Maioridade penal

Mandar jovens ao falido sistema penitenciário não irá recuperá-los

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27 de fevereiro de 2007, 12h07

A importância da participação popular nas políticas públicas de um modo geral e, especialmente, no caso da criança e do adolescente, tem se mostrado bastante eficaz por romper o paradigma antes vigorante que circunscrevia a discussão ao âmbito jurídico. Essa participação alça a discussão ao âmbito político-social e aniquila, vez por todas, com o estigma posto nessas crianças e adolescentes de “menores”, cujo objetivo era rotular para marginalizar.

Essa nova relação é resultante de uma luta articulada por forças sociais progressivas, elevando as crianças e adolescentes à categoria de cidadãos. Sob a forte emoção do bárbaro assassinato de uma criança no Rio de Janeiro volta à discussão a redução de maioridade penal. Será que a redução proposta irá evitar novos crimes como o ocorrido no Rio? É claro que não, pois o problema tem raízes bem mais profundas, ligadas à miséria, à falta de educação.

Não se está a defender a irresponsabilidade pessoal ou social. A inimputabilidade, causa da exclusão da responsabilidade penal, não retira do adolescente a responsabilidade sobre seus atos delituosos. Não é verdadeira a assertiva popular de que “com menor não pega nada”, pois o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) além das medidas sócio-educativas, reconhece a possibilidade de privação provisória de liberdade ao infrator não sentenciado e oferece muitas alternativas de responsabilização, cuja mais grave impõe o internamento sem atividades externas.

Ainda dentro da mesma questão, devem ser afastados os argumentos de que a idade deve ser reduzida por estarem os adolescentes infratores colaborando com os adultos na prática de crimes ou porque podem votar aos 16 anos. Ambas as assertivas se constituem em “meias verdades”. A primeira porque os adolescentes, no caso, são mandados, não podendo ser penalizados pelo mesmo sistema que alcança o mandante. Há mecanismos de responsabilização no Estatuto e que são aplicados. O que se tem constatado, no entanto, é que em muitas oportunidades, o adolescente é privado da liberdade enquanto que o mandante sequer tem seu processo em Juízo concluído. No segundo caso (ter o adolescente direito a voto), trata-se de mera faculdade, enquanto a imputabilidade é compulsória. De resto, a maioria dos infratores nesta faixa etária sequer sabe de sua condição de eleitor: faltam-lhes consciência e informação.

O que é necessário para dar maior eficácia e credibilidade ao ECA, uma legislação adequada, é fazer funcionar o aparato que cuida do seu fiel cumprimento. Para dar maior efetividade às ações contidas no Estatuto, impõe-se que a Justiça se aproxime da comunidade através das varas descentralizadas, localizadas em bairros populosos, onde deverão funcionar em conjunto com a Polícia, o Ministério Público, Defensoria e Judiciário, solucionando as situações que forem trazidas envolvendo adolescentes infratores. No mesmo sentido deve ser a atuação dos conselhos tutelares, que devem merecer maior respaldo dos municípios para que possam agir de forma preventiva, atuando sempre no sentido de denunciar e exigir das autoridades a solução das demandas que lhe são apresentadas, a exemplo da falta de vagas nas escolas, denúncia de trabalho infantil e violência doméstica, etc.

Revela a história que a preocupação oficial sobre a questão do jovem, como sujeito de um direito diferenciado, encontra precedente histórico apenas em 1896, em Nova York, quando foi registrado o primeiro processo judicial efetivo tendo como causa maus-tratos causados a uma menina de nove anos de idade pelos seus próprios pais. A parte que propôs a ação foi a Sociedade para a Proteção dos Animais, de Nova York, de onde se originou a primeira liga de proteção à infância.

A criminalidade juvenil há de ser combatida em sua origem, a miséria e a deseducação. Não será expondo jovens de 16 anos ao falido sistema penitenciário que se poderá recuperá-los. Mesmo naqueles de difícil prognóstico a sociedade tem o dever de investir, mormente porque a porcentagem daqueles que se reabilitam — dentro de uma correta execução da medida que foi aplicada — faz-se muito maior e justifica plenamente o esforço.

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