Resgate da auto-estima

Informatização já é um passo para superar crise da Justiça

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6 de janeiro de 2007, 9h24

Ano novo, vida nova. Ao menos para a Justiça brasileira, esse lema é mais verdadeiro do que nunca. Isto porque, no dia 19 de dezembro de 2006, o Direito brasileiro deu um importante passo na tentativa de superar a crise de legitimidade há muito vivenciada pela sociedade, sobretudo em razão da propagada morosidade e ineficiência do Judiciário, e, assim, resgatar a nobreza de sua missão de pacificar os conflitos de interesse com justiça. Neste dia, foi sancionada e promulgada a Lei 11.419/06, que regulamenta a informatização do processo judicial e que entrará em vigor em março de 2007.

O processo deverá, portanto, apresentar-se para a sociedade brasileira em 2007 com uma injeção de auto-estima, trajando uma roupa mais elegante e moderna, aquela das novas tecnologias da informação. Elas que, já muito bem aproveitadas pelas organizações na esfera econômica, tornaram a informação acessível às pessoas em todo o orbe de forma instantânea, estabelecendo-se, mais do que uma revolução técnico-científica de proporções dantescas, como um inédito fenômeno de revolução cultural, que arraiga raízes tão profundas no período histórico vigente a ponto de tornar-se trivial designar as civilizações contemporâneas por expressões como “sociedade da informação” ou “sociedade digital”.

De fato, tal é, por exemplo, o crescimento exponencial da internet, que o italiano Rifkin, comicamente, diz que, no futuro, uma das penas, bem pior do que a de reclusão, será aquela de negar aos que violem as normas jurídicas o acesso à world wide web.

Com a nova lei, evidencia-se possível a existência de autos processuais totalmente eletrônicos, desmaterializados, sem papel; acessíveis 24 horas por dia, de qualquer parte do planeta, sem filas ou respeito ao horário de expediente forense, sem documentos perdidos, sem advogados engolindo — como narram os contos do Tribunal de Justiça de Pernambuco — importantes documentos do processo, sem réus se ocultando do recebimento de cartas de intimação — as comunicações processuais, em boa parte, também serão eletrônicas — numa espécie de sistema just in time do mundo dos negócios aplicado ao costumeiramente não tão dinâmico mundo jurídico.

É a jurisdição tecnológica, caracterizada pela simbiose entre o fenômeno jurídico e o tecnológico, que ajudará a promover uma tão sonhada cultura de celeridade da Justiça, de uma duração razoável do processo, que, ressalte-se, é um direito fundamental do cidadão, esculpido na Constituição da República, desde a Emenda Constitucional 45/04.

Por meio do Processo Judicial Telemático — cujo procedimento desenvolve-se por meios eletrônicos e redes telemáticas, isto é, de telecomunicações — os juízes armam-se contra seu maior inimigo: o tempo. De fato, o renomado jurista italiano Francesco Carnelutti bem afirmou que não é inapropriado comparar o tempo a um inimigo contra o qual o juiz luta sem descanso, eis que é ele um verdadeiro fator de corrosão de direitos.

Não é só o fator celeridade que protagoniza a importância do Processo Telemático, mas, vislumbra-se, em médio e longo prazo — uma vez que o investimento inicial será vultoso — que a Justiça sem papel torne-se mais barata. Um exemplo disso é o custo de armazenamento dos processos arquivados, muito mais barato que o dos autos cartáceos, numa época em que se chega a noticiar (matéria do jornal Folha de S. Paulo de 24/9/06) milhares de autos processuais sendo arquivados nos banheiros privativos dos magistrados por falta de espaço.

Outrossim, do ponto de vista da organização administrativa, o Judiciário poderá, no futuro, beneficiar-se de estatísticas judiciais confiáveis e em tempo real, inimagináveis hoje em dia, que ajudarão a identificar os gargalos do processo e, inclusive, a propor reformas verdadeiramente úteis. A transparência do Judiciário, com o grande aumento da publicidade, também ganha importantíssimo parceiro.

Todavia, tal evolução exige que estejamos atentos para fatores como, por exemplo, a inclusão digital da população; o tradicional conservadorismo e resistência à mudança por parte dos profissionais do Direito; a maximização da publicidade processual e os efeitos na privacidade dos cidadãos; além da interoperabilidade e da segurança dos sistemas informáticos dos tribunais (que têm a chamada assinatura digital, baseada na criptografia assimétrica, como principal alicerce).

De toda forma, não se pode negar que, ao menos por esse avanço, o Direito merece os aplausos enérgicos da população. Aproveitemos, assim, a tradicional renovação das esperanças propiciada pelo início de cada novo ano: há uma luz no fim do túnel!

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