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TJ paulista reconhece ação ajuizada em nome de feto

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8 de janeiro de 2007, 8h55

Feto pode solicitar judicialmente seus direitos mesmo sem ter personalidade jurídica. Com esse entendimento, o desembargador José Mário Antônio Cardinale, do Tribunal de Justiça de São Paulo, reconheceu a ação ajuizada pela Defensoria Pública em nome de um bebê que ainda estava para nascer.

Para o desembargador, o feto pode defender o direito à vida por ser parte ativa. A ação foi ajuizada pelo defensor público, Marcelo Carneiro Novaes. Em vez de propor ação em nome de uma presidiária, o defensor colocou o feto de apenas 15 semanas como autor do processo.

Segundo ele, a presidiária não estava recebendo o atendimento de pré-natal adequado. Assim, o pedido foi feito em nome do bebê porque o acompanhamento é destinado para garantir-lhe a vida e a saúde assim como de sua mãe.

A Defensoria solicitou também a adoção de medidas urgentes para preservar, de modo efetivo, o direito do autor ao nascimento com vida e em condições saudáveis, colocando-o a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

Na primeira instância, o juiz da Vara da Infância e Juventude de São Bernardo (SP) não aceitou que a ação fosse proposta em nome do feto. Para os juízes, o pedido deveria ser feito em nome da mãe. A Defensoria recorreu e obteve êxito na segunda instância paulista.

Leia integra da decisão:

Vistos, relatados e discutidos estes autos de AGRAVO DE INSTRUMENTO nº…da Comarca de São Bernardo do Campo, em que é agravante ……. sendo agravado FAZENDA DO ESTADO DE SÃO PAULO:

ACORDAM, em Câmara Especial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “NÃO CONHECERAM EM PARTE DO AGRAVO E, NA PARTE CONHECIDA, DERAM PROVIMENTO. v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores CANGUÇU DE ALMEIDA (Presidente), SIDNEI BENETI.

São Paulo, 23 de outubro de 2006.

José Cardinale

Relator

Agravo de Instrumento nº……..— São Bernardo do Campo — Voto nº ……..

Agravante: Nascituro de xxxxxx

Agravado: Fazenda do Estado de São Paulo

MENOR — Ação proposta por nascituro buscando o atendimento pré-natal à sua genitora, que se encontra presa — Decisão do juiz a quo que determinou a emenda da inicial por entender que o nascituro, por não possuir personalidade jurídica, não tem legitimidade ativa ad causam — Não conhecimento do agravo no tocante ao pleito que visa a concessão da antecipação da tutela ainda não apreciada em primeira instância — Nascituro que pode ser parte, desde que representado pelos genitores ou por quem determina a lei civil — Provimento do agravo apenas para reconhecer a possibilidade do nascituro vir a juízo, sem adentrar no mérito de sua legitimidade para a causa presente e, tampouco, a competência da Justiça da Infância e da Juventude — Necessidade de anulação do despacho que determinou a emenda da inicial — Agravo conhecido em parte e, na parte conhecida, provido, nos termos do acórdão.

1- Trata-se de Agravo de Instrumento interposto pelo nascituro de ……… em face de decisão proferida pelo MM. Juízo da Vara da Infância e da Juventude de São Bernardo do Campo (fl. 44), que determinou a emenda da inicial, para regularização do pólo ativo da ação de obrigação de fazer com pedido de antecipação da tutela. A demanda principal busca a proteção dos direitos do nascituro, eis que sua genitora encontra-se detida em estabelecimento prisional que não oferece condições mínimas para uma gestação saudável, colocando em risco o nascimento do autor com vida.

Determinada a emenda da inicial, não restou apreciado o pedido de antecipação da tutela.

Dessa forma, interpõe o autor o presente agravo com pedido de liminar, tendente ao reconhecimento da legitimidade ad causam do nascituro para demandar em juízo e a concessão da tutela antecipada ex vi dos artigos 527, inciso II, 558 e 273 do Código de Processo Civil.

A liminar foi indeferida (fls. 47/48).

A douta Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo provimento parcial do agravo (cf. fls. 51/54).

2- Não se conhece do recurso na parte que pleiteia o deferimento por esta Corte do pedido de antecipação de tutela formulado perante o Juízo a quo e a citação da ré, ora agravada, para contestar a ação.

Com efeito, determinado a emenda da inicial, o pleito de urgência não restou apreciado em primeira instância, não sendo lícito à instância revisora manifestar-se sobre postulação ainda não contemplada pelo julgador monocrático.

Nesse sentido, vale deixar consignado o seguinte excerto do parecer ministerial:

“Quanto ao pedido de citação e cumprimento de obrigação de fazer, não pode ser atendido. Como não houve decisão indeferindo nada disso, o recurso não pode impugnar o nada. Não pode ser conhecido nessa parte” (fl. 54).

3- Na parte conhecida, o agravo comporta provimento.

É a decisão impugnada do seguinte teor, verbis:

“Antes do mais, a inicial deverá ser emendada, no prazo de dez dias, pena de indeferimento, regularizando o pólo ativo e a representação processual, pois em se tratando de proteção jurídica ao nascituro, desprovido de personalidade civil, ex vi do art, 2° do novel Código Civil, incumbe aos seus pais e dever de defender os seus direitos”. (fl. 44).

A questão, cinge-se, portanto, à possibilidade do nascituro vir a juízo.

Eleito o nascituro para integrar o pólo ativo da ação, não poderia o juiz determinar a emenda da inicial por entender impossível a figuração do feto como autor em qualquer espécie de demanda. Isso porque, segundo a jurisprudência, pode o feto, devidamente representado, desde o momento da concepção, ainda que desprovido de personalidade jurídica, pleitear judicialmente seus direitos:

“Investigação de paternidade — Ação proposta em nome de nascituro pela mãe gestante — Legitimidade ‘ad causam’ — Extinção do processo afastada. Representando o nascituro pode a mãe propor a ação investigatória, e o nascimento com vida investe o infante na titularidade da pretensão de direito material, até então apenas uma expectativa de direito” (TJSP — AP. Cível nº 193.648. Rel. Des. Renan Lotufo).

Destarte, admitida, em tese, a possibilidade da presença do nascituro no pólo ativo da ação, de rigor a anulação do despacho de fl. 44, que determina a emenda da inicial, ressalvando-se que a legitimidade do nascituro para postular o direito de sua mãe ao recebimento de tratamento pré-natal deve ser aferido pelo juízo a quo no momento processual adequado, assim como a competência da Vara da Infância e da Juventude para conhecer e julgar a causa.

4- Por esses fundamentos, aos quais se acrescem os da bem lançada manifestação da douta Procuradoria Geral de Justiça, não se conhece em parte do agravo e, na parte conhecida, a ele se dá provimento, nos termos do acórdão.

José Cardinale

Relator

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