Experiência vitoriosa

Índia apresenta modelo para tornar vida carcerária mais justa

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9 de janeiro de 2007, 6h00

Nunca o sistema penitenciário brasileiro esteve em tamanha evidência. Desde que se deu conta do crescimento das facções dentro dos muros dos presídios e do fato de que elas estão matando organizadamente fora deles, não se via tamanho empenho no debate acerca das idéias e sugestões para a solução do impasse.

O direito de punir que veio paulatinamente sendo transformado em sua concepção colonial de vingança do soberano em técnica moderna de ressocialização, agora, no Brasil, precisa de pronta e eficiente solução de recuperação que permita abrandar a violência que tomou conta dos presídios e das ruas. Aqui, foram erros seguidos: não foi possível cuidar da separação adequada dos criminosos, não se deu conta que a reunião de delinqüentes perigosos com quem tinha crimes mais singelos levaria a uma distorção de grandes proporções e nem se percebeu, no tempo certo, que a internação passou a ser indiscriminada e sem critérios.

Agora, para resolver a crise, de onde retirar recursos financeiros se eles fazem falta em outros setores prioritários, como saúde e educação, em um país de população pobre e carente? Uma experiência indiana — atual e surpreendente — parece sugerir um caminho: em Tihar, nos arredores de Nova Deli, em um dos maiores estabelecimentos prisionais do mundo contemporâneo, deu-se fato singular.

Ali, em presídio de segurança máxima, conhecido como um inferno sem solução, onde estão internados mais de 13 mil detentos, a criatividade de uma diretora, agindo sem recursos e investimentos públicos do governo indiano, viabilizou a utilização de técnica milenar consistente na exploração de meditação e estado contemplativo por parte dos reeducandos, com a finalidade terapêutica de livrá-los de seus sofrimentos pessoais, proporcionando-lhes melhor qualidade de vida.

A técnica de origem budista aplicada aos presos indianos acabou por levar ao quase aniquilamento da reincidência, corrupção e uso de drogas nos presídios onde está funcionando. Em razão do sucesso imediato, foi estendida aos funcionários do estabelecimento e proporcionou a proliferação de cursos periódicos em uma área especialmente criada para reflexão. A transformação modelar da prisão Tihar nos últimos 13 anos da experiência acabou fazendo-a referência para outros presídios indianos. Mais do que isso, atraiu a atenção de estudiosos e pesquisadores do mundo todo sobre o fenômeno do controle das angústias das populações carcerárias.

Mereceu a atenção da psicanálise e da psiquiatria, já que a reflexão não é técnica convencional de pacificação de presidiários. Na verdade, a experiência abriu caminho inédito com a adoção de solução prática e econômica para contenção dos problemas carcerários, transformando a vida na prisão em rotina mais suportável e menos violenta.

Pode parecer estranho para os padrões ocidentais, já que a realidade brasileira é bem diversa. Porém, se considerarmos que no Brasil a falta de recursos públicos e a urgência para o encaminhamento da crise, são na essência os mesmos problemas que em Tihar demandaram pronta solução, será justo reconhecer que a experiência do presídio indiano é uma demonstração forte de que o pragmatismo também é fator determinante no encaminhamento de soluções.

A experiência teve o mérito de se basear na criatividade no trato com questões polêmicas e no enfrentamento da realidade que permitiu, com o auxílio de métodos não convencionais de cumprimento de pena, o abrandamento da crise. Trabalhou a acumulação das tensões que dominam os ambientes carcerários, trazendo demonstração de que a vocação e a criatividade das autoridades são fatores determinantes para tornar mais justa e equilibrada a vida das populações carcerárias.

Autores

  • é promotor de Justiça em São Paulo, mestre em Direito Processual Penal pela PUC-SP e professor associado da Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie.

  • é mestre em Direito Político e Econômico, professor da Fundação Armando Álvares Penteado - FAAP e promotor de Justiça do Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado (Gaeco).

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