Direito à informação

Tribunais tendem a valorizar publicidade de seus atos

Autor

  • Vladimir Passos de Freitas

    é professor de Direito no PPGD (mestrado/doutorado) da Pontifícia Universidade Católica do Paraná pós-doutor pela FSP/USP mestre e doutor em Direito pela UFPR desembargador federal aposentado ex-presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Foi secretário Nacional de Justiça promotor de Justiça em SP e PR e presidente da International Association for Courts Administration (Iaca) da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário (Ibrajus).

5 de janeiro de 2007, 6h00

O conhecimento, por parte dos administrados, dos atos praticados pelo poder público é o foco das atenções na atualidade. Corporações multinacionais cada vez mais fortes e Estados cada vez mais fracos, fruto da corrupção e da lerdeza no adaptar-se à vida moderna, vêm fazendo com que a sociedade organizada se torne a esperança de sucesso nas reivindicações de interesse público. Daí o fortalecimento das hoje chamadas ONGs, nome importado do inglês ─ Non-Governmental Organizations (NGOs) para expressar as associações e fundações previstas no nosso Código Civil.

Dentre as inúmeras aspirações da sociedade civil organizada está a de livre expressão, de conhecer, informar-se, acompanhar os atos da administração pública. Para tal fim, existe, por exemplo, ONG com finalidade específica, qual seja, a conhecida Transparência Brasil. A matéria foi tratada pela primeira vez pela Convenção Americana de Direitos Humanos, mais conhecida como Pacto de San Jose da Costa Rica, de 1969, e cuja entrada em vigor no Brasil deu-se apenas em 1978. Dispõe aquele tratado internacional que:

“Artigo 13, item 3 – Não se pode restringir o direito de expressão por vias e meios indiretos, tais como o abuso de controles oficiais ou particulares de papel de imprensa, de freqüências radioelétricas ou de equipamentos e aparelhos usados na difusão de informação, nem por quaisquer outros meios destinados a obstar a comunicação e a circulação de idéias e opiniões”.

Na mesma linha, o Tratado de Amsterdã, que criou a Comunidade Européia, assinado em 1991 e que entrou em vigor em 1997, dispõe que:

“Artigo 225 – Qualquer cidadão da União e qualquer pessoa física ou jurídica que residam ou tenham sede social em um Estado-membro têm direito de acesso aos documentos do Parlamento Europeu, do Conselho e da Comissão”.

No Brasil, a Constituição Federal estabelece no artigo 5º, que:

“Inciso XIV – É assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional”.

Ressalta-se que este dispositivo garante ser o acesso à informação direito de um e de todos, ou seja, não se dirige apenas aos profissionais de imprensa. Na mesma linha de relevância:

“Inciso XXXIII – Todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo em geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado”.

Como observou o jornalista Gaudêncio Torquato, há um imenso vácuo no meio da sociedade, por onde circulam novos movimentos e uma miríade de organizações não-governamentais que atuam na esfera das micropolíticas, principalmente em espaços debilmente ocupados pelo Estado, como a igualdade de gêneros, direitos humanos, meio ambiente e minorias (O Estado de S. Paulo, 19/12/06, A-2).

Tais direitos, de ampla repercussão na vida de todos os brasileiros, na realidade, são pouco conhecidos e utilizados. Muito embora importantes por si sós, estão complementados por legislação de alto significado democrático e participativo. Afinal, ao máximo de corrupção corresponde o máximo de segredo ou, invertendo, quanto maior a publicidade, menor a probabilidade de corrupção.

Vejamos alguns exemplos na legislação infraconstitucional. A Lei 9.784/99 dispõe no artigo 2º, parágrafo único, inciso V, a obrigação da administração divulgar os atos administrativos, salvo as hipóteses de sigilo previstas na Constituição. O Código do Consumidor, Lei 8.078/90, prevê o direito à informação nos artigos 6º e 31. O Estatuto da Cidade, Lei 10.257/01, no artigo 40, parágrafo 4º, incisos II e III, garante aos cidadãos o direito à publicidade quanto aos documentos e informações produzidos e o acesso pleno a qualquer interessado, sendo que o prefeito municipal que impedir ou deixar de garantir tais direitos incorrerá em improbidade administrativa, conforme Lei 8.429/92. Na mesma linha, a Lei 10.650/03 trata do direito à informação ambiental e pode ser aplicada, por analogia, nos estudos sobre a matéria.

De resto, saliente-se que o direito à informação não se restringe ao que consta nas repartições públicas, mas também na obrigação do Estado produzir a informação, quando inexistente. Este tópico e os demais aqui tratados foram abordados com maestria pelo professor Paulo Affonso Leme Machado, na obra Direito à Informação e Meio Ambiente, Ed. Malheiros, 2006.

A transparência nos tribunais

O Poder Judiciário, como poder público que é, se sujeita às mesmas regras existentes para o Executivo e o Legislativo. Muito embora esta seja uma afirmação óbvia, há quem duvide ou nem mesmo cogite disto. Assim, como entes da administração pública, devem os tribunais possibilitar à sociedade civil a mais ampla divulgação de seus atos. Excetuados, evidentemente, aqueles que digam respeito à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem das pessoas, ou cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado, não sendo demais lembrar que a lei só pode restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem (CF, artigo 5º, incisos X, XXXIII e LX).


A realidade brasileira revela que nossos tribunais, geralmente, são órgãos administrados de forma tradicional, pouco adequados aos princípios da moderna gestão administrativa e que, não raramente, valorizam vestes, rituais, um cerimonial pouco afeito ao século XXI. Retratam uma visão soberana, em que o Estado é o senhor e a pessoa, o súdito. Não é por coincidência que a mais alta corte de Portugal no Brasil Colônia chamava-se Casa de Suplicação. O autor da ação denominava-se suplicante, expressão ainda usada há poucas décadas. A relação entre o Estado-Judiciário e o cidadão faz pressupor que a concessão de Justiça é um obséquio, um favor, uma concessão patriarcal.

Em tal quadro, evidentemente, a transparência dos atos administrativos só existe por exceção. Ao inverso, há nos demais Poderes alguns bons exemplos de tal prática. Por exemplo, a Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul coloca em seu site o valor das diárias.

Em um primeiro momento, desabituado de tal tipo de informação, poderá o cidadão questionar-se sobre o que os tribunais podem fazer a respeito. Isto porque o primeiro pensamento que lhe vem à mente é que um tribunal existe para julgar recursos contra decisões da primeira instância e, conseqüentemente, não é um órgão de administração. Ledo engano. Os tribunais praticam muitos e importantes atos administrativos. Alguns contam com mais de mil servidores. A gestão administrativa envolve significativos gastos com servidores, papel, luz, água, licitações, resíduos sólidos e outros tantos. Em outras palavras, o fato da missão de um tribunal ser a de julgar, não quer dizer que ele não tenha uma relevante atribuição ao administrar.

Por outro lado, publicidade e transparência possuem peculiaridades próprias. A publicidade dá conhecimento a todos de práticas administrativas. Por exemplo, o tribunal publica no Dário Oficial todos os atos administrativos de compra de bens de consumo. A transparência vai além. Exemplificando novamente, o tribunal segue adiante, não apenas informando pelo órgão oficial, como divulgando o fato por meio da internet e respondendo indagações através da sua ouvidoria.

Finalmente, transparência requer manutenção permanente, caso contrário se perde na rotina. Por exemplo, de nada adianta que a administração de um tribunal ordene medidas de economia de água, luz, construção de fóruns com previsão de aproveitamento de água da chuva, recolhimento correto das lâmpadas de mercúrio e uso de papel não clorado, se a gestão que o suceder, ainda que sem revogar explicitamente qualquer ato administrativo, deixe de fiscalizar a prática das salutares medidas. Por tudo isso, uma eficiente atuação de gestão ambiental deve, em caráter permanente, zelar pela:

a) coleta de informações;

b) organização completa e veraz dos dados;

c) facilitação do acesso às informações;

d) resposta rápida às demandas apresentadas;

e) transmissão contínua e direta dos dados, a fim de que cheguem diretamente aos interessados;

f) possibilidade de serem verificadas e discutidas as informações;

Levantamento da transparência nos tribunais

No Brasil, não existe o hábito de promover-se pesquisas sobre o Poder Judiciário. A universidade preocupa-se muito com ensino e discussões teóricas e pouco com análise de casos, pesquisa de campo ou comparações estatísticas. Visando apurar o índice percentual de transparência nos tribunais, criaram-se, em novembro de 2006, dois grupos de trabalho de alunos da graduação em Direito da Pontifícia Universidade Católica do Paraná, módulo temático em Poder Judiciário na Constituição, política judiciária e administração da Justiça. Aos grupos caberia promover o levantamento, via internet, da transparência em cada Tribunal de segunda instância. Ao grupo 1 coube pesquisar os Tribunais da Justiça da União, ou seja, os Tribunais Regionais Federais (que são cinco) e os Tribunais Regionais do Trabalho (24).

Ao grupo 2 foi dado pesquisar os 27 Tribunais de Justiça (26 estados mais o Distrito Federal). As indagações eram, para os dois grupos, as mesmas. Versavam, entre outras, sobre publicidade dos atos administrativos pela internet, indicadores de produtividade dos magistrados de primeiro e segundo grau, divulgação ampla de concursos públicos, existência de ouvidoria, publicidade de processos disciplinares ou criminais contra magistrados, existência de setor de comunicação social, publicação da pauta de sessões administrativas. No entanto, ressalta-se que se trata de pesquisa informal feita por estudantes de Direito e não por profissionais da Estatística, portanto sujeita a equívocos.

No âmbito de Poder Judiciário da União, constatou-se que os TRFs guardam maior uniformidade em seus procedimentos. Tal se dá, certamente, porque o Conselho da Justiça Federal, do qual fazem parte os Presidentes dos TRFs, costuma editar atos administrativos genéricos para os cinco regionais. Mesmo assim, encontram-se algumas diferenças. Verificou-se que todos dão ampla publicidade aos seus concursos públicos, possuem ouvidorias e divulgam estatísticas de produtividade, ainda que estas nem sempre sejam explícitas quanto ao nome do magistrado. Os TRFs 2 e 5 divulgam as atas de suas sessões administrativas e processos administrativos contra magistrados. Os TRFs 1,2,4 e 5 publicam as sentenças dos juízes de primeiro grau na internet. Todos publicam os acórdãos na internet. Os TRFs 1 e 3 divulgam na internet os projetos e obras de fóruns.


Na esfera da Justiça do Trabalho, a situação é um pouco diversa. Os sítios são diferentes e isto dificulta a pesquisa. Nem sempre há ícones e por vezes é preciso telefonar para obter uma informação. Constatou-se, examinando os 24 TRTs existentes (em SP são dois, TRT-2 e TRT-15), que os TRTs 1,2, 3,4,7,8,10,11,1217,18, 19, 20,21,22,23 e 24 publicam as sentenças de primeiro grau na internet. À exceção de três, todos publicam os acórdãos na internet. A estatística de primeira e segunda instância é publicada nos TRTs 2,3,5,6,7,9, 16 e 18.

À exceção de dois, todos possuem ouvidoria. Todos divulgam amplamente seus concursos públicos. Divulgam processos disciplinares envolvendo seus juízes os TRTs 2,3,4,7,8,16,23 e 24. As atas das sessões administrativas são divulgadas pelos TRTs 11,15,16,17,18,20,21,23 e 24. Projetos e obras de fóruns são noticiadas pelos TRTs 1,5,6, 9,10,15,16,22 e 24.

No âmbito da Justiça Estadual, encontra-se maior individualismo, situações mais peculiares a cada tribunal. Isto é normal. Os estados gozam de maior autonomia na organização de suas Justiças, além do que guardam enorme diferença entre si em razão da economia, população, movimento forense e até do tempo de existência, existindo tribunais seculares, prolongamento das relações do reino, até outros bem mais recentes, fruto da criação de novos estados na federação. Vejamos alguns dados de interesse.

Na Região Norte, o TJ do Amapá publica todas as sentenças e acórdãos na internet. O Tribunal de Rondônia divulga todos os processos disciplinares e criminais contra os seus magistrados, possui ouvidoria, publica os projetos de obras de fóruns e as atas das sessões administrativas. O TJ de Roraima divulga a gestão fiscal, execução e balanço orçamentário. Todos divulgam seus concursos públicos.

Na Região Nordeste, os TJs do Piauí e Ceará apresentam alto grau de divulgação, tornando públicas sentenças e acórdãos, estatísticas de produtividade, inclusive de Juizados Especiais e Turmas Recursais, possuem ouvidoria, informam bem sobre os seus concursos públicos e divulgam sessões administrativas com as respectivas atas. No TJ de Pernambuco, as obras são divulgadas, inclusive os serviços de engenharia. O TJ do Rio Grande do Norte divulga bem seus atos, inclusive a produtividade de seus magistrados.

Na Região Sudeste, o TJ do Rio de Janeiro dá informações sobre as estatísticas de primeiro e segundo grau, produtividade dos Juizados Especiais e Turmas Recursais, concursos públicos e tem sua ouvidoria. O TJ de São Paulo divulga os processos disciplinares e criminais movidos contra os seus magistrados, seus concursos e publica as atas das sessões administrativas. O TJ de Minas Gerais divulga as estatísticas no âmbito interno, o andamento dos seus processos, as licitações e concursos públicos. O TJ do Espírito Santo publica as sentenças e os índices de produtividade de seus magistrados.

Na Região Sul, o TJ do Rio Grande do Sul disponibiliza o endereço e telefone de seus magistrados e seus concursos são amplamente divulgados. O TJ de Santa Catarina oferece a estatística de seus magistrados de primeira e segunda instância e tem boa divulgação de sua ação administrativa. O TJ do Paraná divulga os processos disciplinares por meio do número, dá informações sobre as obras de construção de Fóruns e publica as atas de suas sessões administrativas pela internet.

Conclusões

1 – A transparência é algo novo nos tribunais e não existe um estudo, planejamento ou coordenação para torná-la mais efetiva;

2 – Há tribunais que, voluntariamente, divulgam de forma mais ampla seus atos judiciais e administrativos, avançando mais neste terreno pouco conhecido;

3 – Há uma tendência geral de os tribunais adotarem posições mais abertas diante da sociedade. Prova disto é a existência, de forma quase absoluta, de ouvidorias à disposição dos interessados.

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