Prestação de contas

Divulgar atuação parlamentar não é fazer propaganda eleitoral

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23 de fevereiro de 2007, 23h01

A divulgação da atuação parlamentar não caracteriza propaganda eleitoral. Com esse entendimento, o ministro Carlos Ayres Britto, do Tribunal Superior Eleitoral, aceitou recurso do ex-deputado estadual de Rondônia Francisco Izidro dos Santos (PSB-RO), conhecido como Chico Doido. A decisão acaba com multa do TRE-RO de 10 mil Ufir (R$ 10,6 mil).

Chico Doido foi acusado pelo Ministério Público Eleitoral e pelo governador Ivo Cassol (PPS) de utilizar o site da Assembléia Legislativa para fazer propaganda eleitoral três meses antes das eleições de 2006. Em sua defesa, Doido, que não se reelegeu, disse que a matéria veiculada na internet não configurava propaganda institucional.

Em novembro de 2006, Carlos Ayres Britto ressaltou que o TSE já entendeu que divulgação de atuação parlamentar não é publicidade institucional, desde que não extrapole os limites da própria atuação do político. A punição cabe quando a divulgação tiver conotação de propaganda.

O ministro complementou que por definição é da atuação parlamentar a comunicação com a população e a prestação de contas. Britto lembrou que, em votação semelhante, já havia se pronunciado sobre o assunto: “Se ele (o parlamentar), ainda que nesse período de três meses antecedentes à eleição, divulga sua atividade em si, parece que está situado no campo da pura prestação de contas, representante que é, por excelência, do povo”.

Recurso Especial Eleitoral 26.926

Leia a decisão do ministro Carlos Ayres Britto

DECISÃO

“A Coligação “O Trabalho Continua” , o Sr. Francisco Izidro dos Santos e o Ministério Público Eleitoral em Rondônia interpuseram recurso especial contra acórdão do Tribunal Regional Eleitoral de Rondônia. Acórdão que deu parcial provimento a recurso para julgar procedente representação, impondo ao candidato Francisco Izidro dos Santos multa no valor de dez mil Ufir’s.

2. Eis a ementa do acórdão regional (fls. 70):

I – Representação Eleitoral. Conduta vedada. Propaganda institucional. Sítio de internet. Período eleitoral. Vedação. Autorização. Desnecessidade. Candidato beneficiado. Sanção. Multa.

Caracteriza propaganda institucional, veiculada em sítio de Internet do Poder Legislativo, a divulgação das atividades de parlamentar, vedada nos três meses que antecedem o pleito eleitoral.

Provado o benefício para a candidatura do parlamentar, mostra-se irrelevante saber se partiu dele a autorização da publicidade institucional, posto que o candidato beneficiado, agente público ou não, sujeita-se à pena de multa, bem como a cassação do registro ou do diploma, a teor dos §§ 4º, 5º e 8º do art. 73 da Lei n. 9.504/97.

II – Conduta vedada. Configuração. Cassação do registro e do diploma. Juiz Auxiliar. Incompetência.

A cassação do registro ou diploma, por infração ao art. 73 da Lei n. 9.504/97, não é automática, devendo observar o procedimento próprio junto ao juiz competente para o registro da candidatura, na forma do inciso II, do artigo 89 do Código Eleitoral.

Juiz Auxiliar não tem competência, nos termos do inciso VII, do artigo 1º, da Resolução TRE/RO n. 09, de 19 de abril de 2006, para cassar registro ou diploma de candidato – Recurso conhecido e, no mérito, provido parcialmente.

3. Pois bem, a Coligação “O Trabalho Continua” alega afronta ao § 5º do art. 73 e ao § 3º do inciso II do art. 96, ambos da Lei nº 9.504/97. Afirma que o § 5º prevê a imposição das penas de multa e cassação do registro, e não uma ou outra, como se entendeu na instância ordinária. Assinala que o Juiz Auxiliar não só detém competência para o processo e julgamento da representação, como também para a imposição de penalidade, divergindo o acórdão recorrido, nesse ponto, de jurisprudência do TSE.

4. Já a Procuradoria Regional Eleitoral argúi que o Juiz Auxiliar é competente para reconhecer a prática da conduta vedada e aplicar a sanção prevista no § 5º do artigo 73 da Lei das Eleições. Vai além e pede a reforma do acórdão recorrido para que seja aplicada também a sanção de cassação do registro de candidatura do recorrido.

5. Por derradeiro, Francisco Izidro dos Santos sustenta que o julgamento foi extra petita e que a matéria veiculada na internet não configura propaganda institucional nem foi por ele autorizada. Requer o provimento do recurso para excluir da condenação a multa aplicada.

6. Apresentadas contra-razões às fls. 202-205 e 208-211.

7. A seu turno, a douta Procuradoria-Geral Eleitoral opina “não há como acolher as razões aduzidas no recurso especial interposto por Francisco Izidro dos Santos, em relação ao qual o parecer é pelo não conhecimento. Quanto aos dois outros dos recursos, o Ministério Público Eleitoral opina pelo conhecimento e provimento para cassar o registro de candidato” (fls. 216-221).

8. Bem vistas as coisas, observo que esta nossa Corte Superior, em sessão de 16.11.2006, examinou casos similares ao dos presentes autos, nos Recursos Especiais nºs 26.875 e 26.910, ambos da relatoria do Ministro Gerardo Grossi, também oriundos do TRE/RO. Na ocasião, firmou entendimento de que a divulgação da atuação parlamentar não caracteriza publicidade institucional, desde que esta não extrapole os limites daquela. É o que se vê das seguintes passagens do voto condutor do julgamento do REspe nº 26.875:

“(…)

O dispositivo legal proíbe a publicidade de atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos federais, estaduais ou municipais, nos três meses que antecedem o pleito, o que não se verifica no caso dos autos, que diz com divulgação, em sítio da Assembléia Legislativa de Rondônia na internet, da atuação do parlamentar.

Vê-se que a situação dos autos não se enquadra no dispositivo legal.

Quanto aos parlamentares, há disciplina específica, tratada no inciso II do art. 73 da Lei Eleitoral, que veda tão-somente a utilização de materiais ou serviços, custeados pelas Casas Legislativas, que excedam as prerrogativas consignadas nos regimentos e normas dos órgãos que integram. (grifei)

Ora, a contrário sensu, desde que não exceda os limites, ao parlamentar é permitida essa divulgação.

Na Consulta nº 444 (Resolução-TSE nº 20.217), o então Presidente da Câmara dos Deputados indagou a esta Corte sobre a possibilidade da elaboração de trabalhos gráficos para os deputados, em ano eleitoral. O relator, Min. Eduardo Ribeiro, assim se manifestou:

Tenho como perfeitamente aceitável a regulamentação constante do Ato 65/67 da Mesa da Câmara dos Deputados, em que se definem como trabalhos gráficos, relativos à atividade parlamentar, além de outros impressos de menor importância, “separatas de discursos, projetos, pareceres e trabalhos que contenham legislação ou textos ligados à atividade do parlamentar ou de interesse público” . Há de se colocar ênfase na vedação de que se inclua “qualquer mensagem que possa ser caracterizada como propaganda eleitoral” .

Quanto a um limite temporal para a feitura de tais trabalhos, permito-me discordar das manifestações constantes dos autos. Considero que não se deve entender como publicidade, para os fins do artigo 73, VI, “b” , da Lei 9.504/97, a feitura de impressos com as características acima. Se qualquer espécie de divulgação do trabalho parlamentar houvesse de assim classificar-se, haveria de vedar-se a circulação do “Diário do Congresso” ou a transmissão da “Voz do Brasil” . E mais. Em qualquer época seria inviável a elaboração dos questionados trabalhos gráficos, pois, constando o nome do Deputado, incidiria o previsto no artigo 37, § 1º da Constituição.

No julgamento do REspe nº 19.752/MG, DJ de 28.10.2005, rel. Min. Sepúlveda Pertence, assim decidiu este Tribunal:

2. Boletins informativos de atuação parlamentar: licitude a qualquer tempo, se se conforma a publicação à Res./TSE 20.217, de 2.6.98, Eduardo Ribeiro.

É da experiência comum que esse propósito de credenciar-se à disputa de novos mandatos eletivos dificilmente estará ausente dos informativos da atividade parlamentar de um homem público cujo perfil se enquadra no que se tem denominado – muitas vezes, com injusta coloração pejorativa -, de um “político profissional”.

3. Ocorre que a lei expressamente permite sua veiculação à conta das câmaras legislativas, nos limites regimentais (L. 9.504/97, art. 73, II, a contrario sensu). O que se veda – na esteira da Res./TSE 20.217 – é que a publicação “tenha conotação de propaganda eleitoral”, a qual, portanto, há de aferir-se segundo critérios objetivos e não conforme a intenção oculta de quem a promova.

Dessa forma, uma vez afastada a ocorrência do fato descrito no art. 73, VI, b, da Lei nº 9.504/97, fica prejudicada a matéria relativa à aplicação da pena de cassação do registro de candidatura, objeto dos recursos do Ministério Público e da Coligação O Trabalho Continua.

De todo modo, importante ressaltar que, ao contrário do que decidiu o TRE/RO quanto ao julgamento das representações por desobediência à Lei nº 9.504/97, é assente o entendimento desta Corte de que a competência é dos juízes auxiliares, a teor do art. 96, § 3º, da Lei das Eleições. E dentro dessa competência se insere a aplicação das sanções previstas na legislação em comento.

(…)” .

9. Por fim, naquela assentada, manifestei em meu voto:

“Tendo a fazer distinção, sempre, entre o Poder Legislativo e o Poder Executivo. Aliás, como fez o inciso II do art. 73, lembrado pelo Ministro Gerardo Grossi.

O Legislativo é o poder político mais ortodoxo, até mesmo comparado com o Executivo, pelo seguinte: no Executivo, uma parte dele não é eleita pelo povo (por exemplo, os ministros de Estado, os secretários de Estado). Só as chefias executivas é que são escolhidas pela população. No Parlamento, ao contrário, todos os seus membros são eleitos. Não há um senador ou deputado que não passe pela pia batismal do voto; todos são ungidos pela votação popular.

Quando me debruço sobre o art. 73, inciso VI, alínea b, percebo que a linguagem da lei é reprodução da Constituição Federal, exatamente igual ao § 1º do art. 37, em passagem que diz respeito exclusivamente à Administração Pública.

Por isso, faço distinção entre o administrador público e o parlamentar. O parlamentar é, por definição, aquele que parla, que faz uso da fala, é quem se comunica, em suma, com a população e presta contas a ela de seus atos, de maneira permanente. Se ele, ainda que nesse período de três meses antecedentes à eleição, divulga sua atividade em si, parece que está situado no campo da pura prestação de contas, representante que é, por excelência, do povo. Agora, se transforma sua prestação de contas em plataforma eleitoral, ele se excede, incorre em descomedimento e atrai a incidência dessa proibição.

(…) acompanho o relator e insisto na tese de que o parlamentar está do lado de fora da proibição em causa. O administrador, não; ele, já dizia Rui Cirne Lima, não é senhor de coisa própria, é gestor de coisa alheia. Eu faço, sim, a distinção entre legislador e administrador” .

10. Por tudo quanto posto, dou provimento ao recurso especial de Francisco Izidro dos Santos para o fim de afastar a aplicação da multa aplicada pelo TRE/RO. Em conseqüência, nego seguimento aos recursos especiais do Ministério Público Eleitoral e da Coligação “O Trabalho Continua” .

Brasília, 16 de fevereiro de 2007.

Ministro CARLOS AYRES BRITTO, Relator

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