização dos serviços notariais e de registro. Bem assegura o prof. Raul Machado Horta, catedrático de direito constitucional da Faculdade de Direito Universidade de Minas Gerais, em elucidativo parecer datado de 26.12.1988 (texto mimeografado):”Quem delega transfere, se desinveste e se despe de atribuição ou de competência que passa ao destinatário da delegação”. (Comentários à Constituição Brasileira; 7ª vol. Art. 192 a 245. São Paulo Saraiva. 1995.p. 491).

Destaquei. Desse modo, a partir da Constituição da República de 1988, embora sejam chancelados por fé-pública e o Estado detenha a titularidade, os serviços notariais são prestados a título privado, de modo que incide a tributação pelo ISS. Lúcia Figueiredo, ao tratar do regime tributário das concessionárias de serviço público, situação análoga à posta sob julgamento, esclarece: O regime tributário das concessionárias é igual ao das empresas privadas. Não são imunes à tributação e o gozo de isenções, evidentemente autorizadas por lei, dependeria expressamente de não haver agressão à isonomia, ou seja, justificativa absolutamente pertinente.

Acreditamos que a isenção seria uma das maneiras de se diminuir a tarifa; portanto, seria elemento a ser considerado na política tarifária. Evidentemente, a isenção dependerá expressamente de lei que autorizar sua possibilidade. (Curso de Direito Administrativo, Malheiros, 7ª edição, p. 102). Ou seja, não importa que o serviço seja público ou a forma de remuneração desse serviço; o que importa, para fins de se verificar o regime tributário, é a natureza da prestação do serviço.

No caso dos serviços notariais, a prestação do serviço é privada, e não pública. Tanto isso é verdade que os Tabeliães não recolhem aos cofres públicos todos os valores recebidos pela prestação do serviço. Trata-se de evidente atividade privada, com finalidade lucrativa. Francisco Ramos Mangieri, ao discorrer sobre o assunto, sustenta a incidência da tributação, conforme argumentos que ora se acolhe: serviços delegados são aqueles realizados diretamente por particulares, através de concessão, permissão e autoriação. O Poder Público, nesses casos, não transfere a titularidade tributária para os serviços delegados, como fica claro pelo disposto no § 2º do art. 150 da Carta Magna brasileira…

O dispositivo constitucional não deixa dúvida alguma de que a benesse esculpida pelo inciso VI, a, somente se aplica às entidade da administração direta e também às autarquias e fundações públicas, desde que os serviços estejam diretamente ligados aos seus finas precípuos, e ainda, que não haja cobrança de preços públicos como contraprestação de suas atividades realizadas (§ 3º do art. 150 da CF)… Não é a simples exigência de concurso público que irá transformar a natureza do serviço prestado, como bem expressa o caput do art. 236 do Texto Magno, o serviço cartorário será objeto de delegação a particulares.

Simplesmente foi criada pelo constituinte norma excepcional para a atividade, exigindo-se que esta descentralização se dê através de concurso ao invés de procedimento licitatório, o que é mais usual… A autonomia no serviço é ainda reconhecida pela mesma lei (nº 8.935/1994), ao dispor explicitamente no art. 28, que “os notários e oficiais de registro gozam de independência no exercício de suas atribuições…” Portanto, os titulares de cartórios não podem, de forma alguma, ser caracterizados como servidores públicos do foro extrajudicial do Judiciário, uma vez que não estão hierarquicamente subordinados a este Poder.


Pertencem, na realidade, não gênero “agentes públicos”, enquadrando-se mais especificamente na espécie “delegatários de serviços públicos”, agindo com autonomia no desempenho de sua atividade, sujeitando-se apenas ao controle finalístico a ser exercido pelo Poder Delegante… É certo que o serviço é público, já que submetido a regime jurídico de direito público. Porém, dá-se início à presença de animus lucrandi no exato instante em que a atividade é delegada a particulares. Ora, o bacharel em Direito que presta o concurso público, é aprovado e assume uma serventia, certamente não o faz por benevolência, mas com o propósito de constituir uma profissão rentável.

Visa sempre o lucro, não importando que o serviço seja originariamente público. O que deve ser considerado é que a execução do serviço será concretizada por um profissional autônomo, que fará da atividade um negócio profissional. Se este não for o raciocínio, teremos que reconhecer a não incidência do ISS para grande parte das paraestatais, além dos concessionários, permissionários e autorizatários de serviços públicos. Em vista disso, em que pese as divergências doutrinárias e jurisprudenciais, somos de opinião favorável à incidência do ISS sobre os serviços cartorários, conforme o enquadramento anteriormente comentado.

Importa ainda ressaltar, que o sujeito passivo da obrigação tributária, nos serviços em questão, é o profissional que obteve a delegação para a execução do serviço, isto é, o concessionário, permissionário ou autorizatário, e não o cartório, já que este não possui existência própria. (ISS – Teoria – Prática – Questões Polêmicas, Ed. Edipro, 3ª ed., pp. 113/117).

A extensa jurisprudência trazida à colação pela Municipalidade dá conta do entendimento pacífico de nossos E.Tribunais sobre a pertinência da cobrança de Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza para as tarefas notariais. Ante o exposto, com fulcro no art. 269, inciso I do CPC, JULGO IMPROCEDENTE o pedido para DENEGAR A SEGURANÇA postulada, na ausência de direito líquido e certo a amparar a postulação.Custas pela impetrante.Sem verba honorária para que se cumpra o disposto na Súmula de nº 512 do STF.Decisão não sujeita a reexame obrigatório, porém deve ser comunicada ao E.Tribunal o teor desta sentença a fim de demonstrar estar prejudicado o julgamento do agravo interposto.

P. R. I. C.

São Paulo, 14 de dezembro de 2006.

Cláudio Antônio Marques da Silva

Juiz de Direito

DÉCIMA TERCEIRA VARA DA FAZENDA PÚBLICA DA CAPITAL – Processo 1174/583.53.2006.124623-0

Vistos. Trata-se de ação, proposta por RICARDO NAHAT, contra PREFEITURA MUNICIPAL DE SÃO PAULO, para afastar a cobrança de ISS sobre serviços notariais e de registro, que são serviços públicos, por isso imunes à tributação. Citada, a parte requerida contestou, cujas razões a parte autora cuidou de refutar.

Relatados, PASSO A DECIDIR. Procedo ao julgamento antecipado da lide, nos termos do artigo 330 do CPC. Os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público (CF, art. 236). Cuida-se de serviço público, porém exercido em caráter privado, como ocorre com as concessões e permissões.

A questão é se comporta a tributação pelo ISS em vista da remuneração que cabe ao delegatário pela realização do serviço, dada a vedação constitucional à União, Estados, Distrito Federal e Municípios em instituir impostos sobre patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros (CF, art. 150, VI, letra “a”).

E essa vedação é extensiva às autarquias e às fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, no que se refere ao patrimônio, à renda e aos serviços, vinculados às suas finalidades essenciais ou dela decorrentes (idem, § 2º). Cumpre também mencionar o disposto no § 3º: § 3º As vedações do inciso VI, a, e do parágrafo anterior não se aplicam ao patrimônio, à renda e aos serviços, relacionados com exploração de atividades econômicas regidas pelas normas aplicáveis a empreendimentos privados, ou em que haja contraprestação ou pagamento de preços ou tarifas pelo usuário, nem exonera o promitente comprador da obrigação de pagar imposto relativamente ao bem imóvel.

Se há contraprestação ou pagamento de preços ou tarifas pelo usuário, como se dá em relação aos serviços notariais e de registro, não incide impedimento à tributação, que estará onerando um serviço público, porém na parte da contraprestação, paga pelo usuário, que é destinada ao delegatário desse serviço, como ente privado não imune à tributação. A conclusão, portanto, é que não existe impedimento à tributação pelo ISS em relação aos serviços notariais e de registro, que são exercidos em caráter privado.

Ante o exposto, julgo IMPROCEDENTE a demanda e CONDENO a parte autora nas custas e demais despesas, fixados os honorários advocatícios, por eqüidade, em dois mil reais, com correção monetária a partir desta data, segundo a tabela de atualização editada pelo Tribunal de Justiça do Estado. Publique-se.

Registre-se. Intimem-se.

São Paulo (SP), em 22 de dezembro de 2006.

EDSON FERREIRA DA SILVA

Juiz de Direito

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