Afirmação de espanto

Juíza arquiva queixa-crime de Tarso Genro contra repórter da Época

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9 de janeiro de 2007, 17h59

A Justiça paulista arquivou queixa-crime ajuizada pelo ministro Tarso Genro contra o repórter da revista Época Matheus Machado. Na reportagem Até para o Genro, publicada em agosto de 2005, o jornalista afirmou que existem fortes evidências de que o publicitário e distribuidor do mensalão, Marcos Valério, pagou dívidas do ministro. Cabe recurso.

Para o ministro, a acusação feriu a sua honra. Para a juíza Aparecida Angélica Correia Nagao, da 1ª Vara Criminal de Pinheiros, não. Em sua decisão, a juíza ressaltou que existe uma diferença entre o grau de resguardo de autoridades públicas e as pessoas comuns, “pois as primeiras têm como objetivo a exteriorização e a divulgação da imagem, através dos meios de comunicação”.

Assim, concluiu a juíza, o ministro não pode reclamar quando seus atos no exercício da profissão são divulgados ou criticados. Na decisão, ela afirmou ainda que não encontrou na reportagem nenhuma palavra de sentido duplo, frases vagas ou alusões veladas.

O repórter, representado pelos advogados Nilson Jacob e Rodrigo de Moura Jacob, do escritório Nilson Jacob Advogados, sustentou que não teve a intenção de ofender a honra ou atingir a reputação de Tarso Genro. Ao contrário, os advogados alegaram que o título do texto, Até para o Genro, refletiu o espanto da notícia ao relatar documentos entregues ao Ministério Público que supostamente ligavam Tarso a dinheiro de Marcos Valério.

Leia a decisão e a reportagem

1ª Vara Criminal e do Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher do Foro Regional de Pinheiros da Comarca de São Paulo.

Queixa-crime nº 2077-05.

Vistos., Tarso Fernando Herz Genro, qualificado nos autos, propôs a presente queixa crime em face de Matheus Machado, jornalista, também qualificado na inicial, alegando em síntese, que na edição n° 377 da revista Época, que circulou com data de 05 de agosto de 2005, o querelado publicou matéria de sua autoria, intitulada “Até para Genro”, a qual teve a imputação de fatos considerados ofensivos à honra do querelante.

Requer o recebimento da presente para processar e condenar o querelado nas penas do artigo 21 e 22 da Lei 5.250/67, observado o artigo 70 do Código Penal.

Com a inicial foram juntados documentos. O querelado após regular citação apresentou defesa prévia, no termos do artigo 43, parágrafo 1° da Lei 5250/67 (fls.56/74). O representante do ministério Público pleiteou a realização de audiência de conciliação, nos termos da Lei 9.099/95 (fls.91/92).

A audiência de conciliação designada para análise dos benefícios previstos na Lei 9.099/95 resultou infrutífera, em razão da ausência das partes (justificada), bem como pela manifestação de querelante, o qual expressou não ter interesse na conciliação (fls. 163 e 169/170).

O Dr. promotor de Justiça em sua manifestação de fls. 172, opinou pelo recebimento da presente queixa-crime.

É o relatório.

DECIDO.

Inicialmente, cabe ressaltar que o pedido de explicações Interposto pelo querelante foi indeferido por este juízo, uma vez que não verificou-se no texto publicado, palavras de duplo sentido, frases vagas ou reticentes, alusões veladas ou imprecisas.

No mais, a defesa preliminar apresentado pelo querelado negou que os fatos narrados na matéria publicada tivessem o escopo de ofender a honra do querelante, ou atingir de forma negativa a sua reputarão, o seu decoro e dignidade.

Esclareceu ainda que, somente narrou fatos verídicos, utilizando-se do expressões técnicas, sem qualquer expressou ofensiva ou dúbia que pudesse colocar cm dúvida a honestidade do querelante. Aliás, por época da apresentação da defesa prévia, enfatizou (fls.64):

“Por ser o Querelante indiscutivelmente pessoa proba é que o titulo da matéria traz uma afirmação de espanto — ATÉ PARA O GENRO — sinal de que pela honestidade indiscutível do mesmo a documentação que chegou as mãos da Procuradoria Geral da República trouxe perplexidade a todos.”

Assim sendo, a peça elaborada (queixa crime), ainda que formalmente perfeita, não preenche as condições necessárias para o seu recebimento e regular processamento, até porque não demonstrou com o mínimo de segurança, circunstâncias paro a formação da “opinio delicti”.

Além do mais, devem estar relatados na inicial todos os elemento que possam interessar à apreciação do crime, inclusive o fato concreto considerado desabonador, até porque sem os requisitos indispensáveis a queixa crime é da ser considerada inepta.

Outrossim, o texto transcrito peio querelante e que apresentaria trechos ofensivos à sua honra, narra fatos e circunstâncias, as quais estariam sendo objetos de apuração pela Procuradoria Geral da República, de modo que, a questão encontra-se sob investigação, principalmente no que diz respeito aos acontecimentos envolvendo o publicitário Marcos Valério, pessoas no exercício de cargos, público e partidos políticos.


Deve-te enfatizar que, a imputação não está sendo baseada em elementos concretos, o que e necessário para a aferição da existência de justa causa para a propositura da ação penal.

Nesta oportunidade, cabe relembrar que: ‘A doutrina e a jurisprudência irmanam-se no sentido de que, para o recebimento da denúncia ou queixa, não basta à existência de uma peça formalmente perfeita, com os requisitos exigidos pelo artigo 41 da lei adjetiva penal, mas que a mesma venha acompanhada de um mínimo de provas, que demonstram a sua viabilidade.

Sem tal elemento probatório idôneo, não se pode aquilatar a existência ou não do “fumus boni juris” , cujo exame também deve ser feito” ( RT 499/69). É de exigir-se, então, que a imputação seja razoável.

Equivale a dizer que só existe, quando presentes as condições da ação. Dai a semelhança entre a justa causa e o interesse de agir (condição da ação). “Sem que o “fumus bonis júris” ampare a imputação, dando-lhes os contornos da imputação razoável pela existência de justa causa, ou pretensão viável, a denúncia ou queixa não pode ser admitida ou recebida” (Tratado do Direito Procesual Penal — José Frederico Marques — 2° Vol. – p. 74).

O Mestre Fernando da Costa Tourinho Filho, citado por Frederico Marques, faz observar que: “para que seja possível o exercício do direito de ação penal, é indispensável haja, nos autos do inquérito policial ou nas peças de informação ou na representação, elementos sérios idôneos, a mostrar que houve uma infração penal, e indícios mais ou menos razoáveis, de que seu autor foi à pessoa apontada no procedimento informativo ou nos elementos de convicção”.

Essa exigência para o recebimento da presente queixa crime, constitui demonstração de “não se estar diante de mera aventura judiciária gratuita a desafeto ou inimigo, a encobrir fins outros, nada edificantes e muitas vezes inconfessáveis” (trecho do Ven. Acórdão in JUTACRIM-SP — ed. LEX — Vol. 72/120).

A propósito, ensina Afrânio Silva Jardim, in Direito Processual Penal — Estudos o Pareceres — p. 70, “a justa causa, ou seja, um suporte probatório mínimo em que se deve lastrear a acusação, tendo em vista que a simples instauração do processo penal já atinge o STATUS DIGNITATIS do imputado.” Evidentemente, não exige-se prova plena nem um exame aprofundado e valorativo dos elementos contidos no inquérito policial ou peças, mas elementos que tornam verossímil a acusação.

Por fim, é do nosso entendimento que existe uma diferença entre o grau de resguardo e de tutela de pessoas famosas, autoridades públicas de grande projeção e de pessoas consideradas comuns, pois as primeiras tem como objetivo a exteriorização e a divulgação da imagem, através dos meios de comunicação.

Assim, não podem reclamar quando seus passos e atos praticados no exercício profissional, viagens e passeios, são divulgados, comentados e até mesmo criticados.

Tanto que, a regra estabelecida pela Constituição Federal é de que os preceitos legais sejam interpretados de forma harmônica e não à supremacia de uma norma sobre a outra, e no que diz respeito à questão em análise, sem outras circunstancias, não vislumbro que eles estejam em confronto.

Isto posto, rejeito a queixa crime, com fundamento no artigo 44, inciso 1° da lei 5250/67. Condeno o querelante nas custas e honorários advocatícios estimados no valor do R$ 2,000,00 (dois mil reais).

P. R. I. C.

São Paulo, 02 de janeiro de 2007.

Aparecida Angélica Correia Negar

Juíza de Direito

Leia a reportagem publicada

Até para o Genro

Presidente escolhido para limpar o PT também teve contas de campanha pagas por Marcos Valério

Matheus Machado

O novo presidente do PT, Tarso Genro, tem os próprios fantasmas para administrar, além daqueles que assombraram a antiga direção do partido. Entre os documentos entregues por Marcos Valério à Procuradoria-Geral da República, há fortes evidências de que o publicitário pagou dívidas da campanha de Genro ao governo gaúcho, em 2002. No meio da papelada aparecem dois cheques nominais, de R$ 75 mil cada um, para as gráficas gaúchas Impressul e Comunicação Impressa. Ambas tiveram Tarso Genro como principal cliente em 2002. Mais tarde, em nova coincidência, as duas empresas tornaram-se fornecedoras do Ministério da Educação – justamente no período em que a pasta foi comandada por Genro.

Os dois cheques foram assinados no mesmo dia, 9 de junho de 2003. Um dos diretores da Impressul, Jairo Amaral, confirmou ter recebido o cheque para saldar dívidas do PT com sua empresa: “Eles (o PT) ainda me devem muito. Só não vou dizer quanto. Recebi o cheque, sim, e se pudesse receberia outro, sem problema”. Questionado se o pagamento seria referente a uma dívida da campanha de Tarso Genro para governador, Amaral, de início, negou. Disse que os serviços eram da campanha de Lula. A Impressul, no entanto, não fez nenhum tipo de trabalho para o PT nacional em 2002, segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral. Diante da nova informação, o empresário desconversou: a dívida seria, então, de 2000. Naquele ano, contudo, Lula não se candidatou a nada. “Então foi para pagamento de dívida do PT. É isso”, disse Amaral, encerrando a conversa.


Na disputa para governador em 2002, o PT pagou R$ 45.800 para a Impressul e R$ 101 mil para a Comunicação Impressa. A Comunicação ainda fez trabalhos para 12 deputados federais do PT gaúcho e para o então candidato e hoje presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A maior conta da empresa, porém, foi conquistada na campanha de Genro. Já a Impressul prestou serviços para candidatos do PDT, PSDB, PFL e PMDB. Mas os maiores contratantes foram petistas, como Tarso Genro, responsável pelo principal faturamento da empresa nas eleições em 2002. “Minhas contas de campanha foram aprovadas pela Justiça”, argumenta Genro. “Se sobrou alguma dívida, depois desta aprovação ela passa a ser do partido, e não da campanha.” Segundo ele, o PT gaúcho precisa explicar exatamente o que foi pago por Valério. “Se errou e pegou dinheiro neste esquema paralelo, o partido deve assumir a culpa e punir os responsáveis”, diz.

À Procuradoria, Marcos Valério afirmou ter entregue R$ 1,2 milhão ao PT do Rio Grande do Sul. Mas apresentou comprovantes do envio de apenas R$ 350 mil. Além dos dois cheques para as gráficas, há um recibo de R$ 200 mil, assinado por Paulo Antônio Bassoto, funcionário do PT gaúcho. O recibo é datado de 16 de junho de 2003. No mesmo dia, Bassoto foi preso no aeroporto de Porto Alegre. Levava R$ 150 mil numa mala e foi denunciado pelo aparelho de raios X. Depois de passar um dia preso, acabou socorrido por um advogado do PT. Apresentando recibos, o advogado alegou que o dinheiro fora enviado pela SMP&B, de Marcos Valério, para pagar uma fornecedora. Em mais uma coincidência, a fornecedora em questão era a gráfica Comunicação Impressa Ltda. As despesas com o advogado também foram pagas pela agência mineira.

Depois de receberem pelo valerioduto, as duas gráficas permaneceram ligadas a Tarso Genro. Dessa vez como fornecedoras de governo, no MEC. As empresas ganharam contratos para confeccionar folhetos, cartazes e livretos. A Impressul, por exemplo, faturou no ano passado R$ 127 mil para produzir 500 mil folders para a campanha de alunos surdos e outros R$ 28 mil por conta de 20 mil livretos. Já a Comunicação Gráfica participou da produção de material para o projeto da Reforma Universitária neste ano. Imprimiu 10 mil folhetos e levou quase R$ 31 mil. Mas 2004 foi mesmo seu grande ano no MEC: em seis trabalhos recebeu mais de R$ 200 mil. Até a posse de Tarso Genro, as empresas nunca tinham prestado qualquer tipo de serviço ao MEC.

As gráficas gaúchas foram pagas pela Casablanca, agência de publicidade mineira que atende o MEC. Em Belo Horizonte, o dono da agência, Juliano Sales, nega interferência do ministério na escolha das gráficas. Já em Brasília, o diretor de produção da Casablanca, Reinaldo Saucedo, informou que as gráficas são indicadas pelo próprio MEC, por meio de carta-convite. A maioria desses fornecedores é sediada em Brasília, já que assim não teria seus impressos encarecidos pelo frete. Em 2004, por exemplo, a Casablanca contratou 112 trabalhos de gráficas da capital. Do Rio Grande do Sul vieram sete trabalhos – todos eles das duas empresas que brilharam na campanha de Genro.

A assessoria de comunicação do MEC reconhece ter indicado as fornecedoras. Diz que foi parte de uma política para “descentralizar os contratos”. Garante que não há privilégio para as empresas gaúchas e que os preços dos serviços caíram em relação ao governo anterior. Depois de três dias negando ter recebido dinheiro da SMP&B, na quinta-feira o tesoureiro do PT gaúcho, Marcelino Pies, reconheceu a ajuda de Valério. Em entrevista ao jornal Zero Hora, disse que foi designado pelo PT nacional para buscar o dinheiro com o publicitário mineiro.

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