Olho por olho

Não há racionalidade na pena de morte; é vingança pura

Autor

  • Lélio Braga Calhau

    é promotor de Justiça do Ministério Público de Minas Gerais. Pós-graduado em Direito Penal pela Universidade de Salamanca (Espanha) mestre em Direito do Estado e Cidadania pela Universidade Gama Filho (RJ). Professor de Direito Penal da Universidade Vale do Rio Doce.

18 de janeiro de 2007, 12h07

A execução de Saddam Hussein, ex-ditador do Iraque, ressuscitou, mais uma vez, a discussão sobre a aplicação da pena de morte. O assunto é tema de programas de televisão, rádio, bate-papo dos cidadãos em sua família, internet, trabalho, lazer, etc.. Em nosso entendimento, a pena de morte é injusta, inútil, cara para a sociedade civil e, se adotada no Brasil, provavelmente somente seria aplicada na população já estigmatizada pelo nosso Direito Penal.

A pena de morte não se fundamenta em padrões de racionalidade. É vingança pura, ou seja, retribuição sem razão. Não há comprovação científica de que a adoção dessa espécie de condenação alcance o resultado pretendido de se reduzir à criminalidade. Sabe-se concretamente apenas que a mesma inibe a reincidência, mas o preço pago pela sociedade civil do país que a adota é muito alto.

Diversas abordagens demonstram como o assunto da adoção da pena de morte é de muita controvérsia para filósofos, juristas, sociólogos e políticos.

Para Bittar e Almeida, na perspectiva dogmática, trata-se de uma matéria de Direito Penal, sujeita a condições legais e a condições constitucionais (artigo 5º, CF de 1988: “Não haverá pena de morte salvo em casos de guerra declarada…”), para a qual se pode atribuir uma resposta definitiva, ou relativamente definitiva, de acordo com a legislação positiva e a necessidade de solução de problemas práticos (sim, existe pena de morte e pode ser aplicada / não, não existe pena de morte e não pode ser aplicada); da perspectiva zetética, levantar-se-ão os fundamentos da pena de morte, verificando-se a possibilidade de exercício do direito de punir sobre a vida do cidadão, passando-se aos fundamentos dos direitos humanos e aos limites do exercício do próprio poder do Estado de tirar a vida dos cidadãos.

Para Luiz Flávio Borges D’Urso, é preciso ter uma certa cautela, porque a pena de morte é tema de apelo fácil à emoção. Quando a sociedade está comovida, quando a emoção social está de alguma forma manipulada ou estimulada, verificamos que a pena de morte ganha campo, adeptos, simpatizantes e defensores ferrenhos. Se fizéssemos um plebiscito para que o povo decidisse, se teríamos ou não, no futuro no Brasil, a pena de morte, diante do impacto da notícia de algum eventual crime bárbaro, certamente o resultado do plebiscito seria favorável à implantação da pena de morte.

Segundo o jornal mineiro Hoje em Dia, de 28 de outubro de 2003, 52% dos belo-horizontinos são contra a pena de morte, índice 7% acima dos que são favoráveis à pena capital, ou seja, 45%. Os dados constam de pesquisa quantitativa realizada nos dias 30 e 31 de agosto e 1º de setembro pelo Instituto Olhar, Pesquisa e Informação Estratégica, por encomenda do Instituto Horizontes.

A pesquisa revela que existe uma maior resistência à pena de morte junto aos eleitores com o curso superior, enquanto a variável sexo praticamente não provoca variação de opinião sobre a questão. De acordo com a pesquisa, elaborada com base em 625 questionários na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMHB), dos quais 351 na capital, com uma margem de erro de quatro pontos percentuais para o conjunto da RMBH, os mais ricos, com mais de dez salários mínimos de renda familiar, são os mais favoráveis à pena de morte. Nesta faixa de renda, 50,8% são a favor da pena de morte, contra 44,1 %. A situação se inverte na faixa de até dois salários mínimos: 41,5% a favor e 51,8% contra.

Registra o sociólogo Luiz Eduardo Soares que 48,3% dos cariocas são a favor e 45,4% são contra a pena de morte (dados do instituto GPP). Segundo Soares: “O resultado é preocupante, pois sabemos que a insegurança pública produz danos e tragédias e uma delas é a demanda por ordem autoritária alimentada pelo medo. Essa pesquisa indica que esse número de cariocas, que defendem a pena de morte, estão pensando nisso inspirados pelo medo. Por outro lado, esse quadro pode ser entendido a partir de uma razão mais complexa, uma tradução da situação emocional que vivemos e é compreensível. Mas por meio de um debate sério, que se demonstrassem os riscos e os malefícios da pena de morte, esclareceríamos que ela só serve para promover mais injustiça e que não resolve o problema da violência, fato comprovado em muitos países em que foi adotada.

A pena de morte não resolve em quase nada o problema da segurança pública. Se resolvesse, nos Estados Unidos ou na China não tinha crime. Pelo contrário. São países onde ocorrem muitos crimes violentos.

A notícia boa sobre o tema é que a pena de morte anda perdendo sua força nos Estados Unidos da América. Parece que a razão voltou a dominar a discussão sobre o assunto e há um ligeiro retrocesso nas execuções públicas derivadas de sentenças condenatórias de aplicação da pena de morte.

Segundo o site Consultor Jurídico, as sentenças de morte caíram a 114 casos em 2006. Em 2005, foram 128, um número ainda mais baixo do que aquele de 137 casos registrados em 1976, ano em que a Suprema Corte reinstalou a pena de morte nos Estados Unidos. O recorde ficou com o ano de 1996, com 317 penas de morte decretadas. Em 2006, foram levadas a cabo 53 execuções nos EUA, 60 casos a menos que em 2005. O recorde foi o ano de 1999, com 98 execuções. As causas apontadas por promotores, advogados e juízes que criticam a pena de morte são: o surgimento de mais leis estaduais a determinar como pena máxima a prisão perpétua sem direito a liberdade condicional ou apelações, uma queda generalizada nos índices de criminalidade e a relutância de várias autoridades em levar a pena de morte à frente dados os altos custos de um processo deste. Mas, o motivo principal seria o temor de erros judiciais. Desde 1976, 123 pessoas saíram da fila de execuções após terem sido decretadas inocentes, 14 delas mediante teste de DNA.

No Brasil, apesar da população possuir uma certa simpatia pela adoção da referida medida, o que se demonstrou acima, há uma impossibilidade da mesma ser adotada em face de ferir as cláusulas pétreas, artigo, 60, parágrafo 4º , da Constituição Federal. O que não impede que numa assembléia nacional constituinte tal cláusula possa ser adotada, apesar de existirem opiniões contrárias. Fato é que a adoção de tal medida no Brasil seria uma temeridade.

Paulo Daher Rodrigues defende que um outro fator que dificulta a adoção da pena de morte é que lamentavelmente ainda no país ocorrem de forma não tão corriqueira (muitos causados pela Polícia ou Ministério Público) os chamados erros judiciários (falo do dois tipos: um quando o réu é culpado e é absolvido ao final e outro quando o é inocente e é condenado).

Se o réu é culpado e é absolvido ao final, a sociedade civil fica no prejuízo, mas e quando o inocente é condenado? Depois que foi executado não dá pra reparar o erro. E como fica isso? Nesse sentido, registra Daher que a irrevogabilidade da pena de morte transforma o erro humano em erro desumano. Uma punição irreversível, mesmo que pudesse ser lógica e justificada moralmente, pressupõe um tribunal infalível e uma lei consciente.

A adoção da pena de morte não logrou o êxito de acabar (nem seria possível) ou reduzir a criminalidade aonde foi adotada. A condenação de Saddam Hussein, por um tribunal constituído pelo governo do Iraque imposto pelos Estados Unidos da América, numa guerra que foi tudo menos justa, já fere qualquer dos princípios democráticos, que deveria ser aplicados tanto em Washington, Guantánamo ou no Iraque. Quem defende a democracia deve, em tese, ser o primeiro a exercitá-la de forma efetiva. Aprendamos com esses erros. Temos um longo caminho para recuperar efetivamente o controle da criminalidade.

Apesar do alto índice de aprovação junto à população, somos contrários à adoção da pena de morte, por entendermos que a mesma não trará resultados efetivos para a sociedade e é grande o risco de serem executados inocentes em caso da ocorrência de erros judiciários lato sensu (Poder Judiciário, MP, Polícia e advocacia) em processos criminais.

Bibliografia

1- Outro argumento forte para a não adoção da pena de morte é que não existe comprovação científica de que a mesma alcança resultados concretos e positivos para a sociedade civil. Realmente, fora algumas pesquisas localizadas, não temos conhecimento de estudos profundos que comprovem os efeitos concretos positivos da adoção da pena de morte/redução da criminalidade violenta. Por outro lado, se não existem estudos comprovando, também não conhecemos pesquisas que de forma científica comprovem o contrário;

2- BITTAR, Eduardo C. B.; ALMEIDA, Guilherme Assis de. Curso de Filosofia do Direito, 2a ed, São Paulo, Atlas, 2002, p. 50;

3- D’URSO, Luiz Flávio Borges. Pena de morte – o erro anunciado. Disponível na internet em http://www.direitopenal.adv.br, 07.11.03;

4- Quando o quesito é escolaridade, a maioria das pessoas ouvidas e que possui nível superior ou superior incompleto é contra (61,4%) a pena de morte; 37,1% são favoráveis. A situação se inverte quando o nível de escolaridade é o primário. Neste caso, 50,5% das pessoas ouvidas são favoráveis à pena de morte, enquanto 40,2% são contrárias. As pessoas que não trabalham — aí incluídas as donas de casa, estudantes e aposentados — são as mais contrárias à pena de morte (52,6%). Entre os desempregados, 50% são contra a pena de morte e 45,7%, a favor.

Entre os trabalhadores, 48,7% são a favor e 48,2% contra a pena de morte. Quanto ao sexo, 49,7% das mulheres são contra a pena de morte e 46,3%, a favor. No caso dos homens, 49,5% são contra e 46,6% a favor da pena de morte. Pela pesquisa, o perfil médio do morador da Região Metropolitana de Belo Horizonte mostra que a população é predominantemente jovem, já que 80% têm menos de 40 anos. A escolaridade média também é baixa _ 51% são analfabetos ou só completaram o ensino fundamental.

Do total, 11% têm curso superior completo ou incompleto. No que se refere à renda da população, constata-se que 72% das famílias vivem com menos de cinco salários mínimos por mês. Existe, conforme o diretor do Instituto Olhar, Rodrigo Mendes Ribeiro, uma elite, que representa cerca de 10% da população, que vive com mais de dez salários por mês.

A taxa de desemprego, projetada sobre a população economicamente ativa, é de 15%. Jornal Hoje em Dia, 28/10/03. Disponível na internet: www.hojeemdia.com.br;

5-Disponível na internet: www.luizeduardo.com.br;

6- Consultor Jurídico. Disponível na Internet: www.conjur.com.br;

7- Ao nosso ver, a adoção da pena de morte só poderia ser feita por uma nova Assembléia Nacional Constituinte. É que a pena de morte é vetada em sede de cláusulas pétreas. Não pode ser instituída por emenda. Apenas o poder constituinte originário tem força para tal adoção;

8- RODRIGUES, Paulo Daher. Pena de morte. Belo Horizonte, Del Rey, 1996, p. 109.

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    é promotor de Justiça do Ministério Público de Minas Gerais. Pós-graduado em Direito Penal pela Universidade de Salamanca (Espanha), mestre em Direito do Estado e Cidadania pela Universidade Gama Filho (RJ). Professor de Direito Penal da Universidade Vale do Rio Doce.

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