Votos explosivos

Revista Veja não tem de indenizar José Genoino

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9 de janeiro de 2007, 19h42

A revista Veja não terá de indenizar o deputado federal eleito José Genoino (PT-SP) por ter publicado reportagem em que apontou orientação da liderança da organização criminosa PCC para que os seus integrantes votassem no petista. A reportagem se baseou em conversas interceptadas em investigação criminal. Para a juíza Camila de Jesus Gonçalves Pacífico, da 1ª Vara Cível de Pinheiros, em São Paulo, a informação é verídica e eventual ligação do crime organizado com partidos políticos é de interesse da sociedade.

Segundo a juíza, a divulgação é, inclusive, um meio de evitar o fortalecimento de um braço político do crime. Cabe recurso.

Para o deputado, a reportagem É pra eleger Genoino foi ofensiva à sua honra. Primeiro, porque entende que violou a sua imagem, uma vez que trouxe fotografia em que foi exposto com “chapéu de palhaço”. Além disso, argumenta que a revista não poderia ter divulgado conteúdo de conversas telefônicas gravadas em investigação criminal.

O deputado sustenta ainda que, como não participou da conversa entre os criminosos, não poderia ter sido citado na reportagem, “sob pena do abuso da liberdade de expressão, ínsito à manipulação de fatos, traduzindo-se em violação ao direito humano”. Ele pedia indenização de R$ 15 mil, por danos morais.

Em sua defesa, a Veja informa que a notícia é verdadeira e de interesse público. Portanto, alega, cumpriu o seu dever constitucional de informar o cidadão. “A gravação mencionada na reportagem é verdadeira e revela a simpatia da facção criminosa pelo PT”, explica.

Em relação à fotografia, a revista semanal argumentou que ela foi feita em evento público em que Genoino usava um chapéu de festa. Ressaltou que é lícito o uso de fotografia de pessoa pública, com função de líder de partido. À época, ele ocupava a presidência do PT. Para finalizar, a revista disse que a divulgação das conversas telefônicas não foi ilícita por se tratar de fato jornalístico verdadeiro e de interesse público.

Ao decidir, a juíza observou que Genoino não contestou a existência das gravações, mas, sim, que a sua divulgação é prejudicial à sua imagem. Para Camila Pacífico, Veja obedeceu aos limites do exercício de liberdade de imprensa.

Ela citou livro de Bruno Miragem para esclarecer os limites da liberdade de imprensa: “a atividade da imprensa deve observar deveres específicos, constitutivos de limitações objetivas ao seu exercício. São eles o dever geral de cuidado, o dever de veracidade e o dever de pertinência”.

Sobre o chapéu, a juíza concluiu que ele não parece de palhaço, mas de festa, adequado ao clima de campanha e comemoração da ocasião. A revista Veja foi representada pelo advogado Alexandre Fidalgo e Cynthia Romano, do escritório Lourival J. Santos Advogados.

Leia a decisão

Processo 011.06.115486-0

Primeira Vara Cível do Foro Regional XI – Pinheiros

VISTOS.

JOSÉ GENOÍNO NETO ajuizou ação de indenização por danos morais pelo rito ordinário em face de EDITORA ABRIL, aduzindo, em síntese, que na edição da revista Veja, publicada em 16.08.2006, foi divulgada matéria ofensiva ao autor sob o título de "É pra eleger o Genoíno", em que foi estampada uma fotografia do autor, sem a sua autorização, em franca violação à sua imagem, uma vez que o autor foi exposto com chapéu de palhaço. A reportagem faz ilação de que havia uma orientação da liderança do PCC para que os seus integrantes votassem em Genoíno, levando a crer sobre a existência de ligações entre o PCC e o autor. O autor não foi consultado para dar sua versão e a Revista não possui nenhuma demonstração concreta do fato, a caracterizar o ilícito. A ilicitude da conduta da ré decorre do título indutivo, da publicação da foto, da divulgação unilateral da notícia e da divulgação de conversas interceptadas em investigação criminal, protegidas pelo sigilo, a indicar a violação ao art. 10, da Lei n° 9.296/96. O autor não é parte na conversa e não poderia ser mencionado, sob pena do abuso da liberdade de expressão, ínsito à manipulação de fatos, traduzindo-se em violação ao direito humano do requerente. Nos moldes da Constituição Federal, a interceptação telefônica apenas poderia ser utilizada em investigação criminal ou instrução processual penal, de modo que a divulgação pela ré caracteriza ato ilícito e enseja o dever de reparação pela violação à honra objetiva e subjetiva do autor. A indenização deve considerar a posição social e profissional do autor, o grau de dolo ou culpa da ré e sua capacidade econômica. Postulou a tutela antecipada para a suspensão da reportagem no site da Revista Veja, na Internet. Atribuiu à causa o valor de R$ 15.000,00. Com a inicial juntou os documentos de fls. 37/83.


A tutela antecipada foi parcialmente deferida, nos moldes de fls. 85/86, cujos efeitos foram suspensos em liminar concedida no agravo de instrumento interposto pela ré (fls. 177/179).

A ré contestou (fls. 181/203). Afirma que a notícia é verdadeira e de interesse público, razão pela qual a ré está obrigada a publicá-la, em cumprimento de seu dever constitucional de informar os cidadãos. A gravação mencionada na reportagem é verdadeira e revela a simpatia da facção criminosa pelo PT. Os títulos são coerentes com a informação, sem qualquer sensacionalismo ou excesso, sendo que a própria reportagem afirma a inexistência de prova de envolvimento do autor ou de seu partido com o crime organizado. O conteúdo das conversas publicadas não foi inventado pela ré, nem se traduz em perseguição, constando na gravação a intenção e a sugestão de se votar em Genoíno. Assim, entende caracterizado o interesse público no assunto e o direito da sociedade à informação. A identificação da matéria por "E pra votar em Genoíno" é coerente e justificável, diante dos fatos apurados, sendo que a ligação entre o PT e o PCC era noticiada por outros jornais e veículos de comunicação, razão pela qual a ré tinha a obrigação jornalística de divulgar. A matéria era narrativa, sem a emissão de juízo de valor, tornando desnecessário pesquisar a versão do autor. A fotografia exibida na reportagem foi captada em evento público, em que o autor havia colocado um chapéu de festa, sendo lícita a utilização de fotografia de pessoa pública, com a função pública de liderar o partido do governo. Por isso, a utilização da imagem captada em ambiente público, de pessoa notória, afasta a violação ao direito da personalidade. A divulgação do conteúdo das conversas telefônicas não foi ilícita, por se tratar de fato jornalístico verdadeiro, de inegável interesse público. Assim, não há violação de segredo de justiça nem infração ao art. 10, da Lei n° 9.296/96. Impugna o abuso no exercício da liberdade de imprensa, tanto mais quando a reportagem ressalvou a inexistência de conclusão de envolvimento do autor ou do PT com o PCC. O homem público está sujeito a criticas e não pode demonstrar os mesmos melindres de um homem comum. Por isso, o dano moral é inexistente, considerando a obrigação da pessoa que ocupa cargo público, de prestar contas à sociedade. Com a defesa, trouxe os documentos de fls. 204/211.

Réplica a fls. 215/231. O autor juntou documentos a fls. 233/259, sobre os quais a ré se manifestou a fls. 266/273.

É o relatório. DECIDO.

O julgamento do pedido dispensa outras provas, pois os elementos dos autos são suficientes para a qualificação jurídica dos fatos trazidos a juízo.

A liberdade de imprensa e o direito à livre manifestação do pensamento não são absolutos e guardam limites em outros direitos e garantias igualmente tutelados pela Constituição Federal. A ponderação entre os bens jurídicos tutelados dá-se diante de cada caso concreto, socorrendo-se à doutrina para fundamentar a escolha do bem preponderante em cada uma das hipóteses dos autos.

Na lição de Bruno Miragem, a atividade da imprensa deve observar deveres específicos, constitutivos de limitações objetivas ao seu exercício. São eles o dever geral de cuidado, o dever de veracidade e o dever de pertinência. (1) O dever geral de cuidado impõe o exame de todas as versões e a abstenção em promover juízos de valor antecipados, em conseqüência do dever de não lesar, ensejando uma preocupação com a solidez da versão. (2) O dever de veracidade decorre da idéia de que informar é divulgar fatos, estendendo-se à liberdade de crítica e à liberdade de pensamento, na medida em que seu exercício deve estar apoiado em informações verazes para garantir sua legalidade, pois não existe o direito de mentir. (3) Por fim, o dever de pertinência refere-se à adequação lógica entre os fatos e a crítica, assegurando que a manifestação de pensamento com a finalidade de causar impressão ao destinatário da mensagem esteja pautada em substrato real. (4)

Ressalte-se que o exercício da liberdade de pensamento e de opinião também exige o cumprimento do dever de veracidade, (5) que não se confunde com a verdade real, mas pressupõe uma conduta diligente, considerando que a formação de juízo crítico dá-se sobre fatos da vida, existindo um conteúdo mínimo de significado que deve ser respeitado, como condição para a manifestação do pensamento de forma cuidadosa e respeitosa com os direitos alheios.


Dentro desse panorama doutrinário, destarte, passa-se a avaliar a legalidade da conduta da ré, para concluir positivamente.

O autor não contradisse a existência das gravações, apenas sustentando que sua divulgação é prejudicial à sua imagem. Contudo, seus argumentos não devem prosperar, uma vez que ficou caracterizado o exercício da liberdade de imprensa dentro dos limites da legalidade, inexistindo ilícito.

De fato, o autor foi mencionado em conversas entre pessoas investigadas pela polícia, cujas ações influenciaram a vida dos paulistanos, a caracterizar o interesse público na divulgação de todas as informações disponíveis sobre o PCC. Eventual ligação do crime organizado com partidos políticos é de suma relevância para a sociedade, inclusive como meio de evitar o fortalecimento de um braço político do crime, a exemplo do que ocorreu com a máfia italiana. Nesse contexto, a divulgação das conversas interceptadas atende ao interesse público e caracteriza o cumprimento da função institucional da ré, entendendo-se pela prevalência da liberdade de imprensa sobre o direito individual do autor, ao seu nome, no caso concreto. Diante do conteúdo das conversas interceptadas, destarte, os títulos e identificação da matéria impugnada não merecem reparos, pois se limitaram a reproduzir o teor daquilo que foi apreendido na interceptação telefônica.

O dever de publicação de notícias claras e verdadeiras decorre do direito de informar, que se atribui à imprensa, tratando-se da outra face da mesma moeda, cujo limite esbarra nos direitos individuais daqueles que aparecem nas reportagens. Por isso, o conteúdo divulgado deve ser verdadeiro e não pode dar margem a interpretações diversas dos fatos efetivamente ocorridos, sob pena de responsabilização. Nesse contexto, a obrigação de ouvir a pessoa mencionada na reportagem justifica-se pela preocupação de divulgar fatos isentos, evitando que o juízo de valor de um prevaleça sobre o daquele que não foi ouvido, a fim de que o leitor tenha conhecimento de todas as versões e possa tirar suas próprias conclusões, independentemente do pré-julgamento da imprensa.

Na lição de Cláudio Luiz Bueno de Godoy, ao comentar a publicação de crimes, pela imprensa, "o mínimo esperado, e exigido, é que, antes da divulgação, se procure ouvir aquele que será acusado, verificando-se a procedência de sua versão (…).

Tudo, enfim, e aí o que está na base da tese que se sustenta, para que, em última análise, se preserve o sentido institucional que tens também a informação de ou sobre fatos delituosos, relevantes, por natureza, à sociedade. Tudo, repita-se, a fim de não se deturpar esse sentido institucional para dar azo o que com ele não se compadecem ao sensacionalismo, ao excesso de publicação, à irresponsabilidade da notícia, que devem ser coibidos, sobretudo não se olvidando dos efeitos, daí dimanados, às pessoas cuja esfera dos direitos da personalidade venha a ser afetada ".(6)

No caso dos autos, não foi imputado crime ao autor, razão pela qual não era exigível sua oitiva, como condição de legalidade da publicação da notícia. De fato, sequer se imputou qualquer ato ou conduta ao requerente, que foi mencionado por terceiros. Por isso, a oitiva do autor era desnecessária, quando o teor das gravações indica que a menção a seu nome foi feita inclusive sem seu conhecimento. Nessa medida, a divulgação do conteúdo das conversas dispensava colher a versão do autor, que pouco poderia esclarecer sobre conversa da qual não participou, acrescentando a impossibilidade de controlar os interesses e objetivos de terceiros nos pleitos eleitorais. Acresce que a própria reportagem ressalvou a inexistência de elo entre o PT e o PCC, com base nas conversas interceptadas (fls. 48), tudo a corroborar o conteúdo descritivo da matéria. Por isso, afastado o caráter opinativo da reportagem, dispensava-se a oitiva do autor, deixando para o leitor a interpretação dos fatos objetivamente narrados, inclusive ressaltando a inexistência de prova de elo entre o PT e o PCC.

A publicação da fotografia incluída na reportagem não violou a imagem do autor. Ao contrário do alegado, o chapéu não parece de palhaço, mas sim de festa, tanto mais quando o clima é de campanha e comemoração, com bandeiras balançando e o número do PT. Além disso, o autor está sorrindo e em posição de confiança e satisfação (fls. 48), não se tratando da imagem de um palhaço. O conteúdo das gravações, segundo as quais recomendava-se o voto em Genoíno, justifica a utilização de imagem captada durante campanha política, tratando-se de inserção pertinente, que não extrapola o dever de informar ou o direito relativo à liberdade da imprensa.

A violação ao art. 10, da Lei n° 9296/96 não ficou caracterizada. Referido artigo tipifica como crime a realização de interceptação de comunicações telefônicas, de informática ou telemática, ou quebrar segredo da Justiça, sem autorização judicial ou com objetivos não autorizados em lei. No caso dos autos, o interesse público justificava a divulgação do conteúdo das gravações, caracterizando objetivo autorizado em lei.

Por fim, eventual orientação política ou preferência da ré por outro partido não é suficiente para ensejar a responsabilidade civil, diante da não caracterização do ilícito.

Assim, conclui-se pela licitude da conduta da ré e pela ausência do direito reclamado por todos os ângulos analisados.

Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTE o pedido, revogando os efeitos da antecipação de tutela.

Em razão da sucumbência, condeno o autor no pagamento das custas e honorários advocatícios, que arbitro em 15% sobre o valor da causa, atualizado.

P.R.I.C.

São Paulo, 12 de dezembro de 2006.

CAMILA DE JESUS GONÇALVES PACÍFICO

JUÍZA DE DIREITO

Notas de Rodapé

1- Bruno Miragem, Responsabilidade Civil da Imprensa por Dano à Honra, Livraria do Advogado, Porto Alegre. 2005, p. 241/261.

2- Idem. p. 247/249.

3- Idem, p. 250/251.

4- Idem, p. 256/258.

5- Idem, p. 69.

6- A liberdade de imprensa e os direitos da personalidade, p. 92/93, Editora Atlas, 2001.

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