O usuário paga

É abusivo cobrar ponto adicional de TV por assinatura

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6 de janeiro de 2007, 9h16

A cobrança de mensalidade por ponto adicional de TV por assinatura é abusiva. Não existem custos adicionais para a transmissão dos canais em outro ponto da residência, exceto os custos com instalação e equipamentos, que já são pagos pelo assinante. Por isso, as cláusulas contratuais que prevêem a cobrança devem ser consideradas nulas e os consumidores receberem, em dobro, os valores que já pagaram pelos pontos extras.

O entendimento é da juíza Maria Isabel Caponero Cogan, da 40ª Vara Cível do Foro Central de São Paulo. Ela declarou nula cláusula contratual que autoriza a cobrança de mensalidade de pontos adicionais.

No caso concreto, a Ação Civil Pública foi ajuizada pela Associação Nacional de Defesa da Cidadania e do Consumidor (Anadec) contra a Sky. Em caso de descumprimento, a multa é de R$ 10 mil por cada cobrança feita.

A Sky alegou que a cobrança é necessária porque a transmissão é feita via satélite, diferente daquela à cabo que tem simples formato de transmissão. Argumentou, ainda, que a Lei 9.472/97 estabelece liberdade na fixação dos preços. Além disso, observou que se deixar de cobrar pelo ponto extra, o custo teria de ser dividido entre todos os assinantes, inclusive aqueles que não possuem o benefício.

A juíza ressaltou que não há relevância no fato de a transmissão dos canais ser feita por satélite ou por cabo. Segundo ela, a questão é adequar as práticas dos fornecedores de produtos e serviços às disposições do Código de Defesa do Consumidor.

Ela explicou o que é prática abusiva, citando o Código Brasileiro de Defesa do Consumidor Comentado pelos Autores do Anteprojeto. “As práticas abusivas nem sempre se mostram como atividades enganosas. Muitas vezes, apesar de não ferirem o requisito da veracidade, carreiam alta dose de imoralidade econômica e de opressão.”

A juíza também citou o artigo 39, inciso V, do Código de Defesa do Consumidor. O dispositivo diz que é vedado ao fornecedor de produtos e serviços exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva. Para Maria Isabel, a vantagem manifestamente excessiva está na cobrança por serviços não prestados, “gerando enriquecimento sem causa da requerida”.

Decisões

Não se conhece decisão de segunda instância sobre esta matéria. No começo de 2006, ao julgar ação da Anadec contra a Net, o juiz da 24ª Vara Cível de Brasília considerou que se a cobrança não está expressamente prevista em lei, não pode ser cobrada. Segundo ele, “não pode o concessionário interpretar a lei de forma a beneficiá-lo em detrimento do consumidor do serviço”.

Em outra, também contra a Net, o juiz da 8ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro concluiu que “a empresa deve fornecer o serviço de modo adequado e eficaz, acompanhado do inevitável desenvolvimento econômico e tecnológico, mas sempre com observância do disposto no Código de Defesa do Consumidor”. Nesse caso, a ação foi proposta Comissão de Defesa do Consumidor da Assembléia Legislativa fluminense.

Leia a determinação:

40ª Vara Cível do Foro Central

Processo nº 583.00.2005.119709-6

Vistos.

ANADEC – ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE DEFESA DA CIDADANIA E DO CONSUMIDOR

Ajuizou

AÇÃO CIVIL PÚBLICA c/c PEDIDO DE LIMINAR em face de SKY BRASIL SERVIÇOS LTDA., alegando, em síntese, ser abusiva e ilegal a cobrança do chamado “ponto adicional” ou “ponto extra” na residência do assinante dos serviços prestados pela requerida consistente na emissão de sinais de TV a cabo, invocando a natureza pública e essencial dos serviços e o Código de Defesa do Consumidor.

Requer seja declarada nula toda e qualquer cláusula contratual que autorize tal cobrança, condenando-se a requerida a devolver, em dobro, a todos os consumidores que se submeteram a cobrança.

A inicial veio acompanhada de documentos (fls. 19/42). O Representante do Ministério Público manifestou-se às fls. 44/46. A tutela antecipada não foi concedida (fls. 47). Regularmente citada (fls. 50), a requerida contestou (fls. 89/101), argüindo, preliminarmente, ilegitimidade ativa e inépcia da inicial.

No mérito, pugnou pela improcedência, alegando que a sua prestação de serviços se dá em regime privado consistente em transmissão de sinais de televisão por assinatura, via satélite, não se confundindo com os de televisão por cabo, pelo que seu formato é de simples autorização, regulamentando-se pela Lei nº 9.472/97, que estabelece a liberdade na fixação dos preços.

No mais, alega a regularidade da cobrança dos pontos adicionais e que a supressão acarretaria em transferência dos custos aos pontos principais, em prejuízo daqueles que não utilizam os pontos adicionais. Com a defesa, vieram os documentos (fls. 102/130).

Houve réplica (fls. 132/158). Instadas a especificarem provas, as partes requereram o julgamento antecipado (fls. 161 e 163/164). Manifestou-se o Representante do Ministério Público, requerendo a rejeição das preliminares e o decreto de procedência da ação (fls. 166/174). A conciliação restou infrutífera (fls. 178). As partes ofertaram suas razões finais (autora: fls. 184/187 e 189/199; requerida: fls. 204/210, com documentos de fls. 211/228).

É o relatório.

FUNDAMENTO E DECIDO.

Julgo antecipadamente o feito, porquanto a matéria é unicamente de direito, prescindindo de dilação probatória, nos termos do inciso I do artigo 330 do Código de Processo Civil, mesmo porque neste sentido manifestaram-se as partes. Rejeito a preliminar de ilegitimidade da autora.

Cuida-se de ação civil pública ajuizada por associação com finalidades institucionais de proteção ao consumidor e constituída desde janeiro de 1999, pelo que preenchidas as exigências legais, de modo que a autora tem legitimidade para figurar no pólo ativo da presente, prescindindo de autorização assemblear para tanto, nos termos do que dispõe o art. 82, inciso IV, do Código de Defesa do Consumidor.

Mister consignar que a autorização está ínsita na própria razão de ser da autora, enunciada nos seus atos constitutivos. Afasto, outrossim, a inépcia da inicial, porquanto a questão ventilada confunde-se com o mérito e será com ele analisada a seguir.

No mérito, a ação é procedente. É inegável e incontroversa a natureza de prestadora de serviços da requerida, que oferece aos seus assinantes, como destinatários finais, os seus serviços na área de telecomunicações, especificamente, a distribuição de sinais de televisão e de áudio por assinatura via satélite (DHT).

Em que pese toda a argumentação da requerida, o fato é que é irrelevante se a mesma atua mediante concessão ou autorização, se é regida por uma determinada legislação ou outra, se presta serviços de natureza privada ou pública, se seus sinais são transmitidos via satélite ou por meios de cabo.

Trata-se, pois, de adequar as práticas dos fornecedores de produtos e prestadores de serviços às disposições do Código de Defesa do Consumidor que, além de enunciar princípios que lhe são próprios, apenas relembra princípios tão antigos quanto à própria consciência do Direito (equilíbrio, boa-fé, harmonia etc), e que devem permear todas as relações humanas, de modo que seja repelida a prática de determinadas condutas em detrimento dos consumidores.

Ressalte-se que a prática abusiva é a desconformidade com os padrões de boa conduta em relação ao consumidor, ferindo “os alicerces da ordem jurídica, seja pelo prisma da boa-fé, seja pela ótica da ordem pública e dos bons costumes” (Código Brasileiro de Defesa do Consumidor Comentado pelos Autores do Anteprojeto, Forense Universitária – 7ª edição, pág. 319).

Seguindo, ainda, os ensinamentos da obra citada, “as práticas abusivas nem sempre se mostram como atividades enganosas. Muitas vezes, apesar de não ferirem o requisito da veracidade, carreiam alta dose de imoralidade econômica e de opressão”.

Pois bem. A cobrança dos pontos extras como prestação de serviço adicional está configurada no inciso V do artigo 39 do Código de Defesa do Consumidor.

Prescreve o aludido dispositivo: “Art. 39 – É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas: … V – exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva;”. Mister que se consigne, primeiramente, que não é questão de fixar o preço dos serviços, porquanto, mesmo sendo livre, não há que se falar em cobrança de serviços não efetivamente prestados, ou seja, não há que persistir contraprestação sem que tenha havido a devida prestação dos serviços.

Com efeito, ao contratar os serviços prestados pela requerida, os consumidores aderem a um plano que lhes disponibilizarão sinais de televisão, mediante o pagamento de uma taxa de adesão, custos de equipamentos e assinatura mensal.

Não se vislumbra prestação adicional ou extra aos adquirentes dos chamados “pontos adicionais ou extras”, inexistindo outros custos adicionais, além dos custos com instalação e equipamentos, os quais já são pagos pelo consumidor quando adquirem tais pontos.

A presunção milita em favor dos consumidores, não só pela hipossuficiência, mas pela verossimilhança dos fatos alegados pela autora, incumbindo a requerida fazer prova que, de fato, presta serviços adicionais no caso dos pontos adicionais ou extras.

Neste sentido, a requerida não se desencumbiu de seu ônus, sendo certo que desconexões, danos em equipamentos, mudança de instalação, reformas no imóvel, intempéries, são reparos efetuados pela requerida mediante pagamento de taxas extras, independentemente se o ponto é principal ou adicional.

A vantagem manifestamente excessiva está, exatamente, na cobrança por serviços não prestados, gerando, evidente, enriquecimento sem causa da requerida.

Por fim, configurada a abusividade da cobrança dos pontos adicionais ou pontos extras, de rigor a aplicação do parágrafo único do artigo 42 do Código de Defesa do Consumidor, ou seja, o “consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso” (pontos adicionais ou pontos extras).

Mister consignar que o dolo ou culpa necessários para o dever de repetição são presumidos pela cobrança de seus assinantes por serviços não prestados.

Por outro lado, considerando a disposição da legislação consumerista que estabelece o prazo prescricional de 05 (cinco) anos para a pretensão de reparação por danos, entendo que a reparação pela prática abusiva ora reconhecida deverá alcançar o período anterior até 05 (cinco) anos do trânsito em julgado desta decisão.

Isto posto, julgo PROCEDENTE a AÇÃO CIVIL PÚBLICA c/c PEDIDO DE LIMINAR ajuizada por ANADEC – ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE DEFESA DA CIDADANIA E DO CONSUMIDOR em face de SKY BRASIL SERVIÇOS LTDA., para o fim de declarar nula toda e qualquer cláusula contratual que autorize a cobrança dos pontos adicionais ou pontos extras dos assinantes dos serviços prestados pela requerida, sob pena de multa de R$ 10.000,00 (dez mil reais) por cada cobrança, da natureza ora declarada nula, após o trânsito em julgado da presente.

Condeno, outrossim, a requerida a devolver, em dobro, os valores, corrigidos monetariamente desde o desembolso, conforme os índices da tabela do E. Tribunal de Justiça deste Estado e acrescido de juros legais à taxa de 1% (um por cento) a.m. desde a citação, pagos pelos consumidores a título de contraprestação pelos pontos adicionais ou pontos extras no período de 05 (cinco) anos que retroagirá a partir do trânsito em julgado desta decisão.

Em razão da sucumbência, deverá a requerida arcar com as custas e despesas processuais atualizadas desde o desembolso até o efetivo pagamento, bem como honorários advocatícios que ora fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa.

P.R.I.

São Paulo, 22 de novembro de 2006.

MARIA ISABEL

CAPONERO COGAN

Juíza de Direito

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