República dos princípios

Em 2006, Justiça garantiu legalidade e presunção da inocência

Autor

  • José Luís Oliveira Lima

    é advogado criminalista ex-presidente da CAASP e da Comissão de Prerrogativas da OAB/SP e membro do Instituto dos Advogados e do Conselho Fiscal do Innocence Project Brasil.

5 de janeiro de 2007, 12h29

Este texto sobre Direito Penal faz parte da Retrospectiva 2006, uma série de artigos em que são analisados os principais fatos e eventos nas diferentes áreas do direito e esferas da Justiça ocorridos no ano que terminou.

Em 2006, a ação da magistratura — em especial do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal — foi fundamental para a garantia do direito de defesa, do princípio da presunção de inocência e do princípio da legalidade, que foram atingidos em várias oportunidades.

Exemplo paradigmático que coroou essa tese foi a decisão do ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, que, no Habeas Corpus 87.725-7 reafirmou e reconheceu o direito de os advogados terem acesso ao resultado das investigações já incorporadas ao inquérito, requisito básico para a defesa de acusados que, muitas vezes, não sabem sequer o que lhes é imputado.

Pela decisão do ministro, mesmo que o inquérito esteja sob sigilo, o mesmo não atinge os advogados do investigado. O defensor sempre poderá ter acesso a todas as informações que estiverem inseridas nos autos, inclusive às provas sigilosas. O advogado não pode acompanhar o policial no momento da produção das provas, mas pode ter acesso a elas depois de incluídas no inquérito.

A questão deveria ser clara e inquestionável, mas o Judiciário teve de ser provocado em todas as suas instâncias para fazer valer esse direito. Houve casos em que foram necessárias três liminares para que o advogado pudesse ter acesso a todo o inquérito policial e, assim, preparar a defesa do cliente.

Ao discorrer sobre o princípio da comunhão das provas, o ministro defendeu que “a unilateralidade das investigações preparatórias da ação penal não autoriza a Polícia Judiciária a desrespeitar as garantias jurídicas que assistem ao indiciado, que não mais pode ser considerado mero objeto de investigações”.

Se uma das muitas vertentes do tema investigação criminal foi pacificada pelo Supremo, outra ainda mais importante para o Direito Penal ficou indefinida: a legalidade das investigações criminais realizadas pelo Ministério Público.

O tema está parado no Supremo Tribunal Federal desde 2004. O julgamento foi suspenso por pedido de vista do Ministro Cezar Peluso com o placar em três a dois a favor do poder do Ministério Público de conduzir investigação criminal. A questão discutida no Inquérito 1.968, deixa criminalistas, promotores e procuradores ansiosos por uma definição.

A defesa do investigado pede a nulidade da denúncia sob o argumento de que ela foi baseada em investigação criminal conduzida pelo próprio Ministério Público. Enquanto o Supremo Tribunal Federal não define a questão, o Conselho Nacional do Ministério Público se adiantou e aprovou a Resolução 13/06, que regulamenta a investigação criminal feita por promotor, resolução essa manifestamente ilegal.

A norma foi de pronto contestada pela Ordem dos Advogados do Brasil no Supremo Tribunal Federal, que pede que seja declarada a sua inconstitucionalidade. O pertinente argumento da Ordem é o de que o poder para legislar sobre Direito Penal ou Processual Penal é exclusivo da União. Além do que, se nem a Constituição, nem a Lei Orgânica do Ministério Público dão ao MP o poder de investigação criminal, o CNMP é que não poderia fazer isso.

A ministra Ellen Gracie decidiu não analisar pedido de liminar na ação e encaminhou a matéria para ser discutida direto pelo Plenário, logo após o recesso forense. É o que se espera.

Entre boas notícias na esfera criminal, uma decisão do Supremo Tribunal Federal, de fevereiro de 2006, foi destacadamente importante para o fortalecimento do Estado Democrático de Direito: por seis votos a cinco, a Corte declarou que condenados por crimes hediondos têm direito à progressão de regime prisional. Os ministros consideraram inconstitucional o parágrafo 1º, do artigo 2º, da Lei 8.072/90 — a Lei dos Crimes Hediondos.

O relator do processo, ministro Marco Aurélio, apontou os “contornos contraditórios” da lei. O artigo 5º da lei assegura aos condenados pela prática de tortura ou terrorismo e por tráfico de entorpecentes, a possibilidade de obter liberdade condicional, desde que não reincidentes.

Com a descrição do artigo 5º, o eminente ministro Marco Aurélio entendeu que norma “contém preceitos que fazem pressupor não a observância de uma coerente política criminal, mas que foi editada sob o clima de emoção, como se no aumento da pena e no rigor do regime estivessem os únicos meios de afastar-se o elevado índice de criminalidade”.

O ministro citou a promulgação da Lei de Tortura (9.455/97), que permite a progressão de regime para condenados pela prática, também considerada hedionda. A norma prevalece sobre a Lei dos Crimes Hediondos. O ministro Marco Aurélio seguiu o raciocínio de que não há razão para que o sistema progressivo possa ser aplicado aos condenados por tortura e negado aos condenados por crime hediondo — e foi seguido por cinco dos outros dez ministros.

Concluindo, entendo que tanto o Superior Tribunal de Justiça como o Supremo Tribunal Federal, em decisões importantes, deixaram claro para a sociedade brasileira que princípios constitucionais devem ser rigorosamente seguidos, pois, do contrário, o Estado Democrático de Direito será maculado.

Autores

  • é advogado criminalista, membro do Instituto dos Advogados, ex-presidente da Comissão de Direitos e Prerrogativas da OAB-SP, ex-presidente da Caixa de Assistência dos Advogados de São Paulo – Caasp.

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