Passagem zero

Veja decisão de Gilmar Mendes sobre transporte gratuito a idoso

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11 de janeiro de 2007, 6h00

Para a concretização dos direitos e garantias fundamentais previstos na Constituição Federal, o idoso economicamente hipossuficiente deve ser amparado. Com esse entendimento, o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, garantiu o transporte interestadual gratuito para os idosos, em todo o país, até que seja julgado o mérito da questão pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região.

Com a decisão do ministro, tomada na sexta-feira (5/1), volta a valer a gratuidade no transporte interestadual de passageiros. Ela está prevista na Lei 10.741/03 (Estatuto do Idoso).

No pedido de Suspensão de Segurança feito ao Supremo, a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) questionou liminar em Mandado de Segurança concedida pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região à Associação Brasileira das Empresas de Transportes Terrestres de Passageiros (Abrati). O Mandado de Segurança havia suspendido o direito ao transporte gratuito para os idosos.

Gilmar Mendes ressaltou que não poderia, por meio de pedido de Suspensão de Segurança, avaliar com profundidade o mérito da matéria. Dessa forma, deferiu o pedido da ANTT para suspender a liminar que impedia o transporte interestadual de idosos carentes até o julgamento final da ação ordinária que tramita na Justiça Federal.

O artigo 40 do Estatuto do Idoso determina a reserva de duas vagas gratuitas por ônibus para idosos com renda igual ou inferior a dois salários mínimos. Estabelece ainda desconto de 50% no preço das passagens para os demais idosos que excederem as vagas gratuitas.

O ministro citou o artigo 230 da Constituição, que diz que o Estado, a sociedade e a família têm o dever de amparar as pessoas idosas e ressaltou que a questão a ser definida pela ANTT relativa ao equilíbrio tarifário das empresas “é uma questão que exige providência administrativa, tendo em vista o disposto no artigo 175 combinado com o artigo 37, XXI da Constituição Federal de 88”.

Veja a decisão

A Agência Nacional de Transportes Terrestres – ANTT, com fundamento no art. 4º da Lei 4.348/64, requer a suspensão da execução da medida liminar concedida pelo relator do Mandado de Segurança nº 2006.01.00.043354-2 (fl. 163), em trâmite no Tribunal Regional Federal da 1ª Região, que restabeleceu a decisão proferida pelo Juízo Federal da 14ª Vara da Seção Judiciária do Distrito Federal, nos autos da Ação Ordinária nº 2006.34.00.033067-1 (fls. 67-71), a qual desobrigava as associadas da Associação Brasileira das Empresas de Transportes Terrestres de Passageiros – ABRATI da implementação dos benefícios relativos ao transporte de idosos, nos termos do art. 40 da Lei 10.741/2003.

Na referida ação ordinária (fls. 35-65), a Associação Brasileira das Empresas de Transportes Terrestres de Passageiros – ABRATI pleiteia que suas associadas fiquem desobrigadas de realizar o transporte interestadual de passageiros idosos, até a efetiva regulamentação do art. 40, I e II, do Estatuto do Idoso, Lei 10.741/2003, bem como que as rés, União e ANTT, abstenham-se de qualquer ato tendente a punir as associadas da autora por descumprimento ao Decreto 5.934/2006 e à Resolução ANTT 1.692/2006.

Diz a requerente que, deferido em primeira instância o pedido de tutela antecipada (fls. 67-71), foi o mesmo cassado por meio da concessão de efeito suspensivo ao agravo de instrumento interposto pela ANTT (fls 95-99).

Inconformada, a ABRATI impetrou, então, mandado de segurança (fl. 101-138), cuja inicial foi indeferida liminarmente, nos termos da Súmula 267 do STF.

Interposto agravo regimental, o relator, em juízo monocrático, reconsiderou a decisão que indeferira a inicial do mandado de segurança e deferiu provisoriamente a liminar pleiteada, até a conclusão do julgamento do referido agravo pelo colegiado (fls. 164-174). A Corte Especial do Tribunal Regional Federal da 1ª Região deu provimento ao agravo, determinando o regular processamento do mandado de segurança (fls. 142-161). Após, o relator ratificou a medida liminar concedida (fl. 163). Daí o presente pedido de suspensão de segurança.

A requerente sustenta, mais, em síntese:

a) competência do Supremo Tribunal Federal, porquanto a matéria discutida na ação ordinária originária “não é outra senão a constitucionalidade e a legalidade do benefício instituído pelo Estatuto do Idoso”(fl. 7);

b) nulidade da decisão concessiva da medida liminar impugnada, uma vez que a mesma se encontra impregnada de irregularidades processuais, desde “a admissibilidade do mandado de segurança, até a total desconsideração das regras procedimentais previstas na legislação aplicável, notadamente no art. 2º da Lei nº 8.437/92” (fl. 15);

c) natureza tarifária, e não assistencial, do benefício previsto no art. 40 da Lei 10.741/2003, o que afasta qualquer alegação de inconstitucionalidade em face do art. 195, § 5º, da Constituição da República;

d) ocorrência de grave lesão à ordem pública, dado que a decisão impugnada “suprimiu de todos os idosos com renda de até dois salários mínimos (universo indeterminado) o direito constante do art. 40 do Estatuto do Idoso, em nítido favorecimento aos interesses econômicos das empresas transportadoras, em detrimento dos interesses de todos os cidadãos idosos e carentes do país, que necessitam fazer uso do serviço público, delegado a terceiros, de transporte rodoviário interestadual de passageiros” (fl. 22), em flagrante violação aos valores da solidariedade e da dignidade da pessoa humana e, especialmente, ao princípio do amparo às pessoas idosas, consagrado no art. 230 da Constituição da República;

e) irreversibilidade da decisão concessiva da medida liminar, pois, caso a ABRATI seja ao final vencida na demanda originária, “não haveria como a ANTT exigir os valores das multas, posto que estas simplesmente não foram aplicadas, em razão da medida concedida” (fl. 30). Ademais, acrescenta que o pedido de contracautela ora requerido não trará qualquer prejuízo às empresas permissionárias, na medida em que a legislação pertinente lhes assegura mecanismos e critérios para repactuação do equilíbrio econômico-financeiro do contrato, no caso de eventuais prejuízos que venham a sofrer em decorrência da implementação do benefício previsto no art. 40 do Estatuto do Idoso.

Ao final, requer seja “deferido efeito suspensivo liminar à presente Suspensão de Segurança, para fim de suspender a medida liminar proferida no Mandado de Segurança nº 2006.01.00.043354-2, até o julgamento final da Ação Ordinária nº 2006.34.00.033067-1” (fl. 32).

Inicialmente, reconheço que a controvérsia instaurada no mandado de segurança em apreço evidencia a existência de matéria constitucional: alegação de inconstitucionalidade da exigência do art. 40 da Lei 10.741/2003 em face do art. 195, § 5º, da Constituição da República. Dessa forma, cumpre ter presente que a Presidência do Supremo Tribunal Federal dispõe de competência para examinar questão cujo fundamento jurídico é de natureza constitucional (art. 297 do RISTF, c/c art. 25 da Lei 8.038/90), conforme firme jurisprudência desta Corte, destacando-se os seguintes julgados: Rcl 475/DF, rel. Ministro Octavio Gallotti, Plenário, DJ 22.4.1994; Rcl 497- AgR/RS, rel. Ministro Carlos Velloso, Plenário, DJ 06.4.2001; SS 2.187-AgR/SC, rel. Ministro Maurício Corrêa, DJ

21.10.2003; e SS 2.465/SC, rel. Min. Nelson Jobim, DJ 20.10.2004.

O art. 40 da Lei 10.741/03 (Estatuto do Idoso) prevê, entre outros, a reserva de 2 (duas) vagas gratuitas por veículo para idosos com renda igual ou inferior a 2 (dois) salários mínimos, nos termos de Regulamento. Prevê-se também que desconto de 50 % (cinqüenta por cento), no mínimo, no valor das passagens, para os idosos que excederem as vagas gratuitas, e que comprovem ainda renda igual ou inferior a dois salários mínimos.

O art. 9º do Decreto nº 5.934/06 consagra que “disponibilizado o benefício tarifário” a ANTT e o concessionário ou permissionário adotarão providências as providências cabíveis para a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro do contrato, nos termos do art. 35 da Lei nº 9.074/95.

O que se tem, até o presente momento, é o disposto no art. 8º da Resolução ANTT nº 1.692/06, que diz que a referida agência regulamentadora em Resolução Específica estabelecerá a revisão da planilha tarifária para a recomposição do equilíbrio econômico-financeiro do contrato, adiando-se a providência determinada pelo art. 35 da Lei nº 9.074/95.

É notório, portanto, que a questão exige providência administrativa, tendo em vista o disposto no art. 175 combinado com o art. 37, XXI, da CF 88.

É certo, que a Constituição prevê em seu art. 230 que “a família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida”.

Afigura-se inequívoco que a Lei nº 10.741/03, que concede o benefício da gratuidade nos transportes coletivos para idosos com renda igual ou inferior a dois salários mínimos, confere parcial concretização à norma constitucional em apreço.

É certo também que o modelo legal adotado tem reflexos no sistema de prestação de serviços públicos de transporte mediante concessão ou permissão.

Não há dúvida, ademais, de que negar em sede cautelar aos idosos o benefício conferido pela lei questionada afigurar-se-ia sumamente injusto e, porque não dizê-lo, flagrantemente desproporcional.

Suposto prejuízo ou desequilíbrio de custos na equação da prestação dos serviços concedidos pode ser eventualmente superado, a partir da atuação da própria Administração, ou desta em conjunto com as prestadoras do serviço. Talvez esse assunto possua maior relevo que a própria controvérsia desenvolvida em torno do art. 195, § 5º, da Constituição.

Assim, dada a natureza do interesse que se pretende proteger, verifico que se encontra devidamente demonstrada a grave lesão à ordem pública, considerada a perspectiva da ordem jurídico-constitucional, ante o dever e a necessidade de concretização dos direitos e garantias fundamentais previstos na Constituição da República, notadamente o dever de o Estado amparar o idoso economicamente hipossuficiente.

A Lei 4.348/64, em seu art. 4º, autoriza o deferimento do pedido de suspensão de segurança para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas.

Finalmente, assevere-se que a discussão acerca da regularidade do julgamento do mandado de segurança e da natureza jurídica do benefício do art. 40 do Estatuto do Idoso não pode ser aqui sopesada e apreciada. É que não cabe, em suspensão de segurança, “a análise com profundidade e extensão da matéria de mérito analisada na origem” (SS 1.918- AgR/DF, rel. Min. Maurício Corrêa, DJ 30.4.2004), domínio reservado ao juízo recursal.

Ante o exposto, defiro o pedido para suspender a execução da medida liminar concedida no Mandado de Segurança nº 2006.01.00.043354-2, até o julgamento da Ação Ordinária nº 2006.34.00.033067-1.

Comunique-se, com urgência.

Publique-se.

Brasília, 5 de janeiro de 2007.

Ministro Gilmar Mendes

Vice-Presidente

(RISTF, art. 37, I, c/c art. 13, VIII)

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