Limite no contrato

Unimed não pode impedir médico de trabalhar em outro lugar

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13 de janeiro de 2007, 23h01

Contrato de cooperativa não pode conter cláusula que impede médicos de atuarem em outros serviços de saúde. Com esse entendimento, o juiz da 16ª Vara da Justiça Federal em Brasília, Francisco Neves da Cunha, rejeitou ação proposta pela Unimed Rondônia contra decisão administrativa do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade).

O órgão condenou a cooperativa por conduta lesiva à livre concorrência e impôs multa e o dever de excluir de seus estatutos o instrumento que impede que seus médicos atuem junto a outros serviços de saúde.

Na ação, a Unimed pediu a revisão da decisão do Cade, uma vez que a “cláusula de exclusividade” encontra amparo no cooperativismo protegido pela Constituição Federal.

O juiz acolheu os argumentos apresentados pela Procuradoria do Cade. Ele ressaltou que a liberdade de auto-regulamentação das cooperativas não é ampla e irrestrita. Por isso, segundo ele, o Cade é legítimo para prevenir e reprimir infrações à ordem econômica que afetem a coletividade.

Leia integra da decisão

AÇÃO ORDINÁRIA (1100) Nº 2005.34.00.002548-7

AUTOR: UNIMED RONDÔNIA — COOPERATIVA DE TRABALHO MÉDICO

RÉU: CONSELHO ADMINISTRATIVO DE DEFESA ECONÔMICA — CADE

RELATÓRIO

Trata-se de Ação Ordinária, com pedido de antecipação de tutela, ajuizada por UNIMED RONDÔNIA — COOPERATIVA DE TRABALHO MÉDICO em desfavor do CONSELHO ADMINISTRATIVO DE DEFESA ECONÔMICA — CADE, objetivando a declaração de inexistência de obrigação jurídica, bem como a anulação dos créditos constituídos em face do Processo Administrativo nº 08012.000656/2001/94. Requer a condenação do Réu em custas e honorários advocatícios.

Em sede de antecipação dos efeitos da tutela requereu a suspensão da exigibilidade da multa aplicada pelo CADE no referido processo administrativo, oferecendo como caução o edifício sede da parte autora com cerca de 896,96m².

Aduz a Autora que é pessoa jurídica de direito privado, constituída sob a forma de cooperativa, composta exclusivamente por médicos cooperados domiciliados no Brasil, tendo por objetivo a prestação de serviços a seus associados, nos termos do art. 79, da Lei Federal 5.764/71.

Alega que foi representada perante a Secretaria de Direito Econômico/CADE/Ministério da Justiça pela imposição de cláusula de fidelidade aos seus cooperados, tendo sido condenada ao fundamento de prática de ato prejudicial à livre concorrência, bem como ao pagamento de multa no valor de R$ 63.846,00 e multa diária, no caso de continuidade da prática, no valor de R$ 6.384,60.

Argumenta que o entendimento do CADE merece reforma, tendo em vista que a cláusula de fidelidade encontra respaldo no cooperativismo consagrado pela CF/88 e na jurisprudência do STJ, bem como pelo fato da decisão ter contrariado a Lei nº 5.764/71.

Procuração e demais documentos que acompanham a inicial juntados às fls. 27/199 dos autos. Custas pagas (fl. 200).Foi proferida decisão indeferindo a antecipação de tutela (fls. 202/203).Petição da Parte Autora informando a interposição do Agravo de Instrumento 2005.01.00.005759-0 (fls. 206/207).

Cópia da decisão proferida no Agravo de Instrumento 2005.01.00.005759-0, deferindo parcialmente o efeito suspensivo ativo ao recurso, aceitando o bem oferecido em caução, identificado à fl. 225, considerado suficiente para a garantia do débito tributário em tela, bem como determinando a averbação da referida anotação no cartório de registro de imóveis, e, por conseguinte, suspendendo-lhe a exigibilidade do tributo até julgamento final da ação anulatória. Determinou, também, que o agravado se abstivesse de qualquer ato de inclusão do nome da agravante no CADIN ou outros cadastros de inadimplentes (fls. 208/210).

O CADE apresentou contestação (fls. 212/229) e documentos (fls. 230/284), sem argüição de preliminares. No mérito, postulou pela improcedência da ação. Requereu, ainda, a intimação do Representante do Ministério Público Federal, bem como a condenação da Parte Autora em custas e honorários advocatícios, este a serem arbitrados no percentual máximo admitido em lei.

Concedida vista à Parte Autora em face da contestação apresentada, transcorreu o prazo sem manifestação (certidão à fl. 286v.)

Intimadas as partes para especificação de provas, a Parte Autora apresentou Réplica e pediu o julgamento antecipado da lide (fls. 289/307). O CADE requereu o julgamento antecipado da lide (fls. 309/312).Vistos em Inspeção (fl. 313).

Vieram os autos conclusos para sentença em 12.07.2006 (fl. 317), tendo sido convertido o julgamento em diligência para vista dos autos ao Ministério Público Federal (fl. 318). O Ministério Público Federal apresentou Parecer (fls. 322/338), opinando pela improcedência do pedido.


FUNDAMENTAÇÃO

Considerando que o tema proposto na presente ação encontra solução à luz dos documentos acostados nos autos, procedo ao julgamento antecipado da lide, nos termos do art. 330, I, do Código de Processo Civil. Discute-se na presente ação a legalidade da cláusula de “fidelidade”, “exclusividade” ou “unimilitância” imposta pelo Estatuto da UNIMED aos seus cooperados. Adoto como fundamento o excerto do parecer do D. Representante do Ministério Público Federal, que segue:

“(…)

Primeiramente, deve-se assentar o entendimento de que a Carta Constitucional de 1988 adotou, como fonte de seus princípios gerais da atividade econômica, os ideais liberais da menor intervenção do Estado na economia. Ideais estes, que refletiam efeitos em todas as formas de organização política e jurídica dos Estados modernos.

Alguns reflexos liberais da menor intervenção foram expressamente previstos no art. 5º, inciso XVIII, da Carta Maior, sob o enfoque dos direitos coletivos, espécies de direitos fundamentais. Daí a importância gerada pelo tema da liberdade de associação, que de acordo com José Afonso da Silva, não tratou de ficar limitada nem mesmo pela expressão “na forma da lei”, esclarecendo que :

Referiu-se à “forma da lei” em relação à criação de cooperativas, para indicar que elas se regem por normas diversas das civis (ou comerciais) que regulam a criação das associações em geral, e só a elas, pois do contrário, as associações passariam a depender também de nova forma estabelecida na lei prevista no texto, e não mais da legislação existente.

A fim de reafirmar os ideais dessa liberdade, estatui vedação à interferência estatal no funcionamento das associações e cooperativas mas já prevendo que estas se sujeitam à fiscalização do Poder Público, conforme dispuser a lei. Assim dispõe o art. 5º, inciso XVIII, da Constituição Federal de 1988:

XVIII – a criação de associações e, na forma da lei, a de cooperativas independem de autorização, sendo vedada à interferência estatal em seu funcionamento.

A expressão, na forma da lei, assume caráter de norma de eficácia contida, apesar de se tratar de norma constitucional que contenha direito de liberdade, com o intuito de restringir sua plenitude. Assim, o legislador ordinário ganhou legitimidade para regular o direito de liberdade conferido pelo Constituição Federal de 1988.

Tanto o fez, que o legislador constituinte decidiu por adotar princípios que instituam um sistema econômico organizado mas sensível aos ditames da justiça social. Nisso, assegurou, dentre as tendências mais modernas de desenvolvimento econômico, medidas que afirmam a redução das desigualdades sociais e valorização do trabalho humano pela igualdade de oportunidades e distribuição de renda.

Como meio legítimo de defesa dos consumidores, o legislador tratou de adotar como princípio de ordem econômica, a livre concorrência do mercado (art. 170, inciso IV), bem como a defesa do consumidor (art. 170, inciso VI), a fim de se ter como instrumento ativo de regulação, uma estrutura econômica verdadeiramente democrática. Como bem relembra o jurista Celso Barbieri Filho :

“a concorrência é elemento fundamental para o desenvolvimento da estrutura econômica. É ela a pedra de toque das liberdades públicas no setor econômico.”

Esta orientação foi alvo de proteção do art. 173 §3º da Constituição Federal de 1988, cujo o teor prevê:

Art. 173 […]

§4º A lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros.

O Estado, se comprometeu em assegurar o livre desenvolvimento econômico sem se omitir no planejamento e incentivo das entidades que se ocupem da atividade financeira, com ou sem fins lucrativos, organizadas sobre as formas de associações ou cooperativas. Assim, exerce também a função de agente normativo e regulador das atividades econômicas, conforme entendeu o STJ analisando a atividade econômica por ocasião do Mandado de Segurança nº 2.2887-1/DF, in verbis:

CONSTITUCIONAL. INTERVENÇÃO ESTATAL. ESTIPULAÇÃO DE PREÇOS. PEDIDO DE CERTIDÃO. DIREITO ASSEGURADO.

I — A CONSTITUIÇÃO FEDERAL, NO SEU ART. 170, PRECEITUA QUE A ORDEM ECONOMICA É FUNDADA NA VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO E NA LIVRE INICIATIVA, TENDO POR FINALIDADE ASSEGURAR A TODOS EXISTENCIA DIGNA, CONFORME OS DITAMES DA JUSTIÇA SOCIAL, OBSERVADOS OS PRINCIPIOS QUE INDICA.

NO SEU ART. 174 PONTIFICA QUE, COMO AGENTE NORMATIVO E REGULADOR DA ATIVIDADE ECONOMICA, O ESTADO EXERCERA, NA FORMA DA LEI, AS FUNÇÕES DE FISCALIZAÇÃO, INCENTIVO E PLANEJAMENTO. DESSES DISPOSITIVOS RESULTA CLARO QUE O ESTADO PODE ATUAR COMO AGENTE REGULADOR DAS ATIVIDADES ECONOMICAS EM GERAL, SOBRETUDO NAS DE QUE CUIDAM AS EMPRESAS QUE ATUAM EM UM SETOR ABSOLUTAMENTE ESTRATÉGICO, DAI LHE SER LICITO ESTIPULAR OS PREÇOS QUE DEVEM SER POR ELAS PRATICADOS.


STJ – 1ª Sessão. Julgado em 09/11/1993. Relator p/ o acórdão Min. CESAR ASFOR ROCHA. DJ 13/12/1993.

Esse parece ter sido o mesmo entendimento esboçado por Miguel Reale Júnior a respeito da atuação do Estado na defesa do bem comum, esclarecendo que: (3)

O Estado intervém na economia, segundo o art. 174 da CF, como agente normativo e regulador, exercendo, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado. Esta atuação do Estado como agente normativo ou regulador é de ser concretizada com respeito aos princípios que regem a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, visando a assegurar a todos uma existência digna, conforme os ditames da justiça social (art. 170 da CF).

Essa perspectiva assegura o tratamento da questão econômica como direito público, frente a necessária tutela dos interesses difusos e coletivos, em medida de proteção social, no resguardo dos demais princípios constitucionais da livre concorrência e defesa do Consumidor.

Assim, não se deve considerar ampla e irrestrita a liberdade das cooperativas em proceder a auto-regulamentação, à míngua dos demais princípios e direitos fundamentais igualmente protegidos pela guarida Constitucional.

Confira-se o entendimento do jurista Alexandre de Moraes quando analisa a questão, relembrando que(4) :

“Da conjugação dessas duas normas constitucionais o intérprete deve concluir pela existência da possibilidade de intervenção estatal na economia, seguindo-se os parâmetros da legalidade, quando houver necessidade de defesa do interesse público, inclusive para combater o abuso do poder econômico e assegurar o respeito aos princípios constitucionais da ordem econômica.”

Com efeito, a Lei 8.884/94 – Lei Antitruste, atendendo o disposto no texto Constitucional, estabeleceu providências a fim de se prevenir e reprimir as infrações contra a ordem econômica, regulando a liberdade das cooperativas na criação de mecanismos autoprotetivos e anticoncorreciais.

Este fato, por si só, legitima a atuação do CADE no exercício do poder de polícia originário do Estado, prevenindo e reprimindo, quando necessário, infrações à ordem econômica, sempre que qualquer atividade econômica possa afetar a coletividade. O jurista Hely Lopes Meirelles relembra de forma conveniente e oportuna que5:

“O poder de polícia é a faculdade de que dispõe a Administração Pública para condicionar e restringir o uso e gozo de bens, atividades e direitos individuais, em benefício da coletividade ou do próprio Estado.”

As circunstâncias fáticas apontadas pela autarquia, revelam situação de eminente dano ao interesse social da comunidade de Rondônia, que de acordo com levantamento feito pelo próprio órgão, compreende com exclusividade mais de 53% dos profissionais médicos da área.

Além do que, o Estatuto Social da autora é explícito ao impedir o atendimento de usuários de outros planos de saúde pelos médicos cooperados, pois se assim fizerem, ficam sujeitos ao disposto no art. 12, letra “c”

Ora, isso nada mais pode indicar ao órgão de fiscalização do que a possível dominação do mercado, visto que tal prática efetivamente reduz o poder de decisão do cooperado em relação ao serviço a ser prestado e, até mesmo, o acesso a determinadas especialidades médicas, que podem ficar restritas a usuários de apenas um convênio ou plano de saúde.

O consumidor, por sua vez, em meio a monopólio de serviço socialmente relevante, reconhecidamente ocupa posição menos privilegiada, pois assume, na ausência de alternativas, a inevitável taxação abusiva de preços do setor sem que possa se valer, de instrumentos comuns à economia de mercado, qual seja, a livre concorrência.

Tal prática tende a firmar um ambiente econômico nada benéfico à sociedade de Rondônia, o que patentemente ignora os princípios constitucionais da livre concorrência (art. 170, IV) e a defesa do consumidor (art. 170, V).

Assim, não se deve afirmar supremacia da Lei Cooperativismo (Lei nº 5.764/71) face a atual legislação antitruste, que dá efetividade à proteção da livre concorrência prevista pelo constituinte. A proteção, ora examinada, é considerada princípio fundamental da ordem econômica, prevalecendo sobre o princípio cooperativo.

Além do que, sob o aspecto temporal, a Lei 5.764/71 é anterior e geral à Constituição Federal de 1988 e ao disposto na Lei nº 8.884/94, sendo necessário considerar apenas os dispositivos que não conflitem com ambos os diplomas legais, sobretudo à Constituição Federal de 1988 (lex posterior derrogat prior).

Dessa forma, não há que se afirmar que as cooperativas não se submetem à lei de defesa da concorrência – Lei nº 8.884/94, visto que a atual legislação ampliou significativamente o número de destinatários sujeitos às suas determinações. A esse respeito convém mencionar o disposto no art. 15 do mesmo estatuto, in verbis:


Art. 15. Esta lei aplica-se às pessoas físicas ou jurídicas de direito público ou privado, bem como a quaisquer associações de entidades ou pessoas, constituídas de fato ou de direito, ainda que temporariamente, com ou sem personalidade jurídica, mesmo que exerçam atividade sob o regime de monopólio legal.

Ainda, não se pode ignorar a existência e validade da Lei 9.656/98, a qual compreende todas as ações relacionadas aos planos de saúde, frente a posição de mercado ocupada pela parte autora, conforme dispõe o art. 1º da Lei, in verbis:

Art. 1º Submetem-se às disposições desta Lei as pessoas jurídicas de direito provado que operam planos ou seguros privados de assistência à saúde, sem prejuízo do cumprimento da legislação específica que rege a sua atividade

§1º Para os fins do disposto no caput desde artigo, consideram-se:

I – operadoras de planos privados de assistência à saúde: toda e qualquer pessoa jurídica de direito privado, independente da forma jurídica de sua constituição, que ofereça tais planos mediante contraprestações pecuniárias, com atendimento em serviços próprios ou de terceiros;

II – operadoras de seguros privados de assistência à saúde: as pessoas jurídicas constituídas e reguladas em conformidade com a legislação específica para a atividade de comercialização de seguros e que garantam a cobertura de riscos de assistência à saúde, mediante livre escolha pelo segurado do prestador do respectivo serviço e reembolso de despesas, exclusivamente.

§2º Incluem-se na abrangência desta Lei as entidades ou empresas que mantêm sistemas de assistência à saúde pela modalidade de autogestão.

Ademais, a própria parte autora não questiona a existência de cláusula de exclusividade em seu estatuto, o que no mínimo, comprova a sua atuação irregular no mercado, frente ao disposto no art. 18, inciso III da Lei 9.656/98. In verbis:

Art. 18 A aceitação, por parte de qualquer prestador de serviço ou profissional de saúde, da condição de contratado ou credenciado de uma operadora de planos ou seguros privados de assistência à saúde, impo-lhe as seguintes obrigações e direitos: (Vide Medida Provisória nº 2.177-44, de 2001)

[…]

III – a manutenção de relacionamento de contratação ou credenciamento com quantas operadoras de planos ou seguros privados de assistência à saúde desejar, sendo expressamente vedado impor contratos de exclusividade ou de restrição à atividade profissional. (Vide Medida Provisória 2.177-44, de 2001)

Essa, expressamente veda as operadoras e cooperativas de saúde, independente mente da natureza jurídica constitutiva, impor contratos de exclusividade ou restrição à atividade profissional.

Portanto, em nada mais pode se justificar a existência da cláusula de exclusividade e a sua prática entre os cooperados. Conforme demonstrado, tanto a Constituição Federal de 1988, quanto a Lei 9.656/98, extirparam qualquer dúvida a respeito, quando previram harmoniosamente novas regras aos planos de saúde, proibindo expressamente, a exigência de cláusula de exclusividade.

Demonstrada a legalidade do procedimento que concluiu pela ocorrência de infração a ordem econômica, fato grave e lesivo ao interesse público, cabe a autarquia proceder qualquer providência necessária a eliminação dos efeitos nocivos à ordem econômica. A autarquia está, dessa forma,legitimada a exigir alteração de norma no estatuto que institui ilegalmente a prática anticoncorrencial verificada, conforme dispõe o art. 24, inciso V da Lei 8.884/94. In verbis:

Art. 24. Sem prejuízo das penas cominadas no artigo anterior, quando assim o exigir a gravidade dos fatos ou o interesse público geral, poderão ser impostas as seguintes penas, isolada ou cumulativamente:

V – a cisão de sociedade, transferência de controle societário, venda de ativos, cessação parcial de atividade, ou qualquer outro ato ou providência necessários para a eliminação dos efeitos nocivos à ordem econômica.

Nesse mesmo sentido têm-se manifestado a jurisprudência do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, in verbis:

ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. COOPERATIVA DE TRABALHO MÉDICO.PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. CLÁUSULA DE EXCLUSIVIDADE. CONSELHOADMINISTRATIVO DE DEFESA ECONÔMICA – CADE. DOMÍNIO DE MERCADO.PRINCÍPIO DA LIVRE CONCORRÊNCIA. PREVALÊNCIA DO INTERESSE PÚBLICO.

1. A cláusula de exclusividade na prestação de serviços, prevista em estatutos de cooperativas médicas, afronta a norma prevista no art. 18, inciso III, da Lei 9.656/98, que veda a imposição de “contratos de exclusividade ou de restrição à atividade profissional” na área da saúde. Precedentes desta Corte.

2. Constitui atribuição do Poder Público, no exercício de seu regular poder de polícia, imiscuir-se nas relações privadas, limitando-as, quando atingirem o interesse coletivo.


3. Caso em que, na espécie, a cláusula de exclusividade acarreta situação que se qualifica como de domínio do mercado em certas áreas da medicina, com ofensa ao princípio constitucional da livre concorrência, o que torna legítima a atuação do CADE, em virtude de sua específica atribuição de órgão repressor de condutas caracterizadoras de abuso do poder econômico.

4. Apelação improvida.

TRF – 1ª Região. 5ª TURMA. Julgamento unânime. Rel. p/ o acórdão: Desembargador Federal Fagundes de Deus. Publicação DJ 16/10/2003 p.54. AMS 2000.34.00.007656-9/DF

PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. DECISÃO. CONSELHO ADMINISTRATIVO DE DEFESA ECONÔMICA — CADE. NECESSIDADE. SEGURANÇA DO JUÍZO. SUSPENÇÃO. EXECUÇÃO. COOPERATIVA MÉDICA. CLÁUSULA DE EXCLUSIVIDADE. ILEGALIDADE.

Segundo previsto no art. 65 da Lei 8.884/94, “o oferecimento de embargos ou o ajuizamento de qualquer outra ação que vise à desconstituição do título executivo não suspenderá a execução, se não for garantido o juízo no valor das multas aplicadas, assim como de prestação de caução, a ser fixada pelo juízo, que garanta o cumprimento da decisão final proferida nos autos, inclusive no que tange a multas diárias”.

2. Mesmo que se possa entender que a Lei 5.764/71 admite a imposição de cláusula de exclusividade aos profissionais das cooperativas médicas, como essa lei é anterior à Constituição Federal de 1988 e à Lei 8.884/94, não restam dúvidas de que deve ser interpretada em harmonia com os princípios consagrados pela nova ordem constitucional, entre os quais o da livre concorrência e da defesa do consumidor (art. 170, IV e V da CF).

3. A cláusula de exclusividade afronta o art. 18, III, da Lei 9.656/98, segundo o qual é vedada a imposição a profissionais de saúde de contratos de exclusividade ou de restrição à atividade profissional.

4. Dá-se provimento ao agravo de instrumento.

TRF — 1ª Região. 2ª TURMA. Julgamento unânime. Desembargador Federal Tourinho Neto. Publicação DJ 17/10/2003 p.11. AG 2002.01.00.002752-0/DF

CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. CONSELHO ADMINISTRATIVO DE DEFESA ECONÔMICA-CADE. ANTECIPAÇÃO DA TUTELA MANDAMENTAL INIBITÓRIA. AUSÊNCIA DE FUMUS BONI JURIS ANTE A DENEGAÇÃO DA SEGURANÇA BUSCADA (SÚMULA 405/STF). PROCESSO ADMINISTRATIVO. CERCEAMENTO DE DEFESA NÃO CARACTERIZADO. COOPERATIVA DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS MÉDICOS. CLÁUSULA DE EXCLUSIVIDADE. VIOLAÇÃO DE PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS E DE TEXTO LEGAL SOBRE A MATÉRIA.

I – Denegada a segurança pleiteada, afigura-se incabível, na fase recursal, a concessão de antecipação de tutela mandamental inibitória, visando a suspensão da exigibilidade do crédito discutido nos autos, à míngua de fumus boni juris, na espécie. Inteligência do enunciado da Súmula 405 do colendo Supremo Tribunal Federal.

II – A regular intimação dos patronos da parte para a sessão de julgamento de processo administrativo e a observância do quorum mínimo exigido em lei, devidamente comprovadas nos autos, descaracterizam o alegado cerceamento de defesa, mormente quando esta deixou de ser produzida por inércia do interessado.

III – A exclusividade na prestação de serviços, pretendida por cooperativa médica, sem embargo do apoio e do estímulo devidos ao cooperativismo e a outras formas de associativismo, além de atentar contra as garantias fundamentais de uma ordem econômica, financeira e social, fulcradas nos princípios da livre concorrência e da proteção à saúde, e voltadas para bem-estar e justiça sociais (CF, artigos 170, IV, 193 e 196), encontra óbice no art. 18, III, da Lei nº 9.656, de 03 de junho de 1998.

II – Apelação desprovida. Sentença confirmada. TRF – 1ª Região. 2ª TURMA. Julgamento unânime. Desembargador Federal Souza Prudente. Publicação DJ 04/12/2002 p.27. AMS 2000.34.00.007650-2/DF

(…)”

No caso dos autos, a autora foi considerada incursa nas práticas tipificadas no art. 20, I e II, combinado com o art. 21, IV, V e VI, todos da Lei nº 8.884/94, tendo sido aplicada pena de multa no valor de R$ 63.846,00 e multa diária de R$ 6.384,60 no caso de continuidade da prática (fl. 251).

A imposição de cláusula de exclusividade pela UNIMED de Rondônia aos seus cooperados foi objeto de análise pela Secretaria de Direito Econômico (SDE) e pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), vinculados ao Ministério da Justiça, concluindo que a referida conduta importa limitação ao princípio da livre concorrência (fls. 252/261).

Com efeito, preceitua o art. 29 da Lei 5.764/71, que os cooperados devem obedecer ao que está estabelecido no Estatuto da cooperativa e prevê em seu § 4º, que “não poderão ingressar no quadro das cooperativas os agentes de comércio e empresários que operem no mesmo campo econômico da sociedade”. A meu ver, estes dispositivos não são aptos a justificar a imposição de cláusula de exclusividade no caso de cooperativas médicas.

Não obstante a Lei 5.764/71 admitir a cláusula de exclusividade, trata-se de norma anterior à Constituição Federal de 1988 e à Lei 8.884/94, de modo que a análise da questão deve observar os princípios estabelecidos pela nova ordem constitucional, dentre os quais o da livre concorrência e da defesa do consumidor (art. 170, IV e V da CF).

Ademais, cumpre ressaltar que a cláusula de exclusividade imposta pela Unimed de Rondônia afronta, expressamente, o art. 18, inciso III, da Lei 9.656/98 (que dispõe sobre os planos e seguros privados de assistência à saúde), que estabeleceu, in verbis:

“ Art. 18. A aceitação, por parte de qualquer prestador de serviço ou profissional de saúde, da condição de contratado ou credenciado de uma operadora de planos ou seguros privados de assistência à saúde, impõe-lhe as seguintes obrigações e direitos: (Vide Medida Provisória 2.177-44, de 2001)

(…)

III – a manutenção de relacionamento de contratação ou credenciamento com quantas operadoras de planos ou seguros privados de assistência à saúde desejar, sendo expressamente vedado impor contratos de exclusividade ou de restrição à atividade profissional. (Vide Medida Provisória 2.177-44, de 2001)”

Aplica-se a Lei 9.656/98 a todas as pessoas jurídicas de direito privado que operam plano ou seguros privados de assistência à saúde, independentemente da forma jurídica de sua constituição (art. 1º, § 1º, inciso I), de forma que abrange, também, à UNIMED, o que caracteriza a ilegalidade da imposição da cláusula de exclusividade aos seus cooperados.

Pelo exposto, impõe o julgamento improcedente da ação.

DISPOSITIVO

Ex positis, com supedâneo nas razões suso colacionadas, julgo improcedente a ação. Contudo, mantenho a tutela antecipada deferida em sede de Agravo de Instrumento (fls. 208/210) até o trânsito em julgado da presente decisão ou até julgamento em superior instância.

Condeno a Parte Autora ao pagamento de honorários advocatícios em favor da Ré, que fixo em 10% sobre o valor da causa, nos termos do art. 20, §4º, do Código de Processo Civil.

Custas ex lege.

P.R.I.

Brasília, DF

FRANCISCO NEVES DA CUNHA

Juiz Federal da 16ª Vara

Judiciária do Distrito Federal

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