Honra barata

Erro na devolução de troco é mero aborrecimento e não gera dano

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18 de janeiro de 2007, 23h01

Receber, por engano, troco no valor menor do que o devido não gera dano moral. O entendimento é da 9ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Os desembargadores negaram o recurso de uma consumidora contra a loja de utilidades domésticas Colombo.

De acordo com o processo, a cliente pagou uma conta de R$ 25 com uma nota de R$ 50, uma de R$ 5 e outra de R$ 1. A atendente pensou ter recebido uma nota de R$ 20 e devolveu apenas moedas como troco. Depois de várias reclamações, o gerente devolveu o valor correto.

A consumidora não ficou contente e entrou com uma ação de indenização. Alegou que o fato de a funcionária ter errado o troco ofendeu sua honra, além de causar constrangimento.

O relator do recurso, desembargador Odone Sanguiné, considerou que houve apenas um contratempo. “Inoportuno considerar-se qualquer espécie de descontentamento ou aborrecimento incidente na esfera psíquica como suficiente ao reconhecimento de dano moral, sob pena de deturpação do instituto”, asseverou.

Acompanharam o voto do relator as desembargadoras Iris Helena Medeiros Nogueira e Marilene Bonzanini Bernardi.

Processo 70016985699

Leia a decisão

APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. DEVOLUÇÃO DE TROCO EM VALOR INFERIOR AO DEVIDO. RECLAMAÇÕES E DISCUSSÕES. CONSTRANGIMENTO ALEGADO. INEXISTENTE DANO MORAL. MERO DISSABOR.

Na casuística, a contenda funda-se na discussão acerca da configuração de dano moral advindo da devolução de troco a menor, ocasionando reclamação por parte da autora e discussão com os funcionários da requerida em frente aos demais clientes da loja. Não se vislumbra a configuração de dano moral, mas sim mero dissabor, desconforto ou contratempo a que estão sujeitos os indivíduos nas suas atividades cotidianas. Inoportuno considerar-se qualquer espécie de descontentamento ou aborrecimento incidente na esfera psíquica como suficiente ao reconhecimento do dano moral, sob pena de deturpação do instituto.

DESPROVERAM O APELO. UNÂNIME.

APELAÇÃO CÍVEL: NONA CÂMARA CÍVEL

Nº 70016985699: COMARCA DE SÃO BORJA

JOANA MARIA BILHALBA DE LIMA: APELANTE

LOJAS COLOMBO S.A. COMERCIO DE UTILIDADES DOMESTICAS: APELADO

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.

Acordam os Desembargadores integrantes da Nona Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em desprover o recurso de apelação.

Custas na forma da lei.

Participaram do julgamento, além do signatário, as eminentes Senhoras DES.ª IRIS HELENA MEDEIROS NOGUEIRA (PRESIDENTE E REVISORA) E DES.ª MARILENE BONZANINI BERNARDI.

Porto Alegre, 28 de dezembro de 2006.

DES. ODONE SANGUINÉ,

Relator.

RELATÓRIO

DES. ODONE SANGUINÉ (RELATOR)

1. Trata-se de apelação cível interposta por JOANA MARIA BILHALBA DE LIMA, insatisfeita com a decisão de fls. 47/50 prolatada nos autos da ação de indenização por danos morais que move contra LOJAS COLOMBO S.A. COMERCIO DE UTILIDADES DOMESTICAS, que julgou improcedente o pedido, condenando a demandante ao pagamento de honorários advocatícios arbitrados em R$300,00, suspensa a exigibilidade por litigar sob o pálio da assistência judiciária gratuita.

2. Em razões de recurso (fls. 53/55), a apelante apresenta relato dos fatos que ensejaram o ajuizamento da presente ação. Assevera que o equívoco do preposto da demandada, em concluir que a autora estava tentando lográ-lo no troco a receber após a compra da mercadoria, acarretou ofensa à sua honra em frente ao público que se encontrava na loja. Diz que o fato de o atendimento à autora ter perdurado por cerca de vinte e cinco minutos não tem o condão de afastar o constrangimento sofrido no momento. Alega que a inexistência de dolo não elide a responsabilidade civil da demandada. Sustenta a presença de dano moral passível de ressarcimento. Por fim, postula o provimento do recurso, com o julgamento de improcedência dos pedidos iniciais.

3. Por sua vez, em contra-razões (fls. 58/59), o apelado rebate os argumentos esposados no recurso e requer o seu desprovimento.

Subiram os autos e, distribuídos, vieram conclusos.

É o relatório.

VOTOS

DES. ODONE SANGUINÉ (RELATOR)

Eminentes colegas.

4. Restou incontroverso nos autos que a autora efetuou um pagamento no estabelecimento demandado no valor de R$25,53 com uma nota de R$50,00 e duas outras nos valores respectivos de R$5,00 e R$1,00, tendo-lhe sido devolvidas apenas algumas moedas, porque a funcionária da loja demandada pensou que a autora lhe alcançou uma nota de R$20,00 em vez de R$50,00. Ato contínuo, a autora ficou nervosa com a situação, e o gerente devolveu-lhe os R$20,00 restantes após as suas reclamações.

5. Esses são, em síntese, os fatos que embasaram o pedido de indenização por danos morais.

6. Na questão de fundo, compulsando-se os autos, verifica-se que a contenda funda-se na discussão acerca da configuração de dano moral advindo de constrangimento causado por ocasião da devolução do troco em loja de departamentos.

7. Na esteira do esposado a quo, não vislumbro a configuração de dano moral, mas sim mero dissabor, desconforto ou contratempo a que estão sujeitos os indivíduos nas suas relações e atividades cotidianas. Inoportuno considerar-se qualquer espécie de descontentamento ou aborrecimento incidente na esfera psíquica como suficiente ao reconhecimento do dano moral, sob pena de deturpação do instituto.

8. O Poder Judiciário deve sempre buscar a paz social, mediante a composição das lides, considerando relevantes situações que, no plano fático, assumam proporções capazes de justificar o reconhecimento da responsabilidade civil por dano moral e sua conseqüente reparação pecuniária.

9. Neste trilho, corroboro a lição doutrinária de Sérgio Cavalieri Filho, exarada nos seguintes termos:

“(…) só deve ser reputado como dano moral a dor, vexame, sofrimento ou humilhação que, fugindo à normalidade, interfira intensamente no comportamento psicológico do indivíduo, causando-lhe aflições, angústia e desequilíbrio em seu bem-estar. Mero dissabor, aborrecimento, mágoa, irritação ou sensibilidade exacerbada estão fora da órbita do dano moral, porquanto, além de fazerem parte da normalidade do nosso dia-a-dia, no trabalho, no trânsito, entre os amigos e até no ambiente familiar, tais situações não são intensas e duradouras, a ponto de romper o equilíbrio psicológico do indivíduo. Se assim não se entender, acabaremos por banalizar o dano moral, ensejando ações judiciais em busca de indenizações pelos mais triviais aborrecimentos. Dor, vexame, sofrimento e humilhação são conseqüência, e não causa.”

10. Sobre a caracterização do dano moral, assinala com propriedade o autor SÍLVIO DE SALVO VENOSA no sentido de que infortúnios comuns não estão a merecer a configuração de prejuízos ao patrimônio moral da parte:

“Dano moral é o prejuízo que afeta o ânimo psíquico, moral e intelectual da vítima. Nesse campo, o prejuízo transita pelo imponderável, daí por que aumentam as dificuldades de se estabelecer a justa recompensa pelo dano. Em muitas situações, cuida-se de indenizar o inefável. Não é também qualquer dissabor comezinho da vida que pode acarretar a indenização. Aqui, também é importante o critério objetivo do homem médio, o bônus pater famílias: não se levará em conta o psiquismo do homem excessivamente sensível, que se aborrece com fatos diuturnos da vida, nem o homem de pouca ou nenhuma sensibilidade, capaz de resistir sempre às rudezas do destino. Nesse campo, não há fórmulas seguras para auxiliar o juiz. Cabe ao magistrado sentir em cada caso o pulsar da sociedade que o cerca. O sofrimento como contraposição reflexa da alegria é uma constante do comportamento humano universal.”

11. Com efeito, o dano moral somente ingressará no mundo jurídico, gerando a subseqüente obrigação de indenizar, quando houver alguma grandeza no ato considerado ofensivo a direito personalíssimo. Assim, inexiste dano moral ressarcível quando o suporte fático não possui virtualidade para lesionar sentimento ou causar dor e padecimento íntimo. É possível que a autora tenha se sentido constrangida diante de olhares desconfiados da sua palavra no sentido de que havia alcançado ao caixa operador uma nota de R$50,00, e não uma de R$20,00, mas o movimento da máquina judiciária para angariar ressarcimento pecuniário por este fato não me parece justificado.

12. Logo, merece manutenção a sentença fustigada, para o fim de julgar improcedente o pleito, mantendo a condenação da autora ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios do patrono da parte adversa, mantido o dimensionamento fixado no Juízo a quo.

18. Diante do exposto, voto no sentido de desprover o recurso de apelação.

DES.ª IRIS HELENA MEDEIROS NOGUEIRA (PRESIDENTE E REVISORA) – De acordo.

DES.ª MARILENE BONZANINI BERNARDI – De acordo.

DES.ª IRIS HELENA MEDEIROS NOGUEIRA – Presidente – Apelação Cível nº 70016985699, Comarca de São Borja: “DESPROVERAM O APELO. UNÂNIME.”

Julgador(a) de 1º Grau: DANIEL HENRIQUE DUMMER

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