Crítica irrazoável

Primeira Leitura deve indenizar intelectual em R$ 17 mil

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12 de janeiro de 2007, 23h01

A extinta revista Primeira Leitura foi condenada a indenizar o cientista político Luiz Alberto Moniz Bandeira, em R$ 17,5 mil. O editor-chefe Reinaldo Azevedo e o filósofo Roberto Romano da Silva publicaram crítica sobre o livro Formação do Império Americano: Da Guerra Contra a Espanha à Guerra do Iraque, que não agradou o autor, Moniz Bandeira. O juiz da 35ª Vara Cível de São Paulo concluiu que o artigo e o editorial ofenderam a honra do cientista político. Cabe recurso.

Moniz Bandeira, defendido pela equipe do Noronha Advogados, alegou que os textos publicados ultrapassaram os limites da crítica razoável. Para ele, o nítido objetivo deles era ridicularizá-lo, diante da prática de calúnia, difamação e injúria.

Azevedo e Romano sustentaram que não houve abuso em relação ao direito de crítica e ao exercício da manifestação do pensamento. Disseram ainda que não houve intenção de ofender a honra de ninguém.

Apesar dos argumentos dos réus na ação, de que agiram com respaldo no direito de manifestação de pensamento, o juiz observou que as críticas não se limitaram ao livro. Para ele, Moniz Bandeira foi atingido direta e indiretamente por eles.

O juiz diz que, em seu artigo, o filósofo fez alusão à suposta complacência do autor com a ideologia nazista de Adolf Hitler. Além disso, afirma que “Hegel é um charlatão a mais a espalhar preconceito contra a cultura inglesa” e, em seguida, diz que “Luiz Alberto Moniz Bandeira se proclama hegeliano”.

No texto, o filósofo dispara também que “baseando-se numa leitura não provável de Marx, Bandeira reduz o significado daquele trecho, jogando-se totalmente sobre a sociedade de mercado e para a concorrência. Hegel era tosco, mas nem tanto”.

Com mais essa afirmação, o juiz concluiu que o autor do livro foi chamado de charlatão e tosco. O bastante para comprovar o excesso praticado pelos réus, decidiu.

Leia a decisão

Às Cíveis Centrais 35ª Vara Cível

583.00.2006.122030-7/000000-000 — nº ordem 326/2006

Indenização (Ordinária) — LUIZ ALBERTO DIAS LIMA DE VIANA MONIZ BANDEIRA X PRIMEIRA LEITURA LTDA E OUTROS — Fls. 771/780

Vistos, etc.

LUIZ ALBERTO DIAS LIMA DE VIANNA MONIZ BANDEIRA ajuizou a presente Ação de Indenização por Danos Morais contra PRIMEIRA LEITURA LTDA, JOSÉ REINALDO AZEVEDO E SILVA e ROBERTO ROMANO DA SILVA alegando, em síntese, que é autor do livro intitulado

‘Formação do Império Americano: Da Guerra Contra a Espanha à Guerra do Iraque’ e que o segundo réu, editor da primeira ré, comissionou ao terceiro réu a elaboração de artigo com o intuito de comentar as posições defendidas pelo autor ao longo de sua vida acadêmica e, mais especificamente, em relação ao referido livro.

Sustenta que os réus ultrapassaram os limites da crítica razoável e vieram a lhe atacar diretamente na publicação da empresa ré, com o nítido ânimo de lhe ridicularizar.

Esclarece que foi atacado tanto no artigo redigido pelo terceiro réu quanto pelo editoral elaborado pelo segundo réu e que teve a honra ofendida.

Atribui a prática de calúnia, difamação e injúria aos réus. Postula a procedência da demanda para sejam os réus condenados ao pagamento de indenização por danos morais (fls. 02/34). Instruiu a inicial com documentos (fls. 35/206).

A petição inicial foi emendada (fls. 210/213). Regularmente citados (fls. 219/222), os réus apresentaram resposta, sob a forma de contestação (fls. 224/248), asseverando, em preliminar, necessidade de prestação de caução e nulidade de citação.

Sustentam, no mérito, que não houve abuso em relação ao direito de crítica e ao exercício da manifestação do pensamento. Alegam, ainda, que as críticas formuladas estão corretas e que não têm o condão de gerar ofensa à honra de ninguém.

Postulam a improcedência da demanda. Acostaram documentos aos autos (fls. 249/274). Houve réplica (fls. 278/300) e o autor caucionou o juízo, bem como juntou documentos aos autos (fls. 301/744).

Os réus se manifestaram sobre os documentos alinhavados aos autos (fls. 748/754) e a conciliação entre as partes, embora tentada, restou infrutífera (fls. 768).

É o relatório. DECIDO.

A questão, embora verse sobre matéria de fato e de direito, por não demandar maior dilação probatória, com fulcro no art. 330, inciso I, do Código de Processo Civil, comporta julgamento antecipado.

Aliás, nesse sentido já decidiu o Supremo Tribunal Federal quando deixou assentado que: ‘a necessidade de produção de prova em audiência há que ficar evidenciada para que o julgamento antecipado da lide implique em cerceamento de defesa. Antecipação legítima se os aspectos decisivos estão suficientemente líquidos para embasar o convencimento do magistrado’ (RE 101.171-SP).


Outro não foi o entendimento adotado pelo v. acórdão a seguir: ‘Julgar antecipadamente a lide é dever do juiz se presentes as condições para tanto, até porque sendo o juiz destinatário da prova, somente a ele cumpre aferir sobre a necessidade ou não de sua realização’ (TFR — 5ª Turma, Ag. 51.774-MG, Rel. Min. Geraldo Sobral, j. 27.02.89).

Em princípio, cabe consignar que o juízo já foi caucionado, de maneira que a discussão acerca da necessidade — ou não — de prestação de caução por parte do autor restou prejudicada.

Descabida, ainda, a alegada nulidade de citação, posto que os réus tiveram perfeita ciência da demanda proposta contra eles e possibilidade de defesa, tanto que a exerceram de forma plena com a protocolização da petição de fls. 224/248. Ficam repelidas, assim, todas as preliminares argüidas.

No que tange ao mérito, a presente ação é parcialmente procedente. Segundo Aguiar Dias: ‘o dano moral é o efeito não patrimonial da lesão de direito e não a própria lesão abstratamente considerada’. Para SAVATIER, ‘dano moral é todo sofrimento humano que não é causado por uma perda pecuniária’. PONTES DE MIRANDA assevera que ‘nos danos morais a esfera ética da pessoa é que é ofendida: o dano não patrimonial é o que, só atingindo o devedor como ser humano, não lhe atinge o patrimônio` (in RDP 185/198).

Ensina Carlos Alberto Bitar, com a propriedade de sempre, que: ‘Frise-se, no entanto, que nem todo dano é reparável. Cumpre se mostre injusto, configurando-se pela invasão, contra ius, da esfera jurídica alheia, ou de valores básicos do acervo da coletividade, diante da evolução operada nesse campo.

Realmente, endereçada, de início, à composição de danos na órbita do relacionamento privado, vem, no entanto, a teoria da responsabilidade civil sendo utilizada para a proteção de bens da coletividade como um todo, ou de valores por ela reconhecidos como relevantes.

Com isso, expande-se a sua área de incidência, na defesa, pois, de interesses coletivos, difusos e individuais homogêneos, alcançando-se categorias ou classes de pessoas unidas por situações de fato ou de direito que justifiquem uma atuação conjunta, no plano da teoria da coletivização dos instrumentos de salvaguarda de interesses privados’ (in ‘Reparação Civil por Danos Morais’, 2ª edição, RT, 1.994, p. 25).

Para que exista indenização por danos morais, necessária se faz a presença dos elementos da responsabilidade civil, que, no presente feito, é subjetiva, nos termos do art. 186 do Código Civil.

Nesse sentido, mais uma vez, confira-se a lição de Carlos Alberto Bittar à respeito do tema: ‘A caracterização do direito à reparação depende, no plano fático, da concorrência dos seguintes elementos: o impulso do agente, o resultado lesivo e o nexo causal entre ambos, que são, aliás, os pressupostos de responsabilidade civil.

(…)

Com efeito, sob o aspecto jurídico, a caracterização desse direito exige, de início, que haja a interferência indevida de alguém na esfera valorativa de outrem, trazendo-lhe lesão aos direitos mencionados; vale dizer: deve existir relação de causalidade entre o dano experimentado e a ação alheia.

Dessa forma, cumpre haver ação (comportamento positivo) ou omissão (negativo) de outrem que, plasmada no mundo fático, vem a alcançar e ferir, de modo injusto, componente da esfera da moralidade do lesado.

(…).

Em termos simples, o agente faz algo que lhe não era permitido, ou deixa de realizar aquilo a que se comprometera juridicamente, atingindo a esfera alheia e causando-lhe prejuízo, seja por ações, gestos, palavras, escritos, ou por meios outros de comunicação possíveis.

Verificada a ingerência ilegítima na órbita do lesado, cumpre, depois, perseguir-se a autoria, cabendo discernir-se se o fato é imputável ou atribuível ao agente, a fim de poder este sofrer a responsabilização jurídica’ (g.n.).(ob. Cit., p. 127/128).

Colocado isto, para o deslinde da causa, cabe analisar, de um lado, se houve conduta ilícita por parte dos réus e, de outro lado, se em virtude desta conduta o autor experimentou danos morais.

Muito embora os réus tenham sustentado que, ao se manifestarem sobre o livro intitulado ‘Formação do Império Americano: Da Guerra Contra a Espanha à Guerra do Iraque’, não praticaram qualquer tipo de excesso e sim, na verdade, agiram respaldados pelo direito à manifestação do pensamento, constata-se que as críticas por eles formuladas não se limitaram à obra comentada, haja vista que atingiram direta e indiretamente a pessoa do autor.

Nota-se que o réu Roberto Romano da Silva, no artigo em que publicou, fez alusão à suposta complacência do autor para com a ideologia pregada por Hitler na Alemanha Nazista, deixando assentado que ele havia citado Hitler com indulgência na obra, afirmação que, em tese, não condiz com o contexto do livro escrito.


Acrescenta-se que o mesmo réu afirma em seu artigo que ‘Hegel é um charlatão a mais a espalhar preconceito contra a cultura inglesa’ e, logo em seguida, assevera que ‘Luiz Alberto Moniz Bandeira se proclama hegeliano. Dados os elementos acima acredito’.

Não bastasse, o citado réu aduz no artigo publicado que ‘Baseando-se numa leitura não provável de Marx, Bandeira reduz o significado daquele trecho, jogando-se totalmente sobre a sociedade de mercado e para a concorrência. Hegel era tosco, mas nem tanto’.

Ora, evidente que, ao menos indiretamente, o autor foi adjetivado pelo réu Roberto Romano da Silva de charlatão e tosco.

Enfim, a prova coligida aos autos revela que o autor foi difamado e injuriado por Roberto Romano da Silva, o que, por si só, dá conta do excesso praticado por este réu.

Além disso, o editorial de autoria do réu José Reinaldo Azevedo e Silva, também publicado pela empresa ré, quando deixa assentado que ‘Roberto Romano resolveu ler o livro de Moniz Bandeira sobre formação do Império americano e foi levado a recuperar algumas categorias de intelectuais, entre elas os ‘acadêmicos-formigas’, dedicados a recortar dados indefinidamente sem processá-los no pensamento.

Mas foi um pouco além: seguindo as pistas do autor, que diz seguir a picada antes aberta por Hegel, Romano constatou que o suposto epígono acrescenta erros novos ao suposto mestre’, adjetiva pejorativamente o autor, injuriando-o.

Mais é desnecessário para se concluir que, em razão do artigo de autoria do réu Roberto Romano da Silva e em virtude do editorial da lavra do réu José Reinaldo Azevedo e Silva, o autor experimentou ofensa à sua honra e, por conseguinte, danos morais passíveis de indenização.

Nem se alegue que os réus, ao publicarem os artigos tratados nestes autos, objetivavam tão-somente formular críticas à obra intitulada ‘Formação do Império Americano: Da Guerra Contra a Espanha à Guerra do Iraque’, já que suas manifestações, das maneiras como colocadas, demonstram que eram direcionadas à pessoa do autor, com o nítido intuito de ofendê-lo e ridicularizá-lo.

E mais, embora seja livre a manifestação do pensamento, consoante se infere do art. 5º, inciso IV, da Constituição Federal, o anonimato é vedado, justamente para garantir o direito de pleitear indenização, em caso de excesso, por parte das pessoas que vierem a se ofender com tal exteriorização, situação presente in casu.

Nunca é demais salientar que o art. 5º, inciso X, da Constituição Federal estabelece como inviolável a honra e a imagem das pessoas e assegura o direito à indenização por danos materiais e morais caso haja violação.

Destarte, diante das condutas ilícitas dos réus, incluindo-se aí a praticada pela empresa ré, consistente em publicar artigos ofensivos ao autor, e dos danos morais experimentados pelo autor em virtude das citadas condutas, o nexo causal está patente, de modo que a ação é procedente para sejam os réus compelidos ao pagamento de indenização por danos morais.

Assim, caracterizados os pressupostos da responsabilidade civil, quais sejam ‘o impulso do agente, resultado lesivo e o nexo causal entre ambos’, a procedência da ação para condenar os requeridos a pagarem indenização por danos morais se impõe.

Passa-se, pois, a analisar o valor adequado a título de indenização por danos morais. Muita discussão ainda existe na quantificação dessa indenização.

Se por um lado não há parâmetros legais para se quantificar a dor, por outro lado, a indenização não pode ser meio de enriquecimento ilícito. Nesse sentido o seguinte julgado: ‘Hoje em dia, a boa doutrina inclina-se no sentido de conferir à indenização do dano moral caráter dúplice, tanto punitivo do agente, quanto compensatório em relação à vítima (cf. Caio Mário da Silva Pereira, ‘Responsabilidade Civil’, Ed. Forense, 1989, p. 67).

Assim, a vítima de lesão a direitos de natureza patrimonial (CR, art. 5º, incs. V e X) deve receber uma soma que lhe compense a dor e a humilhação sofridas, e arbitrada segundo as circunstâncias.

Não deve ser fonte de enriquecimento, nem ser inexpressiva’ (TJSP – 7ª Câm. — Ap. Rel. Campos Mello — j. 30.10.91 – RJTJESP 137/186-187).

Tem-se entendido, assim, que o montante devido seja fixado segundo o prudente arbítrio do juiz em cada caso concreto, o que causa insegurança às partes.

Daí a sugestão do Magistrado Cláudio Antônio Soares Levada, ‘in’ Liquidação de danos morais, Copola Editora, 1995, pág. 29: ‘como solução ao problema da quantificação do prejuízo moral: a previsão, em lei ordinária, perfeitamente inserível, organicamente, no Código Civil, de parâmetros que delimitem os valores indenizatórios, considerados o grau de reprovabilidade da conduta do ofensor, as circunstâncias e conseqüências decorrentes da ofensa e, objetivamente, sua gravidade em face do bem da vida atingido’.

Enquanto isso não ocorre, cabe ao Magistrado utilizar-se de seus próprios parâmetros, haja vista que as disposições existentes nos Códigos Civil e Penal, referentes ao assunto, não dizem respeito à indenização do dano moral puro, mas apenas ao indireto ou aos reflexos patrimoniais da ofensa em caráter moral.

Parece a este magistrado que a quantia equivalente a 50 salários mínimos, ao contrário da exorbitante importância pleiteada na exordial, não se configura exagerada. Isto porque, os réus, em artigos publicados em revista pertencente a empresa ré, de expressiva tiragem à época dos fatos, e veiculados em páginas da internet, ao se manifestarem sobre o livro intitulado `Formação do Império Americano: Da Guerra Contra a Espanha à Guerra do Iraque`, excederam os limites da crítica em relação à obra e, por conseguinte, ofenderam direta e indiretamente a honra do autor, difamando-o e injuriando-o.

A referida quantia, nos dias de hoje, monta R$ 17.500,00, numerário que se não for suficiente para reparar o dano moral experimentado pelo autor ao menos o minimizará. A ação prospera, pois, para condenar os réus, solidariamente, a pagarem ao autor indenização por danos morais.

Ante o exposto e por tudo mais que dos autos consta, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a presente Ação de Indenização por Danos Morais proposta por LUIZ ALBERTO DIAS LIMA DE VIANNA MONIZ BANDEIRA contra PRIMEIRA LEITURA LTDA, JOSÉ REINALDO AZEVEDO E SILVA e ROBERTO ROMANO DA SILVA para condenar os réus a pagarem, em favor do autor, a título de danos morais, de forma solidária, quantia equivalente a 50 salários mínimos, vigentes na época da liquidação, de uma só vez, além de custas, despesas processuais e honorários advocatícios da parte contrária, que fixo em 10% sobre o valor da condenação.”

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