Fatia do orçamento

Prefeitura é condenada a pagar dívida atrasada com a Ligth

Autor

12 de janeiro de 2007, 23h01

A prefeitura de Valença (RJ) foi condenada a pagar todos os seus débitos atrasados com a Ligth, companhia que fornece energia elétrica para o município carioca, além de inserir no orçamento o fluxo das contas a partir do primeiro bimestre deste ano. A determinação é da 2ª Vara Cível de Valença. Cabe recurso.

Caso a decisão seja desrespeitada, a multa estipulada é de R$ 1 mil por mês, sem prejuízo da caracterização de ato de improbidade administrativa por descumprimento de decisão judicial — o que acarreta a responsabilização pessoal do administrador público.

De acordo com o advogado Douglas Fernandes, do escritório Emerenciano, Baggio e Associados, o objetivo da ação não era apenas cobrar os débitos atrasados, mas fazer com que o município cumpra a Lei de Responsabilidade Fiscal, que impõe a obrigação de orçar a previsão do pagamento deste tipo de despesa.

Para o advogado Luiz Augusto Baggio, o pagamento dessas despesas não é uma opção do Poder Público, mas uma obrigação que, se não cumprida, onera toda a sociedade. A juíza determinou, também, que o Tribunal de Contas do Rio de Janeiro faça inspeção nas contas da prefeitura para verificar se o pagamento está sendo feito.

Lei integra da decisão

2ª VARA DE VALENÇA

AUTOR: LIGTH SERVIÇOS DE ELETRICIDADE S/A

RÉU: MUNICÍPIO DE VALENÇA

PROCESSO. 2004.064.001385-2

AÇÃO: CONHECIMENTO

SENTENÇA

LIGTH SERVIÇOS DE ELETRICIDADE S/A ajuizou demanda de conhecimento com pedido de liminar em face do MUNICÍPIO DE VALENÇA porque este teria se tornado inadimplente com as obrigações contraídas para com aquela em razão de contrato de prestação de serviço de fornecimento de energia elétrica.

Na inicial de fls. 02/43 a Autora requer o estabelecimento de regra jurídica que condene o Réu nas seguintes obrigações:

1) empenhar as contas mensais de energia elétrica vincendas

2) apresentar plano de contingenciamento e pagamento de todas as contas já empenhadas

3) não promover qualquer empenho de novas despesas, ressalvadas as de caráter continuado e essenciais, com. a suspensão de novas licitações ou qualquer tipo de certame para qualquer tipo de contratação

4) exibir cópias de leis orçamentárias de vários exercícios, bem como apresentar cópias de documentos referentes às despesas acima aduzidas.

Foram acostados com a exordial os documentos de fls. 48/159, dentre os quais contratos celebrados entre as partes e documentos de propostas de acordos extrajudiciais.

Contestação às fls. 165/170, onde há preliminar de carência acionária, e, no mérito, pleito de julgamento de improcedência de todos os pedidos.

O MP, em manifestação de fl. 183 verso, opinou pelo indeferimento da liminar requerida.

A liminar foi indeferida em decisão de fl. 185.

Réplica às fls. 186/202.

A autora interpôs agravo do instrumento contra a decisão que indeferiu a liminar pretendida, conforme fls. 224/236.Ofício da 16ª Câmara Cível informando que foi negado o efeito suspensivo ativo ao agravo, conforme fl. 238.

Houve manifestação em provas, às fls. 244/245, por parte da autora. O Réu e o MP nada requereram em provas, o que se vê à fl. 256. Saneador às fls. 257/258, no qual foi rejeitada a preliminar de carência acionária e indeferida as provas requeridas pela Autora.

O Parquet apresentou sua manifestação de mérito às fls. 274/278 no sentido que fossem julgados parcialmente procedentes os pedidos formulados pela autora. O julgamento foi convertido em diligências em despacho de fl. 280.

Informação da Autora de que as partes não chegaram a um consenso à fl. 282. Consta, às fls. 327/337, acórdão da 16ª Câmara Cível negando provimento ao agravo de instrumento interposto pelo Autor, bem como a negativa de seguimento ao agravo regimental aviado contra a decisão do relator que negou efeito suspensivo àquele.

É O RELATÓRIO. PASSO A DECIDIR

O feito comporta a resolução do mérito na maior parte dos pedidos, eis que presentes os pressupostos processuais de validade e existência, bem como as condições para o exercício do direito de ação. No entanto, como melhor será analisado abaixo, o processo deverá ser extinto, sem a resolução do mérito, em relação ao pedido de exibição de documentos.

Cuida-se de demanda de conhecimento ajuizada com o objetivo de condenação da Urbe em obrigações de fazer e não fazer tendo como questão de fundo a inadimplência em relação aos serviços de fornecimento de energia elétrica por parte da autora.

É norma de Direito Financeiro a efetivação de empenho de despesas para que as mesmas possam ser liquidadas em favor do respectivo credor.

Apesar de haver certa controvérsia sobre a matéria, é entendimento majoritário no Superior tribunal de Justiça que as notas de empenho emitidas pelo Poder Público são títulos executivos extrajudiciais, conforme aresto que se segue:


“PROCESSUAL•[CIVIL. RECURSO ESPECIAL. EMBARGOS DE DEVEDOR. EXECUÇÃO FUNDADA EM TÍTULOS EXECUTIVOS EXTRAJUDICIAIS. VIABILIDADE. SÚMULA 279/STJ”.

1- Notas de empenho e autorizações de despesas são documentos públicos e, portanto, hábeis à execução, por expressa determinação legal (art. 566 do CPC)

2- No presente caso, verifica-se que a ação de execução fundou-se em notas fiscais acompanhadas do devido conhecimento do Departamento de Transportes, assinadas por servidores da Secretaria de Saúde, atestando o recebimento das mercadorias em perfeito estado. Ainda, foi fundada em notas de empenho expedidas pelo próprio Estado executado, com fundamento na Lei 4.320/64, em seus artigos. 58, 60, 61 e 63, e também em notas de autorização de despesas: títulos executivos, a teor do estabelecido n.o art. 364 do CPC.

3- A Súmula 279 determina que é cabível a execução por título extrajudicial contra a Fazenda Pública, sendo bastante a apresentação de nota de empenho. No caso, além desta, há notas fiscais as notas de autorização de despesas, suficientes para embasar o executivo.

4- Recurso especial provido.

(REsp 793.969/RJ, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, Rel. p/ Acórdão Ministro JOSÉ DELGADO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 21.02.2006, DJ 26.06.2006 p. 125)”

Outro não é o posicionamento do TRIBUNAL DF JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO:

“2002.001.11181 APELAÇÃO CIVEL DES. CARPENA AMORIM – Julgamento: 27/08/2002 -OITAVA (CAMARA CIVEL EXECUÇÃO MUNICIPIO EMPENHO DE DESPESA PÚBLICA TITULO EXTRAJUDICIAL)”.ART. 585 INC. II C.P.C.

OBRIGACAO DE PAGAMENTO RECURSO DESPROVIDO. Apelação cível. Execução contra o Município de Arraial do Cabo. Notas de empenho assinadas pelo Prefeito em favor do credor. Embargo; do devedor. Decisão “a quo” que julgou improcedentes os embargos. Discussão acerca da forca executiva dos títulos apresentados pelo exeqüente. A emissão do empenho pressupõe obrigação realizada cuja despesa respectiva deve ser satisfeita pela Fazenda Publica, sob pena de locupletamento sem causa. Precedentes do STJ. Documento publico que se enquadra na. categoria prevista no art.. 585, TI, do CPC. Decisão mantida. Desprovimento do apelo”.

Por via de conseqüência, é direito da Autora ter à sua disposição os empenhos com os valores das despesas referentes ao fornecimento de energia elétrica, isso porque o Direito Objetivo determina tal agir por parte do Poder Público na. Lei 4.320/64, verbis:

“Art. 58. O empenho de despesa é o ato emanado de autoridade competente que cria para o Estado obrigação de pagamento pendente ou não de implemento de condição”.

Com. efeito, há interesse jurídico da Autora na emissão efetiva do empenho de despesa por parte do Município de Valença para que possa exercer, regularmente, seu direito de crédito por intermédio de demanda executória de título executivo extrajudicial.

No mais, com a efetiva dos empenhos haverá, por via do conseqüência, viabilização do controle externo pelo Poder Legislativo e o pelo Tribunal. de Contas do Estado do Rio de Janeiro acerca da regularidade da liquidação do valor constante dos mesmos, ainda que tal situação não seja objeto da presente lide.

Nessa linha, não há que se falar em exercício irregular de direito por parte da Autora, uma vez que é Direito Subjetivo da mesma o cumprimento, por parte do Réu, do que determina a Lei 4.320/64 para que possa exercer seu direito de ação executiva em face do Município de Valença.

Sem o empenho inserido em seus demonstrativos contábeis não há comprometimento formal do Poder Público em liquidar a despesa a ele referente.

Rememore-se apenas que o artigo 60 da Lei 4.320/64 veda a realização de despesas sem a emissão de empenho.

O empenho de despesa emitido regularmente é uma garantia para o credor de que o Poder Público irá liquidar a despesa realizada, ainda que haja autorização legal para fazê-lo com base em outro documento. O fato é que no caso concreto o Réu não vem cumprindo com o que foi contratado com a Autora.

Impõe-se, desta forma, a condenação da Urbe na obrigação de fazer consubstanciado na realização de empenho de todas as despesas vincendas, a. partir da publicação da sentença, relativa ao contrato de prestação de serviço de fornecimento de energia elétrica por parte da Autora.

Por outro lado, deverá o Réu apresentar o plano de contingenciamento e pagamento de todas as contas já empenhadas em favor da Autora, na forma prevista no artigo 9º da Lei. de Responsabilidade Fiscal (LC 101/00) (1).

Não há, nos dois provimentos judiciais aludido, qualquer violação ao principio constitucional da separação dos Poderes. O cumprimento das normas legais é dever por parte dos agentes políticos, cabendo ao Puder Judiciário estabelecer a regra jurídica adequada para tornar efetivos os mandamentos legais.


In casu, pelo que se vê dos autos, não foi negada a situação de inadimplência por parte da Urbe. Assim, havendo impossibilidade de pagamento das despesas de custeio e correntes, deveria o Réu adotar os procedimentos previstos no artigo 9º da Lei de Responsabilidade Fiscal. Logo, mister estabelecer a condenação da Urbe ao cumprimento do disposto no artigo 9º da LC 101/00.

Já quanto ao pedido de condenação do Município de Valença na obrigação de não fazer, consistente em não empenhar novas despesas e não realizar novas licitações e contratações, entendo que o acolhimento de tal pleito é vedado pela Carta Política em seu artigo 2º.

É defeso ao Poder Judiciário se imiscuir em atos de natureza política. A decisão de realizar ou não determinada licitação ou contratação é iniciativa exclusiva do Chefe do Poder Executivo.

Deve o julgador observar o Princípio da Separação dos Poderes para não haver intervenção indevida em outros Poderes da República.

Não vislumbro violação da legalidade ou da razoabilidade na continuação de realização de empenho, licitação ou contratações por parte do Réu, até porque os serviços públicos não podem ficar paralisados a espera do pagamento de outros serviços contratados pelo Poder Público municipal, sejam eles essenciais ou não. Neste caso, deve prevalecer o interesse público sobre o interesse privado da Autora, sob pena de quebra do princípio da impessoalidade.

O Poder Discricionário que detém a Administração Pública não pode ser atacado por ato judicial em sede de controle externo, salvo, como dito, quando houver violação aos princípios constitucionais de direito administrativo inseridos no artigo 37 da CR/88 ou aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, é como tem se posicionado a jurisprudência majoritária do TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO em aresto abaixo transcrito:

“2006.001.30441 — APELAÇÃO CIVEL. DES. SERGIO LUCIO CRUZ — Julgamento: 04/10/2006 — DECIMA QUINTA CAMARA CIVEL”.

SELECÃO PÚBLICA PARA CONTRATAÇÃO PARA O QUADRO DE EMPREGADOS DA COMLURB. PROVA PRÁTICA. LEGALIDADE. ATO MOTIVADO, QUE CONTOU COM A PRODUÇÃO DE DOIS LAUDOS DE AVALIAÇÃO. NÃO PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS TÉCNICOS NECESSÁRIOS À FUNÇAO. VEDAÇÃO AO PODER JUDICIÁRIO, NO EXERCÍCIO DO CONTROLE JURISDICIONAL, DE APRECIAR O MÉRITO DOS ATOS ADMINISTRATIVOS, QUESTIONANDO A EFICÁCIA DESSE EXAME. DESPROVIMENTO DO RECURSO”.

Por fim, não há interesse jurídico no acolhimento do pedido de exibição dos documentos exteriorizados às fls. 41 e 42 da peça vestibular.

O artigo 31, § 3° da. Carta Política de 1988 insere dever do Município em exibir suas contas e direito dos contribuintes em analisá-las. Com isso, caberia à Autora providenciar a verificação das contas da Urbe em seu próprio interesse e, se fosse o caso, noticiar as irregularidades porventura notadas.

Por sua vez, não é função do Poder Judiciário condenar qualquer pessoa jurídica de direito público que seja a exibir leis de sua iniciativa. A providência pleiteada poderá ser requerida, administrativamente, junho à câmara Municipal local ou até mesmo em simples consulta à rede mundial de computadores, se for o caso.

Ainda tenha havido despacho saneador nos autos, como se trata de matéria de ordem pública referente às condições para o exercício do direito de ação, cabe ao julgador analisá-la de oficio até a sentença terminativa, inclusive, sem que se possa alegar qualquer tipo de preclusão.

Dessarte, merece ser o processo extinto sem o julgamento do mérito em relação ao pedido de exibição de documentos.

Posto isso, JULGO PROCEDENTE, EM PARTE, a pretensão da Autora, resolvendo o mérito com base no artigo 269, I, do CPC, para CONDENAR o Município de Valença nas obrigações de fazer consistentes na emissão de empenho de despesas vencidas, a partir da publicação da presente, referentes ao fornecimento de energia elétrica pela Autora, bem como a adotar, a partir do último dia do primeiro bimestre do ano de 2007, as providências descritas no artigo 9º da Lei Complementar 101/00 em consonância com a lei de diretrizes orçamentárias local, sob pena de incidência de multa de R$ 1.000,00 (mil reais) por cada mês de descumprimento, na forma do artigo 461, § 5°, do CPC, sem prejuízo da caracterização de ato de improbidade administrativa por descumprimento de decisão judicial.

JULGO IMPROCEDENTE o pedido de condenação na obrigação de não fazer consubstanciado na não efetivação de novos empenhos, de novas licitações e novas contratações.

Em relação ao pedido de exibição de documentos JULGO EXTINTO O PROCESSO, SEM A RESOLUÇÃO DO MÉRITO, com arrimo no artigo, 267, VI, do CPC.

A Autora saiu vencida em metade de seus pedidos. Assim, determino a compensação dos ônus sucumbenciais, na forma do artigo 21 do CPC.

Com o trânsito em julgado, dê-se baixa e arquivem-se os autos.

Há notícias de que o Município de Valença estaria, em tese, descumprindo os preceitos contidos na Lei 4320/64 e na Lei Complementar 101/00. Por isso, determino a expedição de oficio ao TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO para realização de inspeção nas contas da Urbe referente à omissão em relação à emissão de empenho de despesas formalizadas em contratos celebrados pela mesma, bem como pela não adoção da providência descrita no artigo 9° da LC 101/00 diante das dificuldades econômico-financeiras atravessadas e verificadas nestes autos.

P.R.I.

Dê-se ciência ao MP.

Valença, 12 de dezembro de 2006.

MARCIO D COSTA DANTAS

Juiz Substituto

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!