Alerta para as PPPs

Consórcio do Metrô sabia dos problemas nas obras

Autor

17 de janeiro de 2007, 16h01

Ainda não estão claras as causas objetivas do desabamento na Linha Amarela do Metrô de São Paulo. O número de vítimas também não está determinado. No entanto, há vários pontos obscuros no consórcio formado para viabilizar a obra. O lamentável episódio, decorrente do desabamento de um dos túneis de acesso à nova linha do Metrô na última sexta (12/1), traz um pouco de luz às chamadas Parcerias Público-Privadas.

Crê o poder público que a gestão do projeto dessa linha do metrô não está mais sob a sua responsabilidade. Isso porque já houve licitação para outorga de concessão administrativa da obra, saindo vitorioso o consórcio liderado pela CCR Concessões Rodoviárias, uma sociedade anônima de cujo controle participam, entre outros, Camargo Corrêa, Andrade Gutierrez e Serveng-Civilsan.

A Lei 11.079/04, que autorizou essa modalidade de concessão, é muito clara e determina, no artigo 9º, que, antes da celebração do contrato, deverá ser constituída sociedade de propósito específico, incumbida de implantar e gerir o objeto da parceria. O projeto executivo da obra também é de responsabilidade do contratado (artigo 11), o que deve ter ficado claro no edital de licitação e no contrato assinado entre os parceiros, para a implantação da nova linha.

Cumpre, porém, lembrar que, nessa modalidade de gestão, a administração pública não transfere a titularidade do serviço, mantendo, por conseqüência, o poder de direção e controle sobre sua execução. Continua o poder público responsável pelo serviço, que é de sua titularidade, pois lhe foi atribuído por força de lei. O concessionário gere a prestação do serviço, e a administração o controla, configurando-se numa verdadeira polícia do serviço, que implica um contínuo e ininterrupto controle de inspeção e intervenção que se manifesta de diferentes maneiras: ordens, atos de disposição, organização, direção e planejamento do serviço.

Segundo Hector Escola, referidos poderes de direção e controle podem abranger quatro aspectos: o material, relativo à execução da atividade objeto do contrato; o técnico, referente à observância dos requisitos estabelecidos nos planos, especificações, regulamentos, cláusulas contratuais; o financeiro, indispensável para a fixação das tarifas e verificação do equilíbrio econômico-financeiro; o legal, que diz respeito à observância das normas legais e regulamentares. A Lei 8.987, ainda que de forma esparsa, previu essas formas de controle.

O exercício desse poder constitui-se num verdadeiro dever da administração, ao qual ela não pode furtar-se, sob pena de responsabilidade por omissão. Mas deve ser exercido dentro de limites razoáveis, não podendo a fiscalização fazer-se de tal modo que substitua a gestão da empresa.

Desde agosto do ano passado, pelo menos, o consórcio responsável pela construção da linha tinha conhecimento de problemas nas obras. Relatório apresentado pelo Metrô ao Ministério Público aponta que as obras do trecho 12 “necessitarão de atenção especial”. O documento lista as ruas Capri, Padre Carvalho, Campo Alegre, Martim Carrasco e Cardeal Arcoverde como as que deverão ter maior atenção das construtoras. Nessas ruas, vários imóveis apresentavam rachaduras e outros danos.

O relatório reconhece que ocorreram deslocamentos de superfície e recalques “induzidos pelo processo de escavação”. Estimava que 135 das construções do local poderiam sofrer recalques de cerca de 15 milímetros e que outras 16 poderiam ter deslocamentos superiores a 25 milímetros. Recomendou que, nas áreas mais próximas ao eixo do túnel, além de maior atenção, no caso de escavações a fogo, que essa atenção em superfície fosse estendida a pelo menos 20 metros de ambos os lados do eixo de escavação, ou seja, extensão equivalente a dois diâmetros do túnel.

O Metrô tomou conhecimento dos problemas com a escavação do túnel a partir do início de agosto do ano passado. É necessário que os responsáveis privados pela concessão e pela implantação do projeto venham a público para esclarecer as causas do desabamento e para anunciar as providências tomadas relativamente a possíveis vítimas e aos danos produzidos. O que vimos nos últimos dias reforça as convicções dos que receiam que possam as PPPs ser um grande negócio para os sócios privados e uma fonte de prejuízos inesgotáveis para governos e comunidades de contribuintes que pagam impostos.

O Ministério Público de São Paulo, tenham todos a certeza, tomará as medidas que se fizerem necessárias para a correta apuração dos fatos e fixação das responsabilidades.

[Artigo publicado originalmente nesta quarta-feira (17/1) pela Folha S. Paulo]

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!