Campeonato gaúcho

Empresa deve religar energia em estádio no RS para campeonato

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18 de janeiro de 2007, 15h58

Fornecimento de energia elétrica é serviço essencial e não pode ser interrompido. O entendimento, do desembargador Francisco José Moesch, do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, foi aplicado para obrigar a Companhia Estadual de Energia Elétrica a religar os postes de energia do estádio municipal de Cidreira. O estádio recebe neste fim de semana os jogos iniciais do Campeonato Gaúcho de Futebol. A CEEE já foi intimada.

“Não se justifica que a concessionária, a pretexto de se encontrar o município em débito, desconsidere por completo as condições, princípios, normatizações que regem as concessões de serviços públicos, a ponto de negar a própria prestação do serviço”, observou o desembargador.

A prefeitura recorreu ao TJ gaúcho contra a decisão da primeira instância, que manteve o desligamento. A juíza Marilei Lacerda Menna explicou que, “todos aqueles que se valem do serviço prestado pelo requerido devem pagar, não podendo ser deferido ao município o direito de receber o fornecimento de energia elétrica sem a devida contraprestação, ou pagando o seu débito da forma que melhor lhe convier”.

No Tribunal de Justiça, o entendimento foi outro. O desembargador explicou que “é ilegal a negativa de fornecimento de energia elétrica a consumidor inadimplente uma vez que se trata de serviço essencial”.

“Não se pode punir o povo, a sociedade, a coletividade desta forma, uma vez que é a sociedade que devemos prestar contas, ela é a destinatária, em última instância, das decisões judiciais”, concluiu.

Processo 70018406801

Leia a decisão

DESPACHO

Vistos.

O MUNICÍPIO DE CIDREIRA interpõe o presente agravo em face da COMPANHIA ESTADUAL DE ENERGIA ELÉTRICA – CEEE, pretendendo ver reformada a decisão que indeferiu o pedido de antecipação de tutela para que a concessionária religasse a luz na subestação de energia elétrica do Estádio Municipal.

Sustenta o agravante que solicitara à CEEE a religação da luz no Estádio em 05/01/2007; contudo, a concessionária condicionou o atendimento do pedido à apresentação de proposta de acordo para pagamento da dívida existente. Alega que a negativa de fornecimento do serviço para instituições públicas configura-se como verdadeira e inadmissível coação, ainda mais havendo ação revisional em andamento, objetivando a redução das faturas mensais de iluminação pública e discutindo os critérios de cobrança aplicados pela Companhia. Afirma que o interesse público é superior à pretensão econômica da concessionária, não podendo a população ser prejudicada. Argumenta que presentes os requisitos para concessão da tutela antecipada, já que, no próximo dia 20 de janeiro, o Município irá sediar a abertura do Campeonato Gaúcho de Futebol em seu Estádio Municipal. Requer a antecipação da tutela recursal, para que seja determinado liminarmente à CEEE que ligue/religue a luz na subestação de energia elétrica do Estádio Municipal de Cidreira.

DEFIRO A LIMINAR PLEITEADA, PARA QUE SEJA RESTABELECIDO O FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA PELA CEEE NO ESTÁDIO MUNICIPAL DE CIDREIRA.

Sem dúvida, a tese da parte recorrente é relevante e densa, merecendo ser considerada, neste momento, como apta a justificar a concessão da liminar.

O Município requereu à CEEE o fornecimento de energia elétrica para o Estádio Municipal. A concessionária condicionou o deferimento do pedido à apresentação de proposta para pagamento de débito existente, o qual se encontra em discussão em ação revisional.

Questiona-se: é possível admitir a negativa de fornecimento de energia elétrica para a realização de eventos no Estádio Municipal porque o Município possui débitos com a concessionária?

Minha resposta é não.

No caso, necessário levarmos em conta o caráter coletivo que reveste o fornecimento da energia elétrica para o Estádio Municipal, ainda mais nesta época do ano, quando eventos importantes estão sendo realizados no Município. Entendimento noutro sentido subverteria os vetores: ultrapassar-se-ia o interesse coletivo em nome do privado, o que descabe. Também, a meu ver, seria pouco razoável e pouco sensato de nossa parte. Não se pode punir o povo, a sociedade, a coletividade desta forma, uma vez que é à sociedade que devemos prestar contas, ela é a destinatária, em última instância, das decisões judiciais.

Entendo que é ilegal a negativa de fornecimento de energia elétrica a consumidor inadimplente, uma vez que se trata de serviço essencial. Não se quer dizer que deva ser gratuito. Tudo está em como cobrar o crédito. Se há dívida de energia elétrica, dispõe o fornecedor de todos os instrumentos legais para pleiteá-la, sem que seja necessário negar ou proceder ao corte do fornecimento.

O art. 22 da lei consumerista estabelece que “os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos” (grifei).

Há que se distinguir dois aspectos: o que se pode entender por essencial e o que pretende a norma quando designa que esse serviço essencial tem de ser contínuo.

Comecemos pelo sentido de essencial. Com efeito, não poderia a sociedade funcionar sem um mínimo de segurança pública. Nesse sentido então é que se diz que todo serviço público é essencial. Assim o são os serviços de saúde, fornecimento de energia elétrica, água, esgoto, coleta de lixo, de telefonia, etc. Contudo, há no serviço considerado essencial um aspecto real e concreto de urgência, isto é, necessidade concreta e efetiva de sua prestação. Essa é a preocupação da norma.

Mas, então, é de perguntar: se todo serviço público é essencial, por que é que a norma estipulou que somente nos essenciais eles são contínuos?

O serviço público essencial revestido, também, do caráter de urgente não pode ser descontinuado.Veja-se que, no sistema jurídico brasileiro, há a Lei nº 7.783, de 28/06/89, conhecida como “Lei de Greve”, que define exatamente quais são esses serviços públicos essenciais e urgentes:

“Art. 10 São considerados serviços ou atividades essenciais:

I – tratamento e abastecimento de água; produção e distribuição de energia elétrica, gás e combustíveis;

II – assistência médica e hospitalar;

III – distribuição e comercialização de medicamentos e alimentos;

IV – funerários;

V – transporte coletivo;

VI – captação e tratamento de esgoto e lixo;

VII – telecomunicações;

VIII – guarda, uso e controle de substâncias radioativas, equipamentos e materiais nucleares;

IX – processamento de dados ligados a serviços essenciais;

X – controle de tráfego aéreo;

XI – compensação bancária.”

Esses serviços, então, não podem ser interrompidos. O CDC é claro, taxativo, e não abre exceções: os serviços essenciais são contínuos. E diga-se, em reforço, que essa garantia decorre do texto constitucional.

Como alicerce de todo o sistema de proteção consumerista, o CDC elegeu direitos básicos do consumidor. E é direito básico do consumidor (CDC, art. 6º):

“I – a proteção da vida, saúde e segurança (…)

X – a adequada e eficaz prestação dos serviços públicos em geral”.

Este delineamento é específico às relações de consumo, relação que se vislumbra, na espécie, modo claro.

Não se justifica, pois, que a concessionária, a pretexto de se encontrar o Município em débito, desconsidere por completo as condições, princípios e normatizações que regem as concessões de serviços públicos, a ponto de negar a própria prestação do serviço.

Portanto, indevido e injusto o procedimento da CEEE ao condicionar o fornecimento do serviço à apresentação de proposta de pagamento da dívida existente, cujo valor ainda está em discussão em ação revisional.

Expeça-se Mandado de Intimação à CEEE, para que sejam tomadas as medidas necessárias para o cumprimento desta decisão.

Comunique-se com urgência ao juízo a quo.

Requisitem-se informações.

Intimem-se, inclusive para contra-razões.

Após, ao Ministério Público.

Porto Alegre, 17 de janeiro de 2007.

Francisco José Moesch,

Desembargador.

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