Energia e futuro

Gerir sistema elétrico é similar a gerir carteira de investimento

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11 de janeiro de 2007, 12h55

Nenhuma forma de energia, seja renovável, “limpa” ou qualquer outro apodo que se possa dar, tem condições de constituir solução única para o desafio de garantir um suprimento de eletricidade compatível com o desenvolvimento econômico e social de uma nação. Os indicadores brasileiros de consumo e capacidade instalada de geração elétrica per capita ainda são medíocres, inferiores à média mundial – este é o fato crucial a ser considerado.

Isto obriga ao país aproveitar ao máximo e o mais rápido possível todos os recursos disponíveis para aumentar a capacidade geração de eletricidade, permitindo que sejam alcançados níveis de consumo compatíveis com a qualidade de vida que os brasileiros almejam. O planejamento do sistema elétrico de um país requer a gestão eficiente de um portifolio diversificado de fontes de energia.

No caso do Brasil, a fonte hídrica permanecerá durante muitas décadas como a principal componente do seu portifolio de fontes de geração elétrica. Deverá, entretanto, ser complementada por fontes térmicas — urânio, carvão, biomassa, gás natural e óleos derivados do petróleo — nesta ordem de importância, tendo em vista os aspectos ligados à disponibilidade em território nacional, custos, impactos ambientais e usos em outras aplicações.

Sistema Elétrico Nacional

Cerca de 80% da produção de energia elétrica no mundo é de origem térmica. O carvão contribui com 40%, a nuclear com 20%, os derivados de petróleo/gás natural com 20%, ficando a hidrelétrica com os 20% restantes. O sistema elétrico nacional apresenta-se ao final de 2005 com uma forte predominância hídrica: 84,4% da eletricidade produzida no país. Outras fontes renováveis contribuem com 4,2%; a nuclear com 3,7%; o gás natural participa com 3,6%; os diversos derivados de petróleo com mais 3,2% e o carvão em torno de 1,5%.

O caráter largamente majoritário da hidroeletricidade torna o Brasil um caso único a nível mundial. É uma dádiva da natureza que, por sua vez, depende dos “caprichos” dessa própria natureza.

Um aspecto crucial desta característica de preponderância hídrica do sistema elétrico nacional é a evolução da capacidade de armazenamento dos reservatórios das usinas hidrelétricas e o risco hidrológico associado.

O Brasil teve, desde a década de 50, dois grandes surtos de crescimento dos volumes dos reservatórios, sendo um na década de 60 e outro na segunda metade da década de 70, atingindo os primeiros anos da década de 80. Após esse período, o volume disponível dos reservatórios tem crescido apenas marginalmente, enquanto a capacidade instalada vem crescendo em ritmo mais acelerado.

Em decorrência deste descompasso, o risco de déficit se eleva, dado que, apesar de ter capacidade instalada, o sistema fica à mercê do regime hidrológico, que pode conduzir a crises de abastecimento, como foi o caso em 2001.

A capacidade de estocar energia nas barragens que já foi de dois anos estava reduzida a 5,8 meses em 2003. Um sistema hídrico que se auto-regule para enfrentar um ano seco como o de 2001 necessita no mínimo cinco meses de energia hídrica armazenada. As usinas hidrelétricas que estão programadas para entrar em operação terão razão acumulação/produção da ordem de dois meses, fazendo com que essa razão continue a cair para o conjunto das centrais hidrelétricas brasileiras.

A necessidade de centrais térmicas para a geração de eletricidade no Brasil não é motivada apenas pelo esgotamento do potencial hídrico em médio prazo, mas para fazer frente aos riscos hidrológicos. Ela advém da necessidade de regulação do sistema, uma vez que a construção de novas hidrelétricas, com grandes reservatórios de acumulação, vem sofrendo sérias restrições para obtenção de licenciamento ambiental.

A imaginada complementaridade dos regimes de chuva das bacias hidrográficas brasileiras, que garantiria a auto-regulação do sistema, não é corroborada pelos dados históricos de vazões. As regiões brasileiras, com exceção da Região Sul, apresentam meses de seca, mais ou menos coincidentes.

O último leilão de energia nova, realizado em 16 de dezembro de 2005, sinalizou de forma inequívoca para o fato de o país estar passando por um “divisor de águas”: a situação atual de virtual “monopólio” da hidroeletricidade no Sistema Interligado Nacional apresenta tendência de evolução para uma situação onde a componente hidrelétrica continuará a predominar e ter precedência, porém ao lado de uma importante componente termelétrica, necessária para garantir o funcionamento seguro do sistema.

O sistema elétrico nacional está passando então por uma transição de uma situação quase 100% hídrica para uma condição hidrotérmica. Nessa nova situação a geração hidrelétrica manterá seu protagonismo, porém ao lado de uma importante componente termelétrica, com o objetivo de prover a necessária regulação plurianual do nível dos reservatórios, minimizando os riscos hidrológicos associados, e para complementação da capacidade instalada, dando segurança ao suprimento de energia elétrica capaz de atender a um desenvolvimento econômico sustentado.

Apesar do elevado potencial hidráulico, decorrente da maior rede de recursos hídricos do mundo, estes fatores devem ser considerados na expansão da geração nas próximas décadas.

Expansão da oferta de eletricidade

O Plano Decenal de Energia Elétrica 2006/2015, ora em fase de elaboração pelo MME, com base nos estudos em desenvolvimento pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE), muito provavelmente deverá considerar no período 2010/2015, diversas usinas térmicas de complementação energética, dimensionadas para permitir a otimização hidrotérmica do parque gerador.

Neste contexto, torna-se fundamental prepararmos, desde já, o país para a transição entre uma expansão predominantemente hidrelétrica, para uma expansão com características completamente distintas, com significativa participação de usinas térmicas baseadas em diferentes insumos energéticos, como gás, carvão, óleos combustíveis, juntamente com o aproveitamento de técnicas multi-combustível Evidentemente, a energia nuclear não representa uma solução “miraculosa”. Aliás, nenhuma outra forma de energia, seja renovável, “limpa” ou qualquer outro apodo que se possa dar, pode constituir solução única para o desafio de garantir um suprimento de eletricidade compatível com o desenvolvimento econômico e social de uma nação.

O fato a ser considerado é que os indicadores brasileiros de consumo e capacidade instalada de geração elétrica são ainda medíocres e, inferiores à média mundial. Isto obriga ao país aproveitar ao máximo e o mais rápido possível todos os recursos disponíveis para aumentar a capacidade geração elétrica permitindo que sejam alcançados níveis de consumo compatíveis com a qualidade de vida que todos os brasileiros almejam.

O planejamento do sistema elétrico de um país requer a gestão eficiente de um portifolio diversificado de fontes de energia. As peculiaridades de cada nação definirão a composição desse portifolio e evidentemente, não existe uma solução-padrão otimizada que atenda às necessidades de todos — o portifolio é individual, único para as condições nacionais específicas.

No caso do Brasil, a fonte hídrica permanecerá durante muitas décadas como a principal componente do portifolio de fontes de geração elétrica. Deverá, entretanto, ser complementada por fontes térmicas — urânio, carvão, biomassa, gás natural e óleos derivados do petróleo — nesta ordem de importância, tendo em vista os aspectos ligados à disponibilidade em território nacional, custos, impactos ambientais e usos em outras aplicações.

Embora o papel complementar das térmicas já seja reconhecido pelo planejamento setorial, as conseqüências de seu caráter regulador não foram ainda, inteiramente assimiladas. Como reguladoras, as centrais térmicas têm que estar prontas para suprir as faltas e reduzir seu ritmo de produção ou mesmo ter seu funcionamento suspenso para aproveitar os excedentes de água que periodicamente ocorrem por variações sazonais ou oscilações anuais do regime de chuvas. As necessidades de interrupção podem ser de meses, o que exige que o combustível utilizado seja estocável. Não é obviamente o caso das centrais baseadas em gás natural associado, cujo ritmo segue o da produção do petróleo ou das que usem gás suprido através de contratos do tipo take or pay.


O Brasil dispõe de praticamente todas as alternativas de fontes primárias para produção de energia elétrica em quantidade suficiente para atender o mercado nos próximos 20 anos. Temos disponível um grande potencial hídrico e uma das seis maiores reservas de urânio do mundo, além de amplas possibilidades de aproveitamento de fontes renováveis como a biomassa, a eólica e a solar, a serem valorizadas. Em menor escala, porém em quantidades significativas, temos reservas de carvão mineral, de petróleo e gás natural, estes dois, porém com previsão de usos mais nobres em outros segmentos industriais. Esta ampla disponibilidade caracteriza, para o país, uma significativa vantagem competitiva com relação a outras nações.

De todas essas alternativas de fontes primárias, a geração hidrelétrica apresenta as condições mais favoráveis. O potencial nacional, de acordo com dados disponíveis no Ministério de Minas e Energia — MME — é de 260 GW. A questão que se coloca é, porém, estabelecer o horizonte temporal da demanda que poderá ser atendido pela implantação de novas hidrelétricas. A resposta passa pela avaliação de quanto do potencial hidroelétrico nacional poderá ser efetivamente desenvolvido, considerando-se aspectos econômicos e sócio-ambientais.

Cerca de 85% desse potencial encontra-se localizado nas regiões Norte e Centro-Oeste, a grandes distâncias dos centros de consumo, o que requer longas linhas de transmissão. Adicionalmente, os sítios utilizáveis estão, em sua grande maioria, localizados dentro ou nas proximidades de unidades de conservação ambiental e reservas indígenas, implicando significativos impactos sócio-ambientais. Para agravar o problema, os aproveitamentos nessas regiões apresentam período seco mais longo e afluência mínima menor que os da Região Sudeste onde, atualmente, se concentra a maior capacidade de armazenamento e geração.

Considerando as restrições ligadas aos aspectos sócio-ambientais, pode-se considerar que no mínimo 35% do potencial hidroelétrico nacional seria de difícil aproveitamento, o que resultaria numa disponibilidade real de 170 GW, provenientes de usinas hidrelétricas. O potencial remanescente poderia, no futuro, ser ainda mais reduzido, em função de um provável recrudescimento das restrições sócio-ambientais. Por outro lado, caso as tecnologias emergentes para aproveitamento de baixas quedas e geração a “fio d’água”, sem reservatório, venham a se disseminar, esse efeito de redução poderia ser atenuado.

Considerando-se o desejável desenvolvimento econômico sustentado do Brasil, o consumo de energia elétrica deverá continuar a ter elevada taxa de crescimento, em geral superior à do PIB. Nos próximos dez anos, esse crescimento tende a ser da ordem de 5% ao ano, conforme estudos do MME, no âmbito do Plano Decenal de Expansão de Energia Elétrica 2006/2015.

Em 2015, sob tal perspectiva, o país deverá ter uma capacidade instalada de cerca de 150 GW. Hoje, dispomos de cerca de 100 GW, considerando o montante instalado mais a parcela que o sistema elétrico nacional importa de países vizinhos. O Brasil necessitará, portanto, instalar cerca de 50 GW nos próximos dez anos, o que requer uma significativa mobilização dos recursos nacionais.

No período 2015 a 2025, a taxa de crescimento estará fortemente influenciada pela taxa de crescimento do PIB a ser efetivamente alcançada. Uma previsão dessa taxa seria condicionada por grandes incertezas. Entretanto, adotando-se um valor de 4% ao ano em média para esse período, seriam necessários 230 GW de capacidade instalada para atender ao crescimento do consumo, requerendo a implantação de 80 GW adicionais.

Um dos grandes desafios que o país terá que enfrentar nos próximos vinte anos será viabilizar o atendimento a essa necessidade de expansão da capacidade instalada do sistema elétrico nacional, ao mínimo custo e de forma ambientalmente viável, garantindo segurança e confiabilidade ao sistema e, simultaneamente, disponibilidade de oferta e modicidade tarifária aos usuários.

Basta um rápido olhar para a posição brasileira no ranking internacional de 2003 dos indicadores per capita de consumo anual de eletricidade e de capacidade instalada de geração elétrica para que o foco do debate sobre a geração de energia elétrica no Brasil fique claro: com um consumo de 2.081 kWh e uma capacidade instalada 0,462 kW, o Brasil está abaixo da média mundial de 2.337 kWh e 0,574 kW, respectivamente, e seus indicadores correspondem, por exemplo, a cerca de metade dos de Portugal (4.375 kWh e 1,058 kW).

Com esses números, a questão a ser respondida é como tirar o Brasil dessa carência energética e ainda, como garantir a tranqüilidade nessa área, nos próximos anos, uma vez que o planejamento energético tem que ser feito com grande antecedência?

A resposta só pode ser uma: aproveitar ao máximo e o mais rápido possível todos os recursos disponíveis no país para aumentar a geração de eletricidade. O desafio nessa empreitada é tão grande que abre espaço para todas as fontes técnica e economicamente viáveis.

Necessidade nuclear

O Brasil dispõe de todas as alternativas térmicas, com maior potencial para a nuclear, o carvão e a biomassa, em especial o bagaço de cana, em função da disponibilidade desses combustíveis.

A indispensável participação do carvão e da energia nuclear deverá, entretanto, considerar os aspectos econômicos e ambientais, bem como a integração destas usinas ao sistema interligado nacional, em particular o carvão na região Sul, devido à localização geográfica de nossas reservas, e a nuclear nas regiões Sudeste e Nordeste, onde o potencial hidráulico remanescente encontra-se praticamente exaurido.

Existe um considerável espaço para as usinas de biomassa (bagaço de cana e outros resíduos vegetais), que têm como vantagem adicional o fato de poderem contribuir significativamente para a regulação do sistema por sua produção se concentrar no período seco do ano, quando há déficit na reposição de água dos reservatórios das hidrelétricas. Entretanto, a disponibilidade deste combustível é limitada pela área de terras cultiváveis requerida: para produzir 1.000 MWh de eletricidade é necessária uma área de 3 mil a 5 mil km2 de cultivo de biomassa.

Não seria recomendável contar com expressivas contribuições do petróleo e do gás natural, seja pela limitada disponibilidade destes combustíveis no país, seja pela prioridade de seu uso em outras aplicações mais nobres, como o transporte e a química, seja pelos impactos ambientais em termos de contribuição ao “efeito estufa” global que a combustão produz. Estas fontes não-renováveis devem ser aproveitadas dentro de um contexto de planejamento integrado dos setores de petróleo&gás e de energia elétrica, sempre considerando que sua “queima” em centrais elétricas fixas de grande potência é a forma menos eficiente de sua utilização.

Deve-se ressaltar que, diferentemente dos combustíveis fósseis, o combustível nuclear — urânio — do qual o Brasil tem uma das maiores reservas mundiais, não tem atualmente nenhum outro uso industrial corrente que não seja a geração de energia elétrica.

Na última década tem havido um grande esforço no uso de energias renováveis como solar e eólica. Essas fontes, entretanto, possuem algumas desvantagens que afetam sua economicidade e seu uso intensivo, ainda que sejam excelentes alternativas para aplicações localizadas de pequena potência.

Os raios solares e os ventos são intermitentes, não estando sempre disponíveis. Requerem, portanto uma associação a fontes térmicas ou hídricas permanentemente disponíveis. Não poderão, portanto, ter uma grande participação no sistema elétrico nacional, que requer geração de forma contínua.

Outra desvantagem inerente a essas fontes renováveis é sua apresentação de maneira dispersa. Para produzir uma quantidade significativa de eletricidade por fonte solar ou eólica, torna-se necessário mobilizar grandes áreas. Por exemplo, para uma capacidade instalada de 1 mil MWe seria requerida uma área de 50 a 60 km2 de painéis solares, ou geradores eólicos.


Logo, será difícil tornar essas fontes de energia economicamente competitivas para grandes blocos de demanda energética. Embora essas fontes devam ser continuamente pesquisadas, não devemos ter ilusões que, a curto ou médio prazos, elas ofereçam as quantidades significativas de energia requeridas pelo sistema elétrico.

A humanidade caminhou do uso da lenha ao carvão, óleo, gás e urânio porque a elevada concentração de energia oferece economia e conveniência de utilização. Alguns exemplos podem ilustrar o significado da densidade de energia:

— 1 kg de lenha produz cerca de 1 kWh de eletricidade;

— 1 kg de carvão produz cerca de 3 kWh de eletricidade;

— 1 kg de óleo produz cerca de 4 kWh de eletricidade;

—1 kg de urânio natural produz cerca de 50 mil kWh de eletricidade;

— 1 kg de urânio enriquecido produz cerca de 6 milhões de kWh de eletricidade.

Compreensivelmente, as diferenças na densidade de energia têm um grande impacto nas atividades necessárias para extrair, armazenar e transportar o combustível. Em um referendo popular, a Áustria decidiu deixar de operar uma usina nuclear que utilizava cerca de 30 toneladas de urânio/ano. As duas usinas a carvão que foram construídas em substituição passaram a queimar 1,5 a 2 milhões de toneladas de carvão por ano.

A necessidade nuclear surge, portanto, de forma inequívoca e certamente deverá ser levada em conta na tomada de decisão dos diversos agentes do Setor Elétrico Brasileiro na composição da matriz elétrica para os próximos 20 anos. Sua inclusão deverá, entretanto, se dar de forma concomitante à exploração dos recursos hídricos priorizando as usinas de maior eficiência energética, menores custos de produção e de menor impacto ambiental, e à intensificação da busca por novos suprimentos de gás natural, seja através da ampliação da produção nacional, seja pela importação de países vizinhos, como já vem ocorrendo há alguns anos.

A geração nucleoelétrica talvez possa ser considerada como tendo sido introduzida no Brasil de forma precoce, antes de uma real necessidade. Entretanto, a utilização da tecnologia nuclear requer a existência de uma capacitação tecnológica avançada no contexto do país usuário, sob os aspectos de mão de obra qualificada, infra-estrutura industrial de suporte à operação compatível com a tecnologia de ponta envolvida. Essa suposta precocidade da introdução da energia nuclear no sistema elétrico nacional teve, portanto, “efeitos retardados” benéficos, já que esta capacitação foi efetivamente implantada no país, permitindo que sua expansão possa ser feita de forma mais rápida, eficiente e a menores custos, momento em que sua real necessidade se faz sentir.

A retomada e conclusão das obras de Angra 3, importante empreendimento de geração para o atendimento da demanda a médio prazo, permitirá iniciar sua operação em torno do ano 2012, agregando 1,3 GW aos centros de consumo do eixo Rio – São Paulo.

Aspectos econômicos

As usinas nucleoelétricas, sob o aspecto econômico, são empreendimentos intensivos em capital e que requerem um período de construção relativamente longo (cerca de 60 meses), apresentando, portanto uma forte influência dos custos financeiros durante o período de construção, comparativamente a outras fontes térmicas de geração, cujos custos de capital e os períodos de construção são bastante inferiores. Por outro lado, o custo do combustível nuclear é sensivelmente inferior aos das demais fontes térmicas, o que leva ambas alternativas a apresentarem custos finais de produção comparáveis.

A comparação do custo de geração de Angra 1 e 2, com relação à energia hidrelétrica pode ser feita, no horizonte de curto prazo, com os resultados obtidos nos leilões de energia “velha” realizados pelo MME em 2005 e que apresentaram valores, em média, entre R$ 67,33 (entrega em 2006) e R$ 94,91 (entrega em 2009), enquanto a tarifa da energia elétrica gerada pelas usinas de Angra 1 e 2 estabelecida pela Aneel para o ano de 2006, foi de R$ 98,54.

Analogamente, os gastos já incorridos em Angra 3, conforme o mesmo balanço, totalizavam R$ 1,4 milhão. Para a conclusão de Angra 3, de acordo com estudos realizados pela Eletronuclear e revistos por diversas entidades nacionais e internacionais, serão requeridos recursos da ordem de R$ 7 bilhões, que correspondiam à cerca de US$ 1,8 bilhão, a valores de dezembro de 2001. O custo final de geração obtido é da ordem de 135-145 R$/MWh, dependendo de algumas hipóteses de cálculo adotadas.

A comparação do custo de geração de Angra 3, com aquele referente à energia hidrelétrica, pode ser feita, no horizonte de curto prazo, com os resultados obtidos no leilão de energia nova realizado pelo MME em 16 de dezembro passado e que se situaram, em média, entre 107 R$/MWh para entrega em 2008 e 115 R$/MWH, para entrega em 2010. Entretanto, para o horizonte mais distante, quando deverão estar entrando em operação os aproveitamentos hidrelétricos da região Norte, deve-se agregar a estes custos o valor correspondente à transmissão, os quais serão superiores a 9 R$/MWh.

Adicionalmente, deve-se considerar que, no mesmo leilão de energia nova, do total de energia contratada (3.286 MWmédios), 70% (2.278 MWmédios) foram de origem térmica, a um custo médio de 124 R$/MWh, e no caso da energia proveniente da termelétrica de Candiota, a carvão, este valor já ficou próximo de 140 R$/MWh.

Ao final de 2005, com vistas às avaliações do Plano Decenal de Expansão, foi realizado um estudo sobre o custo marginal de operação do Sistema Interligado Nacional — SIN para o período 2006 a 2015, contemplando os casos “com” e “sem” Angra 3. Os valores referentes ao caso “sem” Angra 3 foram obtidos de um plano de obras ajustado com base na igualdade entre os custos marginais de operação e de expansão, considerando-se este último em R$120/MWh.

Para obtenção dos resultados referentes ao caso “com” Angra 3, manteve-se o programa de obras anterior e adicionou-se em janeiro de 2012, data considerada como tecnicamente possível para a entrada em operação do empreendimento. As projeções de mercado foram às adotadas pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE), em novembro de 2005.

Os resultados obtidos com a inclusão de Angra 3 proporcionam uma redução nos custos marginais de operação de todos os subsistemas (Sudeste-Cento Oeste, Nordeste e Sul). Com base na evolução desses custos marginais, conclui-se que a integração da usina ao SIN possibilitará a substituição de duas termelétricas a gás natural no subsistema Sudeste: uma de 300 MW, a ser implantada em janeiro de 2012, e outra de 800 MW, a ser implantada em janeiro de 2015.

A partir de 2011, está prevista a entrada em operação de hidrelétricas localizadas na região Norte e que agregarão mais de 10 mil MW. Face ao porte desses aproveitamentos hidrelétricos e de sua razão acumulação/produção bastante reduzida, da ordem de dois meses, a necessidade de regulação para fazer frente aos riscos hidrológicos se tornará ainda mais expressiva, acentuando a necessidade de Angra 3.

Se ocorrerem problemas que conduzam a atrasos na implantação dessas usinas hidrelétricas, a necessidade da usina se intensificará, passando esta a constituir uma importante alternativa de suprimento ao SIN. Verificando-se, ainda, limitações no suprimento de gás natural no período 2012-2015, a importância de Angra 3 poderá ser ainda maior, pois o sistema não poderá contar com a adição de novas unidades termelétricas operando com esse combustível.

Adicionalmente, a construção da usina nuclear Angra 3 insere-se, sob o aspecto da Matriz Energética Nacional, no contexto de diversificação de suas fontes primárias. Permite minimizar vulnerabilidades no abastecimento, uma vez que faz uso de um combustível de origem nacional, do qual se dispõe de grandes reservas. O combustível nuclear, comparativamente às demais fontes de geração térmica, apresenta baixo custo e não está sujeito a flutuações do preço no mercado internacional, com riscos e impactos no seu futuro custo de geração, pelo fato de sua produção constituir um monopólio da União.


Por outro lado, devido à pequena influência do custo do urânio natural no custo final da energia gerada, o que não acontece comas usinas que utilizam outros combustíveis fósseis, como, por exemplo, o gás natural, no caso de uma duplicação do custo do gás, haveria um impacto no custo de geração dessas usinas de cerca de 70%. Já no caso da duplicação no preço do urânio natural, a mesma teria um impacto no custo final de produção de eletricidade de apenas cerca de 3%.

Aspectos de segurança

As usinas nucleares possuem sistemas de segurança redundantes, independentes e fisicamente separados, em condições de prevenir acidentes e, também, de resfriar o núcleo do reator e os geradores de vapor em situações normais ou de emergência. Na situação improvável de perda de controle do reator em operação normal, esses sistemas independentes de segurança entram automaticamente em ação para impedir condições operacionais inadmissíveis.

Além de todos esses sistemas, as usinas nucleares de Angra possuem sistemas de segurança passivos, que funcionam sem que precisem ser acionados por dispositivos elétricos. Esses sistemas são as numerosas barreiras protetoras de concreto e aço, que protegem as usinas contra impactos externos (terremotos, maremotos, inundações e explosões) ou aumento da pressão no interior da usina.

Cerca de 95% das substâncias radioativas de uma usina nuclear são geradas durante o funcionamento do reator, quando da fissão nuclear do combustível. O próprio combustível funciona como barreira interna, pois a maior parte dos produtos que se originam da fissão dos núcleos de urânio fica retida nas posições vazias da estrutura cristalina da matriz cerâmica do UO2. Apenas uma pequena fração dos segmentos de fissão voláteis e gasosos consegue escapar da estrutura do combustível. Para reter essa fração, as pastilhas de dióxido de urânio são colocadas no interior de tubos revestidos por uma liga especial, chamada zircaloy os tubos são selados com solda estanque a gás.

Na eventualidade de micro-fissuras em algumas varetas do elemento combustível, existem sistemas de purificação e desgaseificação dimensionados para o reator continuar operando com segurança. O sistema de refrigeração do reator funciona como uma barreira estanque, evitando a liberação de substâncias radioativas. A água pressurizada (PWR) tem dispositivos de auto-regulação, isto é, com o aumento de temperatura há uma diminuição de potência, exatamente para funcionar como freio automático contra aumentos repentinos de potência.

Ainda assim, para a remota possibilidade de o sistema de refrigeração permitir a liberação não controlada de substâncias radioativas, o reator é envolvido por um edifício de aço estanque, com três centímetros de espessura e 56 metros de diâmetro. Tal barreira é projetada para resistir ao mais sério acidente, levando em conta a hipótese de que todas as demais barreiras falhem e que todo o conteúdo do circuito secundário no gerador de vapor se vaporize.

Essa esfera de contenção de aço especial está protegida de impactos externos por um edifício de paredes de concreto armado, com 60 centímetros de espessura. Durante a operação normal da usina, a pressão no lado de dentro do edifício do reator é mantida abaixo da pressão atmosférica externa, exatamente para impedir que produtos radioativos possam escapar do interior da usina para o meio ambiente. Todas essas barreiras são devidamente testadas durante a construção e a montagem da usina e suas integridades verificadas ao decorrer da operação da mesma.

Grande parte das ações que visam a neutralizar ocorrências anormais na usina é automática, e não depende da atenção e da capacidade da equipe de operação em tomar decisões. Isso evita as conseqüências de decisões incorretas que podem ser adotadas sob forte pressão emocional.

Mesmo assim, os operadores da usina nuclear são altamente treinados e precisam ser necessariamente licenciados pela Comissão Nacional de Energia Nuclear (Cnen). Os operadores de Angra 1 passam por um rigoroso treinamento realizado nos Estados Unidos e Europa, onde utilizam simuladores compatíveis com a Sala de Controle de Angra 1.

A Eletronuclear possui em Mambucaba (município de Paraty — RJ) um simulador que é uma réplica da sala de controle de Angra 2. Lá todos os operadores são intensamente treinados, podendo-se reproduzir todas as situações que ocorrem durante o funcionamento normal ou em situações anormais e emergenciais. Devido à excelência de suas instalações e à competência dos seus instrutores, operadores de diversos países têm sido treinados nesse simulador nos últimos anos.

As usinas que constituem a Central Nuclear Almirante Álvaro Alberto foram projetadas e construídas dentro dos mais rigorosos critérios de segurança adotados internacionalmente.

Seu licenciamento nuclear está a cargo da Comissão Nacional de Energia Nuclear, obedecendo ainda de forma rigorosa à legislação ambiental vigente no país. As usinas são também periodicamente avaliadas por organismos internacionais como International Atomic Energy Agency (Iaea), World Association of Nuclear Operators (Wano) e Institute of Nuclear Power Operators (Inpo).

Gerenciamento de rejeitos

O volume de rejeitos gerados por unidade de energia elétrica produzida por uma usina nuclear é muito menor em comparação com outros tipos de geração, mesmo quando são incluídos os rejeitos decorrentes do seu futuro descomissionamento. Além disso, a tecnologia que permite que esses rejeitos sejam adequadamente manuseados, tratados, gerenciados e armazenados em repositórios seguros e isolados do meio ambiente está bem estabelecida em nível internacional.

Os rejeitos radioativos são classificados em três classes, segundo o nível de radioatividade que apresentam: os de baixa, média e alta atividade.

Os rejeitos de baixa atividade (Low Level Waste — LLW) compreendem papéis, flanelas, panos de limpeza, peças de vestuário, filtros etc, de hospitais, centros de pesquisas, instalações industriais e usinas nucleares. Em vários países existem instalações para a deposição final dos rejeitos LLW. Com a finalidade de redução de seus volumes, esses rejeitos são usualmente compactados ou incinerados antes da deposição final.

Os rejeitos de média atividade (Intermediate Level Waste — ILW) compreendem tipicamente as resinas iônicas, as lamas químicas e os revestimentos metálicos do combustível, bem como os equipamentos contaminados e rejeitos das operações de descomissionamento de instalações nucleares. Os rejeitos do tipo ILW são solidificados ou imobilizados em materiais inertes, tal como o concreto ou o betume. Em geral, a deposição dos rejeitos ILW é realizada por enterramento em solo a baixa profundidade.

Os rejeitos de alta atividade (High Level Waste — HLW) são aqueles resultantes das operações do reprocessamento (tratamento químico do combustível irradiado e descarregado do reator após a produção de energia para reaproveitamento do combustível não utilizado), na maioria líquidos, que contêm produtos de fissão ou, se não houver reprocessamento, o próprio combustível completo descarregado dos reatores.

Os rejeitos HLW são altamente radioativos e contêm atividade de vida longa. Eles geram quantidades consideráveis de calor e necessitam resfriamento por muitos anos. Os rejeitos líquidos do reprocessamento são incorporados em blocos de vidro (solidificados) para a posterior disposição final. Se a disposição direta dos elementos combustíveis for a escolhida, o combustível deve ser previamente encapsulado. Nos dois casos deve-se considerar um período de esfriamento de 20 a 50 anos, antes que a disposição final possa ser realizada.

Durante esse período, os rejeitos HLW são mantidos em instalações de armazenamento inicial junto às centrais nucleares que os produziram. Muitos países estão trabalhando com o objetivo da disposição final destes rejeitos em depósitos subterrâneos de 200 a mil metros de profundidade, em formações geológicas milenariamente estáveis (exemplo: granito).

No que se refere aos rejeitos radioativos produzidos pelas usinas nucleares brasileiras, incluindo Angra 3, deve-se destacar que, de acordo com a Resolução Conama 031, de 14/11/01 e com a Resolução 5 do CNPE, de 5/12/01, o processo de licenciamento ambiental dessa usina deverá contemplar a seguinte premissa: “a definição, pela CNEN, de solução de longo prazo dos rejeitos radioativos de média e baixa atividade, gerados nas usinas Angra 1, 2 e 3, a ser implementada até a entrada em operação de Angra 3.” Tal determinação requer ações em duas etapas distintas:

— Ampliação da capacidade e implementação de melhorias nos Depósitos Iniciais de Rejeitos localizados junto às usinas da central nuclear, em Angra dos Reis; atividades que já se encontram em execução pela Eletronuclear;

— Implantação do Repositório de Rejeitos definitivo, de acordo com o Termo de Mútua Cooperação entre CNEN e Eletronuclear, a ser concluído até o término da construção de Angra 3;

— A responsabilidade pela seleção de local, projeto, construção e operação desse Repositório de Rejeitos definitivo é atribuição legal da CNEN, a qual poderá decidir entre duas alternativas atualmente em avaliação;

— Implantação de um Repositório de Rejeitos definitivo dentro da central nuclear dedicado exclusivamente aos rejeitos de Angra1, 2 e 3;

— Implantação de um Repositório de Rejeitos definitivo fora da central nuclear, que receberia material proveniente de todas as instalações nucleares e radioativas do País. Nesse caso, o local escolhido deverá ser próximo às usinas, tendo em vista que elas respondem por cerca de 75% do volume de rejeitos gerados no País, o que facilitaria significativamente a logística de transporte;

— No que se refere aos rejeitos de alta atividade, seu destino final dependerá da decisão futura de reprocessar, ou não, o combustível usado pelos reatores nacionais. Essa decisão levará em conta os aspectos políticos e econômicos da época em que for tomada, o que deverá ocorrer até o término da vida útil das usinas, ou seja, num horizonte de 20 a 50 anos. Até lá, o combustível usado poderá permanecer armazenado de forma segura na central nuclear.

Conclusões

O gerenciamento da expansão de um sistema elétrico nacional pode ser visto de forma similar ao gerenciamento de uma carteira de investimentos. Os princípios da gestão de riscos indicam uma estratégia de diversificação no sentido de garantir a rentabilidade. Não existe uma fonte única de energia que represente solução sustentável a longo prazo para um país. O próprio exemplo brasileiro, cujo sistema elétrico foi inicialmente baseado quase que unicamente na fonte hídrica e que hoje passa por uma evolução no sentido de tornar-se um sistema hidrotérmico, reforça esta tese.

Considerando-se que a energia elétrica tem papel fundamental e estratégico para a sociedade e para a economia do país, como garantidora da infra-estrutura de suporte ao desenvolvimento econômico sustentado, dando segurança aos investidores e promovendo a melhoria do bem estar da população, a discussão de uma Matriz Elétrica Brasileira mais adequada, que contemple as principais tendências futuras, deve passar por ampla discussão com a sociedade, promovida pelos diversos agentes do Setor Elétrico Brasileiro e pelos diversos organismos da área ambiental.

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