Onipresença capixaba

Deputados do ES são denunciados por cobrar diárias indevidas

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26 de fevereiro de 2007, 14h59

O Ministério Público do Espírito Santo denunciou o ex-presidente da Assembléia Legislativa do Espírito Santo, José Carlos Gratz, e o ex-deputado Gilson Gomes por lesar os cofres públicos do estado lançando custos de viagens que não foram feitas. A peça acusatória é assinada pelos promotores Marcelo Zenkner, Cleber Pontes da Silva e Flávio de Souza Santos. Também foi acusado o ex-diretor-geral da Assembléia, André Luiz Cruz Nogueira. Os dois primeiros são apontados pelo MP local como membros da organização parapolicial Scuderie Detetive LeCocq.

Os promotores alegam que os denunciados montaram o chamado “esquema das associações” para cooptar os demais deputados, causando aos cofres da Assembléia Legislativa do Estado do Espírito Santo um rombo superior a 26 (vinte e seis) milhões de reais

Segundo a denúncia, "o parlamentar formulava o requerimento, o segundo requerido [Cruz] providenciava rapidamente sua tramitação e levava ao primeiro requerido [Gratz] que o deferia. E nem se diga que José Carlos Gratz e André Luiz Cruz Nogueira não sabiam que a viagem não se realizava para o destino previsto, pois o deputado requerente, no mesmo dia em que deveria estar em outra cidade, distante centenas de quilômetros de Vitória, se fazia também presente, em situação de onipresença, nas sessões ordinárias e extraordinárias da Assembléia Legislativa do Estado do Espírito Santo, presididas pelo primeiro, conforme explicitam os documentos a esta acostados"

Leia a denúncia:

EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ DE DIREITO DA VARA DA ____ FAZENDA PÚBLICA ESTADUAL DE VITÓRIA – COMARCA DA CAPITAL – ES

O Ministério Público do Estado do espírito santo, através dos Promotores de Justiça infra-assinados, em pleno exercício de suas atribuições legais, vem, respeitosamente à presença de V.Exa, com base no artigo 129, inciso III, da Constituição Federal e na Lei Federal nº 8.429/92, propor a presente

AÇÃO POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA C/C PEDIDO DE RESSARCIMENTO DE DANOS

em face de

JOSÉ CARLOS GRATZ, brasileiro, casado, profissão desconhecida, filho de Selmira Guasti Gratz, natural deste Estado onde nasceu em 13.04.48, portador do CPF nº 173.916.287-00, residente na Rua Joaquim Lyrio, nº 340, apto. 1.201, Praia do Canto, em Vitória;

ANDRÉ LUIZ CRUZ NOGUEIRA, brasileiro, casado, profissão desconhecida, filho de Cezar Augusto Gastin Nogueira e Ana Marizia Cruz Nogueira, CPF 726.647.207-59 e RG 449.540/SSP-ES, residente na Avenida Rio Branco, nº 585, apto. 1301, Santa Lúcia, Vitória;

GILSON GOMES, brasileiro, casado, delegado de polícia e ex-deputado estadual, CPF 252.242.477-72, filho de Ilso Escopelli Gomes e de Thereza Catarina Gomes, residente e domiciliado na Rua Antonio Borges, nº 80, apt. 802, Ed. Grand Bay, bairro Mata da Praia, Vitória, ES.;


pelos seguintes motivos de fato e de direito:

DOS FATOS

O terceiro requerido exerceu o cargo de deputado estadual no período compreendido entre 1º de fevereiro de 1999 e 31 de dezembro de 2002, mesmo período em que o primeiro requerido exerceu o cargo de presidente da Assembléia Legislativa do Estado do Espírito Santo e o segundo requerido o cargo de diretor-geral daquela Casa de Leis.

Vigia, à época, o ATO nº 2.223, de 30 de dezembro de 1996, que dispunha sobre “as indenizações de diária e ajuda de custo que os servidores da Assembléia fazem jus por afastamento, em interesse do serviço” (art. 1º), da Mesa Diretora da Assembléia Legislativa do Estado do Espírito Santo.

De acordo com a tabela que fazia parte integrante do referido Ato, o valor da diária paga aos deputados estaduais era de R$290,00 (duzentos e noventa reais), quando a viagem era para outra unidade da Federação, e R$116,00 (cento e dezesseis reais), quando a viagem era realizada dentro do próprio Estado do Espírito Santo.

Vale destacar que, de acordo com o § 2º do art. 3º do mesmo ato normativo, no deslocamento para fora do Estado, o beneficiário ainda faria jus uma complementação da diária correspondente a 20% (vinte por cento) do seu valor, destinada a cobrir despesas com transporte urbano.

De acordo com o artigo 16, § 1º, do Ato nº 2.223/1996, “é de competência exclusiva da Mesa a concessão de diária ou ajuda de custo aos Deputados”, sendo “considerada falta grave a concessão e o recebimento de indenização com o objetivo de complementação salarial” (art. 14).

Por fim, registre-se que o Ato ainda prevê a promoção da “responsabilidade administrativa e, se for o caso, penal da autoridade e/ou servidor” que deixar de cumprir o regramento normativo pertinente (art. 15).

Entretanto, não foi isso que se viu… De acordo com reportagem publicada pela Revista ÉPOCA, edição nº 217, de 15 de julho de 2002, “Mesmo dono de curiosa biografia recheada de episódios que coincidem com o mundo fora da lei, Gratz é visto por funcionários do alto escalão de Brasília como homem perigoso por conta de suas conexões políticas. Como presidente da Assembléia Legislativa, tem apoio de 27 dos 30 deputados estaduais e aprova o quer. A maioria foi suficiente para fazê-lo dar as cartas nos governos Albuíno Azeredo e Victor Buaiz. Também aproveitou as enrascadas em que se meteu José Ignácio para adotar uma espécie de parlamentarismo capixaba (documento em anexo, grifo nosso).


Mas a manutenção desse “apoio” custava caro. Uma das estratégias utilizadas para cooptar os deputados foi a que se denominou “ESQUEMA DAS ASSOCIAÇÕES”, que tinha à frente os dois primeiros requeridos e do qual também foi beneficiário o terceiro, causando aos cofres da Assembléia Legislativa do Estado do Espírito Santo um rombo superior a 26 (vinte e seis) milhões de reais no total.

E outra estratégia nefasta, agora, vem à tona. Trata-se de esquema que visava beneficiar os deputados que faziam parte da base de sustentação do primeiro requerido com o pagamento diárias por viagens que jamais foram realizadas.

Nestes termos, o parlamentar formulava o requerimento, o segundo requerido providenciava rapidamente sua tramitação e levava ao primeiro requerido que o deferia. E nem se diga que JOSÉ CARLOS GRATZ e ANDRÉ LUIZ CRUZ NOGUEIRA não sabiam que a viagem não se realizava para o destino previsto, pois o deputado requerente, no mesmo dia em que deveria estar em outra cidade, distante centenas de quilômetros de Vitória, se fazia também presente, em situação de onipresença, nas sessões ordinárias e extraordinárias da Assembléia Legislativa do Estado do Espírito Santo, presididas pelo primeiro, conforme explicitam os documentos a esta acostados.

No caso do terceiro requerido, o quadro demonstrativo abaixo bem ilustra a narrativa:

style=””>Deputado Gilson Gomes

style=””>Período


style=””>Destino


style=””>Valor recebido R$

style=””>Data de comparecimento

01 até 06/03/1999

MG e DF

1.392,00

01, 02 e 03/03/1999

22 até 28/03/1999

RJ e SP

1.740,00

22, 23 e 24/03/1999

30/4 até 04/05/1999

Brasília

1.392.00

03 e 04/05/1999

28/05 até 02/06/1999

MG e DF

1.740,00

01/06/1999

16 até 22/09/1999

Brasília

1.450,00

20 e 21/09/1999

19 até 24/10/1999

São Paulo

1.160,00

19 e 20/10/1999

22 até 26/11/1999

Rio de Janeiro

1.160,00

23 e 24/11/1999

16 até 20/04/2000

MG e DF

1.160,00

18 e 19/04/2000

20 até 24/11/2000

MG e DF

870,00

21 e 22/11/2000

12 até 16/02/2001

Brasília

1.392,00

15/02/2001

06 até 10/03/2001

São Paulo

1.392,00

06 e 07/03/2001

04 até 09/06/2001

MG e DF

1.450,00

05 e 06/06/2001

01 até 06/07/2001

RJ e SP

1.450,00

02/07/2001

13 até 18/08/2001

MG e DF

1.450,00

14 e 15/08/2001

22 até 28/10/2001

Brasília

1.450,00

23 e 24/10/2001

03 até 09/12/2001

Brasília

1.740,00

04 e 05/12/2001

23 até 28/02/2002

MG e DF

1.450,00

26/02/2002

19 até 24/03/2002

Brasília

1.450,00

19, 20 e 21/03/2002

15 até 20/04/2002

Rio de Janeiro

1.450,00

16/04/2002

23 até 28/04/2002

Rio de Janeiro

1.450,00

23 e 24/04/2002

06 até 12/09/2002

Rio de Janeiro

1.740,00

10/09/2002

01 até 07/12/2002

Brasília

1.740,00

03 e 04/12/2002

style=””>Total: 31.668,00


DOS FUNDAMENTOS JURÍDICOS

Toda vez que a corrupção pública e administrativa passa a constituir vício generalizado, cria, em torno do governo, um odor de escândalo e provoca a indignação da opinião pública, pois cada cidadão se sente lesado pelo enriquecimento ilícito daqueles que mantêm conduta imprópria no exercício de cargos ou funções públicas[1].

A probidade administrativa é uma forma de moralidade administrativa que consiste no dever do funcionário servir à Administração com honestidade, procedendo no exercício de suas funções, sem aproveitar os poderes ou facilidades deles decorrentes em proveito pessoal ou de outrem a quem queira favorecer.[2]

FRANCISCO BILAC MOREIRA PINTO comentou a Lei nº 3.502/58 – que, sob a égide da Constituição de 1.946, dispunha sobre as sanções nos casos de enriquecimento ilícito nos cargos públicos, e, no capítulo destinado a importância ética no Estado Moderno, assinalou que a única espécie de teoria que pode fornecer critérios e obrigações na esfera política – a esfera primária do poder físico – será a que se baseie em um válido sistema de ética, cuja observância constitua uma obrigação moral (…). O uso do poder para atingir os fins desejados torna legítimos todos os meios, quaisquer que sejam as circunstâncias, e sua única limitação será a de um outro poder que se lhe anteponha (fazendo menção à necessidade de um código de ética). (…) O abuso de poder deve ser temido pelos homens e o poder exercido regularmente é a base da civilização. O Poder sem base moral é o flagelo da humanidade. O Poder, fundado na moral, representa o maior servidor da humanidade[3] grifos nossos.

Conforme já afirmado anteriormente, a Constituição Federal sanciona com severidade os atos de improbidade administrativa, ao dispor, no § 4º do artigo 37, que:

Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.

A probidade administrativa, segundo JOSÉ AFONSO DA SILVA, consiste “no dever do funcionário servir à Administração com honestidade, procedendo no exercício de suas funções, sem aproveitar os poderes ou facilidades delas decorrentes em proveito pessoal ou de outrem a quem queira favorecer. Cuida-se de uma imoralidade administrativa qualificada. A improbidade administrativa é uma imoralidade qualificada pelo dano ao erário e correspondente vantagem ao ímprobo ou a outrem”.[4]

A Lei Federal nº 8.429/92 (Lei da Improbidade Administrativa – LIA), ao complementar o texto constitucional e conferir ao Ministério Público legitimação para agir nos casos por ela arrolados, definiu de maneira ampla o alcance da norma, a ela sujeitando “qualquer agente público, servidor ou não, contra a administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Podres da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios.

A conduta do terceiro requerido se amolda perfeitamente aos “atos de improbidade administrativa que importam enriquecimento ilícito”, adequando-se tipicamente às figuras descritas no artigo 9º, caput, e incisos XI e XII, da LIA:

Constitui ato de improbidade administrativa importando enriquecimento ilícito auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, mandato, função, empregou ou atividade nas entidades mencionadas no art. 1º desta Lei, e notadamente:

(…)

XI – incorporar, por qualquer forma, ao seu patrimônio bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1º desta lei;

XII – usar, em proveito próprio, bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1º desta Lei.

Já em relação ao primeiro requerido, que à época exercia o mais importante cargo da Mesa Diretora da Assembléia Legislativa do Estado do Espírito Santo, vale observar que o mesmo lançou sua assinatura autorizando as falsas viagens do terceiro requerido, desconsiderando, posteriormente, sua presença física nas sessões ordinárias e extraordinárias daquela Casa de Leis na mesma data em que deveria estar viajando.

E o segundo requerido, por sua vez, ao agilizar a tramitação dos pedidos de diárias e acobertar toda sorte de ilicitudes, inclusive aceitando relatórios forjados do beneficiário, anuiu totalmente com o locupletamento ilícito do terceiro requerido.

Incidiram o primeiro e o segundo requeridos, desse modo, nas hipóteses de “atos de improbidade administrativa que causam prejuízo ao erário”, estabelecidas no artigo 10 da LIA, tanto em seu caput como também nos incisos I, II, IX, X e XII, que assim estabelece:

Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta Lei, e notadamente:

I – facilitar ou concorrer por qualquer forma para a incorporação ao patrimônio particular, de pessoa física ou jurídica, de bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1º desta Lei;

II – permitir ou concorrer para que pessoa física ou jurídica privada utilize bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1º desta Lei, sem a observância das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie;

(…)

IX – ordenar ou permitir a realização de despesas não autorizadas em lei ou regulamento;

X – agir negligentemente na arrecadação de tributo ou renda, bem como no que diz respeito à conservação do patrimônio público;

(…)

XII – permitir, facilitar ou concorrer para que terceiro se enriqueça ilicitamente;

(…)

Por conta de tudo o que se expôs, estão os réus sujeitos às sanções estabelecidas no artigo 12 da LIA, que melhor se apontará no item “do pedido”.

DA INDISPONIBILIDADE DOS BENS

Pela primeira vez em nossa história Constitucional o princípio da moralidade encontrou previsão expressa no Texto Magno, apesar de admitir-se sua existência implícita nas Constituições anteriores, demonstrando a preocupação do Constituinte de 88 com a proteção da probidade na administração pública.

No artigo 37, parágrafo 4º. da Carta Política percebe-se a severidade com que a Constituição quis reprimir as transgressões à probidade administrativa.

As condutas dos requeridos subsumem-se as disposições dos artigos 9° e 10 da Lei nº 8.429/92, impondo-lhes a obrigação de reparar o dano causado ao patrimônio público, nos exatos termos do art. 12, incisos I e II, do diploma legal citado.

Logo, se estão presentes os pressupostos necessários – o vestígio do bom direito e o perigo da demora – imperativo que se requeira expedição da ordem liminar, sem notificação prévia, até porque esta frustraria o sentido da medida, de acordo com o artigo 12 da Lei nº 7.347/85, no sentido de que os requeridos tenham seus bens colocados em indisponibilidade, medida que não lhes trará nenhum dano e salvaguardará o interesse público.

Ademais, impende analisar a necessidade da presença do requisito do “periculum in mora” para o deferimento de liminar em ação civil pública por ato de improbidade administrativa.

Parte da doutrina e da jurisprudência defendem a desnecessidade da probabilidade de dano em determinadas situações, chegando José Roberto dos Santos Bedaque a afirmar que a tutela provisória de evidência não é novidade em nosso ordenamento jurídico. (Improbidade Administrativa, questões polêmicas e atuais, ed. Malheiros, p. 262).

O autor acima mencionado cita que a liminar possessória e a antecipação de tutela fundada no abuso do direito de defesa dependem somente da plausibilidade do direito para serem concedidas, estando a medida de indisponibilidade dos bens, prevista na Lei de Combate à Improbidade, na mesma situação.

Assevera ainda:

Em compensação, desnecessário o perigo de dano, pois o legislador contenta-se com o fumus boni iuris para autorizar essa modalidade de medida de urgência. Essa solução vem sendo adotada pela jurisprudência. Identificam-se, portanto, as características da indisponibilidade prevista no art. 7o.: está limitada ao valor do prejuízo causado e não necessita da demonstração do perigo de dano. O legislador dispensou esse requisito, tendo em vista a gravidade do ato e a necessidade de garantir o ressarcimento do patrimônio público. … Em princípio, as medidas urgentes e provisórias são previstas com a finalidade de afastar o risco de dano, cuja ocorrência a parte deve demonstrar concretamente. Trata-se do risco de inutilidade prática do resultado final, o que levaria à instituição de medidas assecuratórias, destinadas a preservar o bem da vida necessário à efetividade do provimento final. Em outras situações, todavia, o legislador autoriza a tutela provisória, de conteúdo conservativo ou satisfativo, independentemente desse risco. Contenta-se com a probabilidade de o autor ter razão. Convencendo-se o juiz de que a pretensão deduzida na inicial tem boas chances de ser atendida, poderá conceder-lhe a possibilidade de fruição provisória do bem da vida pretendido ou determinar a conservação de determinado estado patrimonial. … No caso específico dos processos versando improbidade administrativa, tendo em vista a natureza da relação jurídica material e o bem da vida tutelado, o legislador previu tutela provisória da evidência, mediante providência cautelar conservativa consistente na indisponibilidade de bens do réu. Para obtê-la basta a demonstração da verossimilhança do direito… (José Roberto dos Santos Bedaque e outros, Improbidade Administrativa, questões polêmicas e atuais, ed. Malheiros, p. 260 e 263 e 264).

Outrossim, Wallace Paiva Martins Júnior, afirma:

Razoável o argumento que exonera a presença do fumus boni iuris e do periculum in mora para a concessão da indisponibilidade dos bens, apesar de opiniões contrárias. Com efeito, a lei presume esses requisitos ao autorizar a indisponibilidade, porquanto a medida acautelatória tende à garantia da execução da sentença, tendo como requisitos específicos evidências de enriquecimento ilícito ou lesão ao erário, sendo indiferente que haja fundado receio de fraude ou insolvência, porque o perigo é ínsito aos próprios efeitos do ato hostilizado. Exsurge, assim a indisponibilidade de bens como medida de segurança obrigatória nessas hipóteses. Fábio Medina Osório observa que o pedido de indisponibilidade de bens pode ser feito no próprio processo principal (sem necessidade de cautelar) e que ‘o periculum in mora emerge, via de regra, dos próprios termos da inicial, da gravidade dos fatos, do montante, em tese dos prejuízos causados ao erário’, na medida em que é ‘medida obrigatória, pois traduz conseqüência jurídica do processamento da ação, forte no art. 37, parágrafo 4o., da Constituição Federal”. (Probidade Administrativa, ed. Saraiva, p. 329 e 330).

Sobre a decretação da indisponibilidade de bens, em situações como a presente, assim têm-se pronunciado os tribunais:

Para a concessão da liminar nas ações movidas contra os agentes públicos por atos de improbidade administrativa, com fundamento nos casos mencionados no art. 9o. e 10 da Lei 8.429, de 1992, basta que o direito invocado seja plausível (fumus boni iuris), pois a dimensão do provável receio de dano (periculum in mora) é dada pela própria Lei 8.429 e aferida em razão da alegada lesão ao patrimônio da Administração Pública. (TJPR, 4a. C., AI 15.668, rel. Des. Airvaldo Stela Alves, j. 13.9.1999, v.u.; RT 759/319).

AÇÃO CIVIL PÚBLICA – IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA – INDISPONIBILIDADE DE BENS E QUEBRA DO SIGILO BANCÁRIO – POSSIBILIDADE – LIMITAÇÃO AOS VALORES PERSEGUIDOS E AO PERÍODO DOS FATOS – AGRAVO DE INSTRUMENTO PROVIDO PARCIALMENTE – Exsurgindo dos autos da ação civil pública provas convincentes da improbidade administrativa, pode o juiz determinar, a requerimento do autor, a indisponibilidade dos bens dos envolvidos, à vista do periculum in mora ínsito no art. 7º. da Lei nº. 8.429/92, devendo, contudo, guardar proporcionalidade com a reparação civil perseguida. O sigilo bancário, embora corolário do direito constitucional à intimidade (CF, art. 5º, X), pode ser quebrado quando o interesse público a recomenda para salvaguardar interesses mais relevantes. (TJMT – AI 8.160 – Classe II – 15 – Paranatinga – 1ª C.Cív. – Rel. Des. Orlando de Almeida Perri – J. 16.03.1998)

Demais disso, nas hipóteses de improbidade administrativa a regra geral sobre providências acautelatórias está no art. 7° da Lei nº 8.429/92 que dispõe sobre a indisponibilidade dos bens dos envolvidos, repetindo, aliás, o mandamento constitucional (art. 37, § 4°). Significa isso a impossibilidade de alienação de bens, podendo se concretizar por diversas formas, tais como o bloqueio de contas bancárias, aplicações financeiras, o registro da inalienabilidade imobiliária etc (cf. MARINO PAZZAGLINI, in IMPROBIDADE ADMINISTRASTIVA, Ed. Atlas S/A, 34ª. ed., p.191).

Com o intuito de restabelecer a moralidade administrativa e assegurar o ressarcimento dos prejuízos provocados ao patrimônio público, determina a Constituição Federal a indisponibilidade dos bens do administrador ímprobo, cuja medida impositiva se baseia tão somente no reconhecimento da prática do ato de improbidade.

É de se ressaltar, ainda, que os efeitos das medidas liminares não trariam prejuízos de ordem financeira aos demandados, vez que os bens, ainda que indisponíveis, permaneceriam na posse dos mesmos até o trânsito em julgado da sentença condenatória.

O fumus boni iuris, vertido na chamada plausibilidade do direito salta aos olhos e resta sobejamente evidenciado, ante a narrativa dos fatos e nos fundamentos jurídicos já expostos, sendo o único requisito necessário para o deferimento da medida, como forma de proteger o patrimônio público.

De outra sorte, o artigo 273 do Código de Processo Civil também autoriza a antecipação total ou parcial da pretensão vertida na inicial.

Ante o exposto, requer o Ministério Público do Estado do Espírito Santo, nos termos do artigo 37, § 4°, da CF, dos artigos 5° e 7° da Lei nº 8.429/92, do artigo 84, § 3°, da Lei n°. 8.078 (Código de Defesa do Consumidor) c/c artigos 12 e 21 da Lei nº 7.347/85 e do artigo 273 da Lei Adjetiva Civil, liminarmente e inaudita altera pars, a indisponibilidade dos bens dos Requeridos (artigo 37, § 4 da Constituição da República).

DOS PEDIDOS PRINCIPAIS

Estando comprovados os atos de improbidade administrativa e a violação dos princípios que regem a Administração Pública preconizados na Magna Carta, requer o MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO:

a) seja a presente autuada e processada na forma e no rito preconizado no art. 17 da Lei nº 8.429/92;

b) seja dispensado o pagamento de custas, emolumentos e outros encargos, desde logo, à vista do disposto no artigo 18 da Lei nº 7.347/85, aplicado subsidiariamente;

c) sejam as intimações do autor feitas pessoalmente, dado o disposto no artigo 236, § 2º, do CPC e no artigo 14 do Provimento nº 14/99, de 08/03/99, da Corregedoria Geral da Justiça do Estado do Espírito Santo, com a redação que lhe foi dada pelo Provimento nº 15/99, de 14/04/99;

d) seja decretada liminarmente a indisponibilidade dos bens dos requeridos, sendo que para tanto requer:

§ seja oficiado ao Eminente Desembargador Corregedor-Geral da Justiça solicitando que S. Exª. determine a expedição de ofícios a todos os Cartórios de Registros de Imóveis do Estado do Espírito Santo para que sejam bloqueados os bens imóveis dos Requeridos;

§ seja oficiado o Diretor-Geral do DETRAN/ES para que efetue o bloqueio de todos os veículos constantes em nome dos Requeridos;

§ seja oficiado aos Presidentes da Junta Comercial do Estado do Espírito Santo, Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais para que impeçam qualquer alteração contratual nos contratos sociais registrados em que figurem os nomes dos Requeridos;

e) seja o Estado do Espírito Santo e a Assembléia Legislativa do Estado do Espírito Santo notificados, para, querendo, integrar a lide na qualidade de litisconsortes, devendo suprir as omissões e falhas da inicial e apresentar ou indicar os meios de prova de que disponha (artigo 17, § 3º, da Lei nº 8.429/92);

f) seja determinada a notificação dos requeridos para, querendo, oferecer manifestação por escrito, que poderá ser instruída com documentos e justificações, dentro do prazo de quinze dias, na forma prevista no § 7º do artigo 17 da LIA;

g) seja recebida a petição inicial, determinando-se a citação dos requeridos, já qualificados na exordial, para, querendo, contestarem o presente pedido, no prazo de quinze dias, sob pena de confissão e revelia, permitindo-se ao Oficial de Justiça utilizar-se da exceção prevista no art. 172, § 2º, do Código de Processo Civil;

h) o julgamento antecipado da lide, já que a prova documental é mais que suficiente para deslinde da questão, sendo desnecessária, via de conseqüência, a produção de prova oral em audiência de instrução e julgamento (art. 330, inciso I, do CPC);

i) seja, ao final, julgado procedente o presente pedido, condenando-se os requeridos nas sanções civis alistadas no art. 12, incisos I e II, pela prática dos atos de improbidade descritos nos artigos 9º caput e incisos retro citados, e 10, caput e incisos citados, da Lei nº 8.429/92;

j) após o trânsito em julgado da sentença, sejam expedidos ofícios ao Tribunal Regional Eleitoral e ao Tribunal Superior Eleitoral, para o fim previsto no artigo 20 da Lei nº 8.429/92;

k) sejam os requeridos condenados ao pagamento das custas e demais despesas processuais.

Caso não seja atendido o pedido constante da alínea “h” supra, o que se admite apenas ad argumentandum, protesta também pela produção de prova oral, através do depoimento pessoal dos requeridos.

Dá-se à causa o valor de R$316.680,00 (trezentos e dezesseis mil, seiscentos e oitenta reais).

Vitória, ES., 23 de fevereiro de 2.007.

CLEBER PONTES DA SILVA

15ª Promotor de Justiça Cível de Vitória

FLÁVIO DE SOUZA SANTOS

24º Promotor de Justiça Cível de Vitória

MARCELO ZENKNER

8º Promotor de Justiça Cível de Vitória


[1] FRANCISCO BILAC MOREIRA PINTO, “Enriquecimento Ilícito no Exercício de Cargos Públicos”, Ed. Forense, Rio, p. 77.

[2] MARCELO CAETANO, apud José Afonso da Silva, “Curso de Direito Constitucional Positivo”, Malheiros Editores, 9ª ed., 4ª tiragem, p. 571.

[3] “Enriquecimento Ilícito no Exercício de Cargos Públicos”, Forense, Rio, 1960, pp. 65/68.

[4] “Curso de Direito Constitucional Positivo”, p. 571, 8ª ed., Malheiros, 1992.

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