Lei da informatização

Publicidade das decisões tornou a Justiça mais acessível

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26 de fevereiro de 2007, 0h00

A Lei 11.419/06, que foi sancionada em dezembro e entrará em vigor no dia 20 de março de 2007, tem origem no Projeto de Lei 5.828/01 aprovado pelo Plenário da Câmara dos Deputados, tendo em vista proposta da Associação dos Juízes Federais do Brasil à Comissão de Legislação Participativa da Câmara dos Deputados.

A nova lei trata da informatização do processo judicial, contendo dispositivos de natureza procedimental, destinados a regulamentar a tramitação dos atos processuais por meio eletrônico — tendo em vista a tendência de que, no futuro, toda a comunicação seja facilitada pela disponibilidade da rede mundial de computadores (internet), de custo relativamente baixo.

Com a vigência da Lei 11.419/06, ocorrerá o fenômeno da migração do paradigma de uma jurisdição alicerçada no suporte “papel”, para uma jurisdição tecnológica, baseada em processos digitalmente constituídos.

Para ser efetivamente aplicada, entretanto, a recente norma dependerá de regulamentação pelos órgãos do Poder Judiciário, uma vez que lhes é facultado o desenvolvimento de sistemas de informatização do processo judicial, para torná-lo acessível, preferencialmente, pela rede mundial de computadores (art. 8º da Lei 11.419/2006).

A Lei 11.419/06 não estipula qualquer prazo para a implantação das providências que determina, deixando à opção de cada Tribunal adotar ou não um sistema de procedimento eletrônico e a total informatização dos autos.

As normas que veicula são aplicáveis a todos os processos judiciais, nas esferas civil, penal e trabalhista, bem como àqueles que tramitam perante os juizados especiais, em qualquer grau de jurisdição (art. 1º, §1º da Lei 11.419/06).

Com o processamento eletrônico das informações jurídicas e com o auxílio das telecomunicações, pretende-se eliminar os óbices de ordem geográfica e temporal, além de impor a celeridade ao transporte dos dados jurídicos, para promover rapidez na prestação jurisdicional, tornando possível uma Justiça mais efetiva.

O artigo 3º da Lei 11.419/06 vem homenagear o princípio constitucional da duração razoável do processo, imposto pelo inciso LXXVIII do artigo 5º da Constituição Federal (Emenda Constitucional 45) e artigos 8º e 25 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, o Pacto de São José da Costa Rica, uma vez que haverá um ganho em termos de celeridade, proporcionado pela realização imediata de atos processuais, sem deslocamentos físicos e esperas em filas. A lei considera que os atos processuais praticados por meio eletrônico se dão no dia e hora do seu envio ao sistema do Poder Judiciário – do que deverá ser fornecido protocolo eletrônico.

A acessibilidade dos autos dar-se-á de forma imediata e sem restrições no que tange às limitações de horário resultantes do expediente forense, otimizando o acesso à Justiça. Conforme dispõe o parágrafo único do artigo 3º, a petição eletrônica, enviada para atender prazo processual, será considerada tempestiva desde que transmitida até às 24 horas do seu último dia.

Se o Sistema do Poder Judiciário se tornar indisponível por algum motivo técnico, o prazo ficará automaticamente prorrogado para o primeiro dia útil seguinte à resolução do problema. Essa disposição, contemplada no artigo 10, parágrafo 2º, é de extrema importância prática, essencial para promover a segurança no processo telemático.

Os profissionais do Direito, que desejarem atuar em processos eletrônicos, deverão, obrigatoriamente, estar cadastrados junto ao Poder Judiciário e possuir a assinatura digital expedida pela Autoridade Certificadora credenciada na ICP-Brasil (Infra-Estrutura de Chaves Públicas do Brasil). Dessa maneira, estarão habilitados a enviar petições e recursos e a praticar outros atos processuais, tais como receber intimações, com garantia de segurança e autenticidade.

O credenciamento do advogado junto ao Poder Judiciário realizar-se-á mediante procedimento de identificação presencial do interessado, a ele sendo atribuído registro e meio de acesso ao sistema, de modo a preservar o sigilo, a identificação e autenticidade das comunicações.

Todo e qualquer documento produzido eletronicamente será considerado original e dotado da mesma força probante deste, ressalvada a alegação motivada e fundamentada de adulteração do documento.

Os processos digitais deverão ser protegidos por sistemas de segurança de acesso e armazenados em meio que garanta a preservação dos dados, dispensando, desta maneira, a formação de autos suplementares.

Sob o enfoque da preocupação com a inclusão digital, o legislador impôs aos órgãos do Poder Judiciário a disponibilização e a manutenção de equipamentos de digitalização e de acesso à rede mundial de computadores para distribuição de peças processuais (art. 10 §3º da Lei 11.419/06).


Outra prática destinada a propiciar a celeridade processual, minimizando o retardo por prazos excessivos concedidos, é a prevista no parágrafo 6º do artigo 5º da lei em questão, que determina a intimação eletrônica da Fazenda Pública, que terá acesso imediato aos autos.

Assim é que, com a finalidade de assegurar a tutela jurisdicional de maneira mais célere e útil — o que dá maior efetividade ao Estado Democrático de Direito, cuja característica fundamental consiste em superar as desigualdades sociais e instaurar um regime democrático eficiente na realização da justiça social —, a legislação processual civil, desde 1994, tem sofrido alterações, no sentido de ser receptiva às novas tendências do mundo moderno.

Antes da atual lei, outras iniciativas legislativas foram tomadas, visando à informatização do processo judicial.

A Lei 10.259/2001 disciplinou a instituição dos Juizados Federais, trazendo em seu bojo dispositivos que impulsionaram a informatização do processo perante esses órgãos, tais como a recepção de peças processuais mediante sistemas informatizados, a realização de reuniões, por meio eletrônico, de juízes integrantes da Turma de Uniformização Jurisprudencial, quando domiciliados em cidades diferentes; e o desenvolvimento de programas de informática necessários a subsidiar a instrução das causas. A implantação do sistema eletrônico dos atos processuais teve início em julho de 2003, nas Justiças Federais de Londrina, Florianópolis, Blumenau e Rio Grande do Sul. A primeira ação do Juizado Especial Federal do Rio Grande do Sul foi julgada em apenas 4 horas.

Tal implantação, entretanto, além de estar limitada ao universo dos Juizados Federais, era desprovida de técnicas que garantissem a identidade dos usuários. Assim, objetivando a segurança e atendendo ao disposto na MP 2.200, que criou o ICP-Brasil (Infra-Estrutura de Chaves Públicas do Brasil), a Lei 11.280/2006 introduziu o parágrafo único ao artigo 154 do CPC, dispondo que a validação dos atos processuais realizados de forma eletrônica perante o Poder Judiciário deve ser realizada através da estrutura de certificação digital da ICP-Brasil, no sentido de conferir plena legalidade à informatização dos atos processuais.

Em agosto de 2006, a Lei 11.341, que deu nova redação ao artigo 541 do CPC, possibilitou ao recorrente, nos casos de recurso especial ou extraordinário fundado em dissídio jurisprudencial, a prova da divergência através das decisões disponíveis em mídia eletrônica, inclusive julgados reproduzidos na internet. A ampliação da publicidade do teor das decisões emanadas dos órgãos judiciais, num país de dimensões continentais, como o Brasil, tornou a Justiça mais acessível aos cidadãos, na medida em que divulga a correta interpretação da vontade da lei, propiciando-lhes maior consciência de seus direitos, e, por via reflexa, maior nível de segurança jurídica.

Ainda no ano de 2006, foi publicada a Lei 11.382, que criou os institutos da penhora online e do leilão online, alterando vários outros dispositivos do Código de Processo Civil.

As leis supra mencionadas representaram alguns passos no caminho da informatização do processo judicial, até a edição da Lei 11.419/06, que atribui presunção de legal validade a todo e qualquer ato processual realizado por meio eletrônico.

Segundo a opinião do presidente do STJ, ministro Raphael de Barros Monteiro Filho, 2007 será o ano do Poder Judiciário no Brasil. Com a edição da Lei 11.419/06, que prevê a informatização do processo judicial, a Justiça, finalmente, ingressa no século XXI, mais próxima do cidadão e mais ágil na prestação juridicional.

O novo sistema integrado de informática da Justiça do Trabalho foi apresentado, dia 15 de janeiro deste ano, ao presidente do STJ. A um custo de aproximadamente R$ 140 milhões, o “e-Recurso” (recurso eletrônico), implantado nos 24 Tribunais Regionais do Trabalho do país, possibilitará a digitalização das peças processuais indispensáveis ao exame de recursos de revista e agravos de instrumentos pelo TST. O acesso online ao acervo de decisões permitirá aos ministros agilizar a produção de votos, facilitando a busca, no sistema, de acórdãos anteriores sobre o tema objeto do caso específico e permitindo, quer o aperfeiçoamento, quer a uniformização da jurisprudência, com foco na isonomia.

O que se espera, diante desse novo quadro legislativo, é que os órgãos do Poder Judiciário desenvolvam sistemas de informatização capazes de suportar a consecução de todas as atividades processuais, protegendo a integridade e autenticidade dos textos e documentos recebidos e o conseqüente armazenamento de forma segura e confiável.

Os processos de competência dos Juizados Especiais Federais da 4ª Região deverão ser desenvolvidos por meio eletrônico a partir do dia 31 de março de 2007, conforme dispõe a Resolução 75 do Tribunal Regional Federal da 4ª Região.


Em 31.10.2006, a Justiça Federal da 4ª Região implantou o Diário Eletrônico, meio oficial de publicação dos atos judiciais e administrativos no âmbito federal de primeira e segunda instâncias, dispensando, em 1º de dezembro de 2006, a utilização do Diário de Justiça da União. O novo sistema permite que os advogados pesquisem, por meio de seu número de inscrição na OAB, as publicações cadastradas em seu nome, visualizando seu inteiro teor.

Segundo o Conselho Nacional de Justiça, a região Nordeste, principalmente as comarcas do Estado de Sergipe, já processam e julgam seus feitos por meio eletrônico. O primeiro juizado a funcionar inteiramente sem tramitação de papel foi o 3º Especial Cível, em agosto de 2006, servindo de projeto-piloto para mais três juizados sergipanos.

Videoconferência

No que diz respeito à utilização da videoconferência, a Turma Recursal dos Juizados Especiais Federais de Santa Catarina estreou seu sistema de teleconferência no dia 19 de outubro de 2005, quando juízes de diferentes locais puderam participar da sessão de julgamento.

O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro realizou sua primeira experiência com a videoconferência em dezembro de 2002, quando quatro presos considerados de alta periculosidade prestaram depoimento da sala do diretor do presídio Bangu IV, sem precisar deixar o complexo penitenciário.

A iniciativa, no entanto, esbarrou na exigência contida na lei penal de que o acusado esteja presente em todas as etapas do processo. Segundo o desembargador Sérgio Cavalieri, a legislação está ultrapassada e não é mais possível que centenas de policiais sejam empregados, todos os dias, para acompanhar presos.

A videoconferência também foi utilizada pela 7ª Turma do TRF-4, nos autos do HC 2005.04.01.026884-2, em agosto de 2005, para obter o depoimento de uma testemunha que estava nos EUA. Entretanto, a prova foi considerada ilegal, pois a realização de audiência para inquirição de testemunha, sem que os réus e seus advogados tenham sido corretamente intimados, viola o princípio da ampla defesa.

Pelo Projeto de Lei do Senado 139/2006, as audiências e os interrogatórios serão realizados por videoconferência ou outro recurso tecnológico de presença virtual e em tempo real. O texto assegura a instalação de canais telefônicos reservados para a comunicação entre o defensor que permanecer no presídio e os advogados presentes nas salas de audiência, bem como entre estes e o preso. Nos presídios, as salas reservadas para os atos serão fiscalizadas por oficial de justiça, funcionários do Ministério Público e advogado designado pela OAB do Brasil. O projeto foi aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça e seguiu para a Câmara dos Deputados.

A Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro aprovou, em junho de 2005, a Lei 4.554, que autoriza o Poder Executivo a implantar salas de videoconferência nas penitenciárias estaduais, mesmo ainda sem mudanças no Código de Processo Penal. O texto permite ao governo estabelecer parcerias ou convênios com iniciativa privada para a implantação do projeto.

A Corregedoria-Geral da Justiça Federal da 3ª Região, por meio do Provimento Coge 75/2007, autorizou também, a partir de 30.01.2007, provisoriamente, a realização da teleaudiência nos Fóruns Criminais, de toda a instrução criminal, desde o interrogatório até a leitura de sentença para os réus custodiados em presídios que estejam conectados ao sistema, considerando que a utilização do sistema de videoconferência para a instrução de processos criminais acelera a prestação jurisdicional, evita o deslocamento de réus a grandes distâncias, diminui o risco de fugas, economiza tempo e recursos materiais.

Para além de ser utilizada na realização de interrogatórios, a videoconferência tem se prestado a outras finalidades como instrumento de auxílio ao desempenho das funções dos membros do Poder Judiciário: em Minas Gerais juízes debatem em videoconferência; no sul do país, o TRF-4 empossa novos juízes dos Juizados Especiais por videoconferência; e, na Bahia, servidores das 11 Subseções Judiciárias Federais do interior são treinados e capacitados pela Seção Judiciária da capital.

Penhora online

Quanto à penhora online, realizada por meio do Sistema BACEN JUD, é considerada o maior avanço na Justiça do Trabalho, dos últimos tempos. Trata-se de sistema, criado há 4 anos e meio, utilizado para bloquear as contas dos empregadores que possuem débitos trabalhistas em execução, impedindo fraudes e tentativas de esquiva, em razão da natureza alimentar dos créditos trabalhistas, assim definidos pela Constituição Federal (artigo 100 §1º da CF).

No momento em que todo o país está voltado para a conquista de elementos que concedam a eficácia plena às decisões judiciais, a penhora online consolidou-se como importante instrumento de defesa do trabalhador litigante. No entanto, esse instrumento pode permitir graves violações de direitos fundamentais se não for utilizado com parcimônia pelos magistrados, tendo sempre em conta os limites constitucionais.

Em outubro de 2006, a Resolução BACEN 524 estendeu o uso da penhora online para o âmbito da Justiça Federal de primeiro e segundo graus, em se tratando de execução definitiva de título judicial ou extrajudicial, ou em ações criminais de improbidade administrativa ou mesmo feitos originários do Tribunal Regional Federal.

O entendimento da 4ª Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, todavia, é no sentido de que o uso da penhora online é facultativo e só deve ser autorizado depois de esgotados todos os meios para a localização de bens do devedor.

Conclusão

Feitas essas considerações a respeito de algumas das inovações da legislação processual civil, ressalto que a informatização dos atos processuais decorre do inegável avanço tecnológico, que traz maior rapidez no desenvolvimento do processo, aumenta a confiabilidade das decisões judiciais, bem como moderniza a burocracia judiciária.

A relevância das reformas da legislação processual civil, buscando atribuir agilidade aos atos processuais, é da maior magnitude, uma vez que vem contribuir para a solução do tão propalado problema da morosidade na entrega da prestação jurisdicional.

Além das reformas já introduzidas na legislação processual civil, com o propósito de dar efetividade ao processo, as alterações trazidas pela Lei 11.419/06 se fizeram necessárias, pois o direito como um todo não pode permanecer alheio às transformações decorrentes da tecnologia.

Que, na prática forense, as mudanças trazidas pela Lei 11.419/06 sejam capazes de propiciar maior presteza e fazer com que processo se aproxime, cada vez mais, do ideal de justiça.

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