Direito à prova

Ação administrativa tem de seguir devido processo legal

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27 de fevereiro de 2007, 20h28

Ações administrativas têm de seguir as regras do devido processo legal. Assim, o Tribunal de Contas da União não pode negar à parte investigada o direito de produzir provas. O entendimento é do ministro Celso de Mello.

O ministro deu liminar que suspende o trâmite de uma ação administrativa do TCU contra a Novadata Sistemas e Computadores e garantiu que a empresa faça prova pericial no processo. De acordo com Celso de Mello, ainda que o processo tramite na esfera administrativa, o direito de defesa tem de ser observado, “independentemente de haver, ou não, previsão normativa nos estatutos que regem a atuação dos órgãos do Estado”.

Celso de Mello sustentou que o Estado “não pode exercer a sua autoridade de maneira abusiva ou arbitrária, desconsiderando, no exercício de sua atividade, o postulado da plenitude de defesa, pois — cabe enfatizar — o reconhecimento da legitimidade ético-jurídica de qualquer medida imposta pelo Poder Público, de que resultem conseqüências gravosas no plano dos direitos e garantias individuais, exige a fiel observância do princípio do devido processo legal”.

O ministro ressaltou que Lei 9.784/99, que rege o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal, prevê a possibilidade de o interessado requerer diligências e perícias na fase de instrução processual. “A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem reafirmado a essencialidade do princípio que consagra o ‘due process of law’, nele reconhecendo uma insuprimível garantia, que, instituída em favor de qualquer pessoa ou entidade, rege e condiciona o exercício, pelo Poder Público, de sua atividade, ainda que em sede materialmente administrativa, sob pena de nulidade do próprio ato punitivo ou da medida restritiva de direitos.”

Leia o voto

MED. CAUT. EM MANDADO DE SEGURANÇA 26.358-0 DISTRITO FEDERAL

RELATOR: MIN. CELSO DE MELLO

IMPETRANTE(S): NOVADATA SISTEMAS E COMPUTADORES S/A

ADVOGADO(A/S): ANTÔNIO GLAUCIUS DE MORAIS E OUTRO(A/S)

IMPETRADO(A/S): RELATOR DA TC-018.016/2005-1 DO TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO

EMENTA: TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. PROCEDIMENTO DE CARÁTER ADMINISTRATIVO. SITUAÇÃO DE CONFLITUOSIDADE EXISTENTE ENTRE OS INTERESSES DO ESTADO E OS DO PARTICULAR. NECESSÁRIA OBSERVÂNCIA, PELO PODER PÚBLICO, DA FÓRMULA CONSTITUCIONAL DO “DUE PROCESS OF LAW”. PRERROGATIVAS QUE COMPÕEM A GARANTIA CONSTITUCIONAL DO DEVIDO PROCESSO. O DIREITO À PROVA COMO UMA DAS PROJEÇÕES CONCRETIZADORAS DESSA GARANTIA CONSTITUCIONAL. MEDIDA CAUTELAR DEFERIDA.

– A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem reafirmado a essencialidade do princípio que consagra o “due process of law”, nele reconhecendo uma insuprimível garantia, que, instituída em favor de qualquer pessoa ou entidade, rege e condiciona o exercício, pelo Poder Público, de sua atividade, ainda que em sede materialmente administrativa, sob pena de nulidade do próprio ato punitivo ou da medida restritiva de direitos. Precedentes. Doutrina.

Assiste, ao interessado, mesmo em procedimentos de índole administrativa, como direta emanação da própria garantia constitucional do “due process of law” (CF, art. 5º, LIV) – independentemente, portanto, de haver previsão normativa nos estatutos que regem a atuação dos órgãos do Estado -, a prerrogativa indisponível do contraditório e da plenitude de defesa, com os meios e recursos a ela inerentes (CF, art. 5º, LV), inclusive o direito à prova.


Abrangência da cláusula constitucional do “due process of law”.

DECISÃO: Trata-se de mandado de segurança, com pedido de liminar, impetrado com o objetivo de questionar a validade jurídica de deliberação emanada do E. Tribunal de Contas da União (fls. 13/14), que indeferiu requerimento, formulado pela parte impetrante, concernente à “realização de prova pericial técnica nos documentos apresentados no pedido de reequilíbrio” (fls. 75).

Ao indeferir a pretensão ora mencionada, o eminente Relator do processo de Tomada de Contas Especial no âmbito do Tribunal de Contas da União apoiou-se nos seguintes fundamentos (fls. 13/14):

a) não há previsão, nos normativos que regem a atuação desta Corte, que ampare a pretensão de solicitar a este Tribunal que determine a realização de perícia em documentos no âmbito dos processos de controle externo tratados por este Tribunal;

b) o art. 160, § 1º, do Regimento Interno/TCU, estabelece que, até o término da fase de instrução, é facultada às partes juntada de documentos novos, nos termos do art. 160, § 1º, do Regimento Interno. Portanto, cabe aos interessados, se entenderem pertinente, a produção de qualquer documento de caráter técnico no sentido de subsidiar suas defesas, dentro do prazo regimentalmente estabelecido.” (grifei)

Esta impetração mandamental sustenta-se, em síntese, nas seguintes razões (fls. 05/08):

O Conflito existente no processo administrativo instaurado no âmbito do Tribunal de Contas da União é de cunho estritamente financeiro, ou seja, houve ou não o aumento de custos nos equipamentos adquiridos pelos Correios que justificassem o pagamento de reequilíbrio financeiro nos termos do art. 65 da Lei de Licitações.

A auditoria do Tribunal de Contas da União não apresenta dados concretos capazes de desconstituir o reequilíbrio financeiro concedido, pois baseia-se em informações que não se aplicam ao presente caso.

Diante deste impasse, a melhor opção é a produção de prova pericial a qual, com a devida imparcialidade, colacionará aos autos todos os elementos tendentes a esclarecer a verdade, demonstrando o aumento do custo dos equipamentos gerados pela crise cambial de ocorrida no ano de 2002.

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O direito da impetrante em ter deferida e realizada a prova pericial está previsto no art. 38 da Lei n° 9.784/99 (…).

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É o que ocorre no presente caso, pois o processo de Tomadas de Contas da União encontra-se na fase instrutória, não tendo até a presente data ocorrido qualquer decisão, permitindo, dessa forma, a realização de perícia para a efetiva aclaração dos fatos. (…).

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O contraditório realizado com a produção de provas necessárias à solução do litígio é um direito constitucional, de forma que os Órgãos Jurisdicionais, inclusive o Tribunal de Contas da União, deverão observá-lo, sem, contudo, impor restrições abusivas, possibilitando, dessa forma, a obtenção da verdade real e consolidando materialmente as decisões administrativas ou judiciais.

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Desse modo, requer a ora impetrante o deferimento da realização da prova pericial em observância aos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa.” (grifei)


Passo a examinar a postulação cautelar ora deduzida na presente sede mandamental. E, ao fazê-lo, entendo, em juízo de estrita delibação, que se reveste de plausibilidade jurídica a pretensão que a ora impetrante formulou nesta sede processual.

Com efeito, não se pode desconhecer que o Estado, em tema de restrição à esfera jurídica de qualquer cidadão ou entidade, não pode exercer a sua autoridade de maneira abusiva ou arbitrária, desconsiderando, no exercício de sua atividade, o postulado da plenitude de defesa, pois cabe enfatizar – o reconhecimento da legitimidade ético-jurídica de qualquer medida imposta pelo Poder Público, de que resultem conseqüências gravosas no plano dos direitos e garantias individuais, exige a fiel observância do princípio do devido processo legal (CF, art. 5º, LIV e LV), consoante adverte autorizado magistério doutrinário (MANOEL GONÇALVES FERREIRA FILHO, “Comentários à Constituição Brasileira de 1988”, vol. 1/68-69, 1990, Saraiva; PINTO FERREIRA, “Comentários à Constituição Brasileira”, vol. 1/176 e 180, 1989, Saraiva; JESSÉ TORRES PEREIRA JÚNIOR, “O Direito à Defesa na Constituição de 1988”, p. 71/73, item n. 17, 1991, Renovar; EDGARD SILVEIRA BUENO FILHO, “O Direito à Defesa na Constituição”, p. 47/49, 1994, Saraiva; CELSO RIBEIRO BASTOS, “Comentários à Constituição do Brasil”, vol. 2/268-269, 1989, Saraiva; MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO, “Direito Administrativo”, p. 401/402, 5ª ed., 1995, Atlas; LÚCIA VALLE FIGUEIREDO, “Curso de Direito Administrativo”, p. 290 e 293/294, 2ª ed., 1995, Malheiros; HELY LOPES MEIRELLES, “Direito Administrativo Brasileiro”, p. 102/103, item n. 2.3.9, 32ª ed., atualizada por Eurico de Andrade Azevedo, Délcio Balestero Aleixo e José Emmanuel Burle Filho, 2006, Malheiros, v.g.).

A jurisprudência dos Tribunais, notadamente a do Supremo Tribunal Federal, tem reafirmado a essencialidade desse princípio, nele reconhecendo uma insuprimível garantia, que, instituída em favor de qualquer pessoa ou entidade, rege e condiciona o exercício, pelo Poder Público, de sua atividade, ainda que em sede materialmente administrativa, sob pena de nulidade da própria medida restritiva de direitos, revestida, ou não, de caráter disciplinar (RDA 97/110 – RDA 114/142 – RDA 118/99 – RTJ 163/790, Rel. Min. CARLOS VELLOSO – AI 306.626/MT, Rel. Min. CELSO DE MELLO, “in Informativo/STF nº 253/2002 – RE 140.195/SC, Rel. Min. ILMAR GALVÃO – RE 191.480/SC, Rel. Min. MARCO AURÉLIO – RE 199.800/SP, Rel. Min. CARLOS VELLOSO, v.g.):

RESTRIÇÃO DE DIREITOS E GARANTIA DODUE PROCESS OF LAW’.

O Estado, em tema de punições disciplinares ou de restrição a direitos, qualquer que seja o destinatário de tais medidas, não pode exercer a sua autoridade de maneira abusiva ou arbitrária, desconsiderando, no exercício de sua atividade, o postulado da plenitude de defesa, pois o reconhecimento da legitimidade ético-jurídica de qualquer medida estatal – que importe em punição disciplinar ou em limitação de direitos – exige, ainda que se cuide de procedimento meramente administrativo (CF, art. 5º, LV), a fiel observância do princípio do devido processo legal.

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem reafirmado a essencialidade desse princípio, nele reconhecendo uma insuprimível garantia, que, instituída em favor de qualquer pessoa ou entidade, rege e condiciona o exercício, pelo Poder Público, de sua atividade, ainda que em sede materialmente administrativa, sob pena de nulidade do próprio ato punitivo ou da medida restritiva de direitos. Precedentes. Doutrina.


(RTJ 183/371-372, Rel. Min. CELSO DE MELLO)

Isso significa, pois, que assiste, ao interessado, mesmo em procedimentos de índole administrativa, como direta emanação da própria garantia constitucional do “due process of law” (independentemente, portanto, de haver, ou não, previsão normativa nos estatutos que regem a atuação dos órgãos do Estado), a prerrogativa indisponível do contraditório e da plenitude de defesa, com os meios e recursos a ela inerentes (inclusive o direito à prova), consoante prescreve a Constituição da República, em seu art. 5º, incisos LIV e LV.

Vale referir, neste ponto, importante decisão emanada do Plenário do Supremo Tribunal Federal que bem exprime essa concepção da garantia constitucional do “due process of law”:

(…) 3. Direito de defesa ampliado com a Constituição de 1988. Âmbito de proteção que contempla todos os processos, judiciais ou administrativos, e não se resume a um simples direito de manifestação no processo. 4. Direito constitucional comparado. Pretensão à tutela jurídica que envolve não só o direito de manifestação e de informação, mas também o direito de ver seus argumentos contemplados pelo órgão julgador. 5. Os princípios do contraditório e da ampla defesa, assegurados pela Constituição, aplicam-se a todos os procedimentos administrativos. 6. O exercício pleno do contraditório não se limita à garantia de alegação oportuna e eficaz a respeito de fatos, mas implica a possibilidade de ser ouvido também em matéria jurídica. (…) 10. Mandado de Segurança deferido para determinar observância do princípio do contraditório e da ampla defesa (CF, art. 5º, LV).

(RTJ 191/922, Rel. p/ o acórdão Min. GILMAR MENDES – grifei)

Vê-se, portanto, que o respeito efetivo à garantia constitucional do “due process of law”, ainda que se trate de procedimento administrativo (como o instaurado, no caso ora em exame, perante o E. Tribunal de Contas da União), condiciona, de modo estrito, o exercício dos poderes de que se acha investida a Pública Administração, sob pena de descaracterizar-se, com grave ofensa aos postulados que informam a própria concepção do Estado democrático de Direito, a legitimidade jurídica dos atos e resoluções emanados do Estado, especialmente quando tais deliberações, como parece suceder na espécie, possam comprometer a esfera jurídica do particular.

Esse entendimentoque valoriza a perspectiva constitucional que deve orientar o exame do tema em causa – tem o beneplácito de autorizado magistério doutrinário, tal como o expendido pela eminente Professora ADA PELLEGRINI GRINOVER (“O Processo em Evolução”, p. 82/85, itens ns. 1.3, 1.4, 2.1 e 2.2, 1996, Forense Universitária):

O coroamento do caminho evolutivo da interpretação da cláusula do ‘devido processo legal’ ocorreu, no Brasil, com a Constituição de 1988, pelo art. 5º, inc. LV, que reza:

Art. 5°, LV. Aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.’

Assim, as garantias do contraditório e da ampla defesa desdobram-se hoje em três planos: a) no plano jurisdicional, em que elas passam a ser expressamente reconhecidas, diretamente como tais, para o processo penal e para o não-penal; b) no plano das acusações em geral, em que a garantia explicitamente abrange as pessoas objeto de acusação; c) no processo administrativo sempre que haja litigantes. (…)


É esta a grande inovação da Constituição de 1988.

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Assim, a Constituição não mais limita o contraditório e a ampla defesa aos processos administrativos (punitivos) em que haja acusados, mas estende as garantias a todos os processos administrativos, não-punitivos e punitivos, ainda que neles não haja acusados, mas simplesmente litigantes.

Litigantes existem sempre que, num procedimento qualquer, surja um conflito de interesses. Não é preciso que o conflito seja qualificado pela pretensão resistida, pois neste caso surgirão a lide e o processo jurisdicional. Basta que os partícipes do processo administrativo se anteponham face a face, numa posição contraposta. Litígio equivale a controvérsia, a contenda, e não a lide. Pode haver litigantes – e os hásem acusação alguma, em qualquer lide.” (grifei)

Não foi por outra razão que a colenda Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal – ao examinar a questão da aplicabilidade e da extensão, aos processos de natureza administrativa, da garantia do “due process of law” – proferiu decisão, que, consubstanciada em acórdão assim ementado, reflete a orientação que ora exponho nesta decisão:

Ato administrativoRepercussões – Presunção de legitimidade – Situação constituídaInteresses contrapostosanulaçãoContraditório. Tratando-se da anulação de ato administrativo cuja formalização haja repercutido no campo de interesses individuais, a anulação não prescinde da observância do contraditório, ou seja, da instauração de processo administrativo que enseje a audição daqueles que terão modificada situação já alcançada. (…).

(RTJ 156/1042, Rel. Min. MARCO AURÉLIO – grifei)

O exame da garantia constitucional do “due process of lawpermite nela identificar, em seu conteúdo material, alguns elementos essenciais à sua própria configuração, dentre os quais avultam, por sua inquestionável importância, as seguintes prerrogativas: (a) direito ao processo (garantia de acesso ao Poder Judiciário); (b) direito à citação e ao conhecimento prévio do teor da acusação; (c) direito a um julgamento público e célere, sem dilações indevidas; (d) direito ao contraditório e à plenitude de defesa (direito à autodefesa e à defesa técnica); (e) direito de não ser processado e julgado com base em leis “ex post facto”; (f) direito à igualdade entre as partes; (g) direito de não ser processado com fundamento em provas revestidas de ilicitude; (h) direito ao benefício da gratuidade; (i) direito à observância do princípio do juiz natural; (j) direito ao silêncio (privilégio contra a auto- -incriminação); e (l) direito à prova.

Vê-se, daí, que o direito à prova qualifica-se como prerrogativa jurídica intimamente vinculada ao direito do interessado à observância, pelo Poder Público, da fórmula inerente ao “due process of law”, consoante adverte expressivo magistério doutrinário (ADA PELLEGRINI GRINOVER, ANTONIO SCARANCE FERNANDES e ANTONIO MAGALHÃES GOMES FILHO, “As Nulidades do Processo Penal”, p. 135/144, itens ns. 1/6, 9ª ed., 2006, RT; ANTONIO MAGALHÃES GOMES FILHO, “Direito à Prova no Processo Penal”, 1997, RT; ROGÉRIO LAURIA TUCCI, “Direitos e Garantias Individuais no Processo Penal Brasileiro”, p. 196/209, itens ns. 7.4 e 7.5, 2ª ed., 2004, RT; ROGÉRIO SCHIETTI MACHADO CRUZ, “Garantias Processuais nos Recursos Criminais”, p. 128/129, item n. 2, 2002, Atlas; ROMEU FELIPE BACELLAR FILHO, “Processo Administrativo Disciplinar”, p. 312/318, item n. 7.2.2.3, 2ª ed., 2003, Max Limonad; CÁRMEN LÚCIA ANTUNES ROCHA, “Princípios Constitucionais dos Servidores Públicos”, p. 484, item n. 2.2.3.1, 1999, Saraiva; JORGE ULISSES JACOBY FERNANDES, “Tomada de Contas Especial”, p. 69/72, item n. 4.1.8, 2ª ed., 1998, Brasília Jurídica; HELY LOPES MEIRELLES, “Direito Administrativo Brasileiro”, p. 688, item n. 3.3.3.5, 32ª ed., atualizada por Eurico de Andrade Azevedo, Délcio Balestero Aleixo e José Emmanuel Burle Filho, 2006, Malheiros, v.g.), valendo referir, a respeito dos postulados que regem o processo administrativo em geral, a lição de JOSÉ DOS SANTOS CARVALHO FILHO (“Manual de Direito Administrativo”, p. 889, item n. 7.5, 12ª ed., 2005, Lumen Juris):


(…) O princípio do contraditório está expresso no art. 5º, LV, da CF, que tem o seguinte teor:

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O mandamento constitucional abrange processos judiciais e administrativos. É necessário, todavia, que haja litígio, ou seja, interesses conflituosos suscetíveis de apreciação e decisão. Portanto, a incidência da norma recai efetivamente sobre os processos administrativos litigiosos.

Costuma-se fazer referência ao princípio do contraditório e da ampla defesa, como está mencionado na Constituição. Contudo, o contraditório é natural corolário da ampla defesa. Esta, sim, é que constitui o princípio fundamental e inarredável. Na verdade, dentro da ampla defesa já se inclui, em seu sentido, o direito ao contraditório, que é o direito de contestação, de redargüição a acusações, de impugnação de atos e atividades. Mas outros aspectos cabem na ampla defesa e também são inderrogáveis, como é caso da produção de prova, do acompanhamento dos atos processuais, da vista do processo, da interposição de recursos e, afinal, de toda a intervenção que a parte entender necessária para provar suas alegações. (…).” (grifei)

É por tal razão que a própria Lei nº 9.784/99, que rege o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal, prevê, em seu art. 38, a possibilidade de o interessado, “na fase instrutória e antes da tomada de decisão (…), requerer diligências e perícias” (art. 38, “caput”), sendo queSomente poderão ser recusadas, mediante decisão fundamentada, as provas propostas pelos interessados quando sejam ilícitas, impertinentes, desnecessárias ou protelatórias” (art. 38, § 2º).

Os aspectos que venho de ressaltar revelam-se suficientes ao reconhecimento, em juízo de estrita delibação, de que a pretensão cautelar ora deduzida nesta sede processual reveste-se de inquestionável plausibilidade jurídica.

Registrese, finalmente, que a parte ora impetrante justificou, de maneira inteiramente adequada, as razões que caracterizam a concreta ocorrência, na espécie, da situação configuradora do “periculum in mora” (fls. 09).

Sendo assim, em juízo de estrita delibação, e sem prejuízo de ulterior reexame da pretensão mandamental deduzida na presente sede processual, defiro o pedido de medida liminar, em ordem a determinar, até final julgamento desta ação de mandado de segurança, a suspensão cautelar do processo de Tomada de Contas Especial instaurado contra a ora impetrante (TC nº 018.016/2005-1), ressalvada, no entanto, à ilustre autoridade ora apontada como coatora, a possibilidade de autorizar a pretendida produção de prova pericial, caso assim o entenda conveniente.

Transmita-se, com urgência, cópia desta decisão ao eminente Senhor Ministro-Relator da TC-018.016/2005-1/TCU.

2. Achando-se adequadamente instruída a presente impetração, ouça-se a douta Procuradoria-Geral da República.

Publique-se.

Brasília, 27 de fevereiro de 2007.

Ministro CELSO DE MELLO

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