Tributos a brasileira

República fiscal vai mal e não corre risco de melhorar

Autores

  • Ives Gandra da Silva Martins

    é professor emérito das universidades Mackenzie Unip Unifieo UniFMU do Ciee/O Estado de S. Paulo das Escolas de Comando e Estado-Maior do Exército (Eceme) Superior de Guerra (ESG) e da Magistratura do Tribunal Regional Federal da 1ª Região professor honorário das Universidades Austral (Argentina) San Martin de Porres (Peru) e Vasili Goldis (Romênia) doutor honoris causa das Universidades de Craiova (Romênia) e das PUCs PR e RS catedrático da Universidade do Minho (Portugal) presidente do Conselho Superior de Direito da Fecomercio-SP ex-presidente da Academia Paulista de Letras (APL) e do Instituto dos Advogados de São Paulo (Iasp).

  • José Rubens Marone

2 de janeiro de 2007, 14h38

Este texto sobre Direito Tributário faz parte da Retrospectiva 2006, uma série de artigos em que especialistas analisam os principais fatos e eventos nas diferentes áreas do direito e esferas da Justiça ocorridos no ano que terminou.

Após 1998, com a crise asiática, a política tributária em sua real acepção foi abandonada pelos governos que se sucederam até o atual, para adotar-se a política de arrecadação como forma a garantir o superávit primário e a confiabilidade externa, não pela redução das despesas do paquidérmico Estado brasileiro de mais de 5.500 municípios, 27 Estados e União Federal, mas pelo aumento de receitas.

O ano de 2006 não foi diferente; a carga tributária de 38% do Produto Interno Bruto mostrou que o quadro ainda persevera ao custo de um peso insuportável ao contribuinte em face, inclusive, da incapacidade das ineficientes estruturas administrativas em prestar serviços de qualidade.

Permaneceram nesse ano, como herança para o futuro, as cargas burocrática e tributária e o perverso sofisma de que reforma tributária, para solucionar os entraves do desenvolvimento, teria que aumentar mais a insuportável carga de tributos pela necessidade de mais recursos para Estados e Municípios, desconsiderando-se o fato, inexorável, de que a Federação brasileira não cabe no PIB.

Os tributos arrecadados em 2006, como é notório, destinaram-se à burocracia em que se amontoam servidores de carreira e os “amigos do rei”, o que faz com que se perca a esperança de um governo que diminua o peso dos tributos e o tamanho da máquina, procedendo-se à reforma administrativa antes de uma reforma tributária. O auto-aumento, sem qualquer pejo, dos subsídios de deputados federais, estaduais, vereadores das 5.500 entidades federativas é a demonstração inequívoca que os parlamentares não estão a serviço do povo, mas a seu próprio serviço.

A respeito dessa reforma fiscal, 2006 foi o 18º ano consecutivo de sua discussão, lembrando-se que a Emenda Constitucional 42/03 e outras emendas trouxeram apenas pífias modificações e aumento de instrumentos de intimidação do Fisco além dos meios de garantir aumento de receita.

Tratou-se 2006 de ano eleitoral em que, previsivelmente, não se enfrentou o poder político da máquina pública de União, Estados e Municípios contrária a uma reforma que livre a economia de suas amarras, permitindo o crescimento. Tais estruturas, pelos detentores de seu poder e administração, desejam apenas aumento de tributos para dar conta do superávit primário excessivamente calibrado e, principalmente, para sustentar a máquina administrativa com sua esclerose e inchaço de uma burocracia não profissionalizada composta, só no Governo Lula, de 40.000 servidores contratados sem concurso.

Continuaram, em 2006, a União satisfeita com os instrumentos que garantiram sua imposição absurda, os estados com a guerra fiscal do ICMS e os municípios com a imoral possibilidade de arrecadar o ISS tanto no local da prestação de serviços como no local do estabelecimento.

Por outro lado, o mundo progrediu; a China pensa em reduzir seu crescimento econômico para 8% em 2007, tendo experimentado a fantástica taxa de 10,5% em 2006, enquanto nosso Banco Central divulga o Boletim Focus revendo para baixo o crescimento econômico no Brasil em 2006, de 2,86% para 2,80%.

O País também teve menor crescimento que os emergentes Rússia e Índia, que no primeiro trimestre deste ano, cresceram 4,6% e 9,3%, respectivamente.

Eficiência arrecadatória

Se pelo lado da prestação de serviços para a sociedade a administração pública brasileira prima pela total ineficiência, para o privilégio de seus interesses arrecadatórios essa eficiência se manifesta.

Exemplo disso é o Sistema Público de Escrituração Digital que teve em 2006 um impulso de implantação.

Trata-se de processo de informatização da relação fisco-contribuinte para fins do cumprimento por este de obrigações acessórias, a serem transmitidas às administrações tributárias e órgãos fiscalizadores por intermédio de sistema com certificação digital, que abrange o os subprojetos de Escrituração Contábil Digital, Escrituração Fiscal Digital e a Nota Fiscal Eletrônica.


O sistema baseado na previsão da Emenda Constitucional 42, Inciso XXII, art. 37, teve o nascedouro em 2004, no I Encontro Nacional de Administradores Tributários – Enat, reunindo os titulares das administrações tributárias federal, estaduais, do Distrito Federal e dos municípios de capitais em que se aprovou protocolos de cooperação técnica nas áreas do cadastramento e Nota Fiscal Eletrônica. Passou pelo fórum de discussão dos Coordenadores e Administradores Tributários Estaduais (Encat), pela Reunião Técnica do Enat/Encat, em São Paulo-SP, em 27 de abril de 2005; e em agosto/2005. No II Enat, em São Paulo, os Secretários de Fazenda dos estados e DF, o Secretário da Receita Federal e os representantes das Secretarias de Finanças dos municípios das Capitais assinaram o Protocolo Enat 03/2005, visando o desenvolvimento e a implantação da Nota Fiscal Eletrônica, consolidando o projeto com a participação da Receita Federal do Brasil (RFB).

A iniciativa de integração das administrações tributárias da federação permite o cumprimento das obrigações acessórias pela transmissão de informações pelos contribuintes às administrações tributárias e aos órgãos fiscalizadores e instituições como Banco Central, CVM, DNRC entre outros.

O Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) o Secretário Geral da Receita Federal do Brasil celebraram o ajuste Sinief 07/05 que Institui a Nota Fiscal Eletrônica e o Documento Auxiliar da Nota Fiscal Eletrônica, já com patente vício de inconstitucionalidade e arbitrariedade pelas previsões de que o arquivo digital da NF-e só poderá ser utilizado como documento fiscal, após ser transmitido eletronicamente à administração tributária, e ter seu uso permitido por meio de Autorização de Uso da NF-e. Isto vale dizer que o fisco deverá autorizar a emissão da nota fiscal eletrônica e o fará apenas mediante a prova, a seu juízo, de regularidade fiscal do emitente, padecendo, em caso de obrigatoriedade, de evidente vício jurídico-constitucional.

Isto porque, se tal sistemática for imposta implicará afronta pelo Confaz dos princípios norteadores da administração pública da razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência, pelo caráter coercitivo implícito limitador da atividade econômica. E também contrário, diga-se, à orientação jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal manifestada nas súmulas 70 323 e 547 que não admitem a interdição de estabelecimento como meio coercitivo para cobrança de tributo, a apreensão de mercadorias como meio coercitivo para pagamento de tributos e a vedação de a autoridade proibir o contribuinte em débito que exerça suas atividades profissionais.

Protesto tributário

Ainda nesse âmbito dos instrumentos arrecadatórios à disposição do Fisco, também em 2006, ocorreu a publicação da Portaria 321 da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional, de 6 de abril, que autorizou que certidões de dívida ativa da Fazenda Nacional fossem levadas a protesto. Transformou, assim, a relação jurídica tributária em relação de mera coordenação em que há pactuação livre entre as partes, fato impróprio para a relação tributária em que, de um lado, têm-se o fisco com toda sua força, inclusive decorrente dos atributos de auto executoriedade e presunção de legitimidade dos atos administrativos, e de outro o contribuinte para o qual é imposta a injusta carga tributária.

As regras de direito privado não podem ser aplicadas para tal relação de direito público, sujeita ao rigoroso cumprimento da lei em face dos princípios da estrita legalidade, tipicidade fechada e reserva absoluta da lei formal, que tiram da administração qualquer flexibilidade. É incompatível com a juridicidade se agregar ao imenso arcabouço de poderes da administração pública, também os instrumentos de cobrança próprios de direito privado em que as partes de forma livre acordam seus pactos e obrigações. Representa tal ação, ainda, desprezo ao Poder Judiciário que se manifestou pela ilegalidade de tal procedimento conforme decisão da 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (DJU 1 de 20/2/2006 p. 205) nos autos do REsp 287.824-MG (2000/0119099-7).

Imunidade

Em 2006 no campo das imunidades das instituições houve o precedente do STF publicado no Diário da Justiça da União em 27 de outubro, decisão liminar proferida em ação cautelar pela 2ª Câmara (A.C. n. 1426), em que foi confirmada, por unanimidade, decisão monocrática do relator, ministro Celso de Mello, no sentido de que a instituição autora — no caso, a Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre — goza da imunidade prevista no artigo 195, parágrafo 7º da Constituição (contribuições sociais destinadas à seguridade social).


Pende na Suprema Corte, outrossim, deslinde de ação em que a imunidade das instituições de educação é discutida (ADI 3.330), na qual se espera a manutenção do entendimento de que imunidade, que não é o favor fiscal da isenção, tem natureza de vedação constitucional ao poder de tributar, impedindo que mais de 5.500 entes federativos (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) possam, por lei ordinária, instituir requisitos próprios para a caracterização da imunidade, aniquilando o princípio por intermédio do caos normativo.

Isto vale principalmente para o setor educacional do ensino superior, em que o cenário é dramático pela crise e insuficiência de vagas nas universidades públicas, e da persistente inadimplência pela crise econômica da classe média nas universidades privadas, estas responsáveis por quase 70% de vagas disponíveis que merecem, portanto, respeito à vedação absoluta de incidência de impostos e contribuições sociais, estabelecida pela Constituição.

Da mesma forma essa discussão da imunidade a que o setor educacional tem direito se estendeu em 2006 para o Prouni e sua inconstitucional veiculação por intermédio de Lei ordinária 11.096/95, que confunde a imunidade regulável por lei complementar, com o instituto da isenção apto a ser regulado por este tipo legislativo das unidades da Federação, em afronta à liturgia das formas e aos artigos 195, parágrafo 7º e 150 inciso VI letra “c” da CF que, ao contrário do entendimento do eminente ministro da Educação, cuidam das imunidades e nunca de isenções, inclusive, nos termos do entendimento do STF manifestados nos REs 22.192-9 e 22.360-3 e na ADI 2.028/00.

Cofins para profissionais

De relevância em 2006, também, a decisão da 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal que decidiu, por unanimidade, encaminhar para apreciação do Plenário os Recursos Extraordinários ns. 377457 e 381964, bem como recurso de agravo regimental, que tratam da isenção da cobrança da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) para as sociedades profissionais.

Em pauta está o direito de as sociedades civis de profissões regulamentadas usufruírem, ou não, da isenção de Cofins sobre os serviços prestados, em face da parcial revogação da Lei Complementar 70/91 pela Lei Ordinária 9.430/96. Trata-se de situação em que a matéria que vinha tendo jurisprudência favorável ao contribuinte pode, agora, ter deslinde desfavorável afetando inúmeras empresas que já usufruíam dos benefícios de decisões anteriores.

De qualquer forma, a questão ficou para o deslinde final em 2007.

Base de cálculo

Ainda, e de grande relevância, a exclusão do ICMS da base de cálculo da Cofins em julgamento no STF (RE 240.785), no qual restou decidido, por maioria dos ministros que até o momento se manifestaram, a exclusão do imposto, caso em que o governo, por intermédio do ministro Mantega, já se alvoroçou no argumento econômico do impacto da redução da arrecadação futura, bem como no direito de os contribuintes pleitearem a restituição dos valores indevidos.

O que ficará para o próximo ano, entretanto, será a definição dos efeitos dessa inconstitucionalidade, se retroativa, ou apenas com o denominado efeito <i>ex nunc</i>, propiciando ao atendimento dos anseios da administração pública.

Parcelamento de débito

Afinal, no campo Legislativo, 2006 trouxe a edição da MP 303/06 que possibilitou aos contribuintes a adesão até o dia 15 de setembro, a parcelamento especial de débitos junto à Secretaria da Receita Federal (SRF), à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) e ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).

Na complexa sistemática de parcelamento de débitos junto à SRF, PGFN e INSS com vencimento até 28 de fevereiro de 2003 com reduções de multa de mora ou de ofício de 50% com parcelas mensais mínimas de R$ 200,00, para empresas enquadradas no Simples e R$ 2.000,00 para as demais pessoas jurídicas.

Na verdade, trata-se do próprio reconhecimento do Governo de que não há justiça na imensa carga tributária e que prevalece a sonegação de sobrevivência, mesmo porque os parcelamentos de tributos federais anteriores do Refis e Paes e parcelamentos, em até 60 vezes, de acordo com o artigo 10 da Lei 10.522/02 e artigo 10 da Lei 10.925/04 não se revelaram de cumprimento possível pela grande maioria das empresas que a eles optaram.

Por fim, destaca-se a Medida Provisória 281/06 que tenta fomentar investimentos oriundos do exterior ao reduziu a zero a alíquota do Imposto de Renda incidente sobre os rendimentos pagos, creditados, entregues ou remetidos a beneficiário residente ou domiciliado no exterior, decorrente de investimentos em títulos públicos federais adquiridos a partir da data de sua publicação (16/02/2006).

Em face de tais vicissitudes, da mesma forma que Roberto Campos quando analisou a economia e a demora nas privatizações de meados de 1997, vale para a situação jurídico-tributária de 2006 a expressão de que o Brasil vai mal e não há nenhum risco de melhorar.

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