Aumento dos deputados

O problema é a composição da remuneração dos parlamentares

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6 de janeiro de 2007, 14h28

Peço licença para discordar do senso comum que tomou conta da mídia e das ruas nos últimos dias contra o aumento salarial dos parlamentares. Uma enxurrada de protestos populares (um aposentado chegou a se acorrentar a uma pilastra do salão azul do Senado Federal), manifestações contrárias às medidas de entidades e sindicatos, declarações de efeito de autoridades e muito populismo parecem ter cegado as pessoas para as distorções que de fato deveriam preocupar o país.

O salário de deputados e senadores, se considerarmos a importância da função de legislar e o fato de, como mandatários populares, ficarem sujeitos aos mais variados tipos de pressão – das justas às mais indecentes -, não pode ser menor do que o recebido por outros servidores que já iniciam a carreira ganhando mais de R$ 20 mil mensais.

O subsídio de R$ 24,5 mil, aprovado no dia 14 de dezembro, é apenas uma parte – a menor delas – do custo de um parlamentar para os cofres públicos. Somam-se a ele as verbas de gabinete e adicionais e o gasto mensal com parlamentares (594, sendo 513 deputados e 81 senadores). O total chega a R$ 67,7 milhões.

Pensar que uma boa – vá lá, ótima – remuneração aos parlamentares não é necessária, utilizando-se do perigosíssimo argumento de eles já receberem vantagens compensatórias para o amesquinhamento dos holerites, é institucionalizar o malfeito e admitir naturalmente o naturalmente inadmissível: que enriqueçam com as facilidades recebidas como salário indireto.

Em vez de espernear contra o aumento de salário de deputados federais e senadores, a sociedade deveria exigir a correção dos absurdos oficialmente previstos pelo atual sistema. Muito pior do que o aumento de 91% é o pagamento de 14º e 15º salário (contra o qual, inclusive, há proposta que será levada a plenário), ou a condenável prática de destinar a amigos e familiares parte dos R$ 50,8 mil mensais para gastos com servidores do gabinete.

Isso sem contar a verba indenizatória de até R$ 15 mil destinada a gastos nos estados de origem com escritório, locomoção etc. Ou ainda o auxílio-moradia de R$ 3 mil. Mais adicionais para gastos postais e de telefonia de R$ 4,2 mil. Além de verbas para passagens aéreas que variam de R$ 4,1 mil a R$ 16,5 mil, dependendo do trecho. No total, o gasto com cada parlamentar chega a até R$ 114 mil mensais.

Existe também uma verba anual de R$ 6 mil para publicações, assistência médica e assinatura de quatro jornais e uma revista. Saem do erário recursos para manter uma página na internet e caixa postal de e-mails com 40 megabytes, e acesso a TV a cabo, com canais nacionais e internacionais. Além disso, os parlamentares têm direito à aposentadoria proporcional depois de oito anos de mandato e de portar passaporte especial (diplomático) para si e familiares. Os senadores contam com mais mordomias que os deputados – carro oficial, motorista e auxílio-combustível.

Erra-se o alvo ao atacar o aumento salarial dos parlamentares em vez de buscar a correção das distorções. Tal equívoco tem repercutido no discurso oportunista de alguns representantes do Poder Executivo, que, pegando carona na comoção popular, passaram a pregar a “austeridade” difundindo a idéia da redução salarial nas suas esferas de poder.

Quando um prefeito, governador ou presidente anuncia que vai diminuir o próprio salário de forma a impedir que funcionários do Executivo tenham aumento, está pecando por duas razões. A primeira, por fazer “caridade com o chapéu alheio” e sacrificar os servidores públicos que pagam contas e têm compromissos tanto quanto os dos outros poderes. A segunda, porque gera estranheza um chefe de poder prescindir de bom salário e, ainda assim, levar uma vida, digamos, condizente com a dignidade do cargo.

Dando a César o que é de César, ponto para o presidente Lula, que, apesar do momento crítico, teve a coragem de defender o término da injustificável e discriminatória diferença salarial entre os Três Poderes.

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