Derrota no STF

Supremo nega liberdade a viúva de ganhador da mega-sena

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23 de fevereiro de 2007, 11h00

O Supremo Tribunal Federal negou o pedido de Habeas Corpus de Adriana Ferreira Almeida, acusada de mandar matar o marido ganhador de um prêmio da mega-sena. O pedido foi negado pela ministra Cármen Lúcia. Adriana está presa desde o dia 30 de janeiro.

O Habeas Corpus esbarrou na Súmula 691. Segundo o texto, “não compete ao Supremo Tribunal Federal conhecer de Habeas Corpus impetrado contra decisão do relator que, em Habeas Corpus requerido a tribunal superior, indefere a liminar”. Como o HC ajuizado no STJ ainda não foi analisado no mérito, o STF não concedeu a ordem.

Cármen Lúcia considerou, ainda, que não há ilegalidade ou constrangimento ilegal para que a súmula seja superado. Também afirmou que ficou claro no decreto os requisitos necessários para justificar a prisão.

“A liberdade é, sim, direito fundamental. Como é dever constitucional igualmente fundamental o respeito aos outros, em especial à vida do outro. No caso em foco, tem-se, na base de tudo, que uma vida foi ceifada na sociedade”, observou Cármen Lúcia.

“O Estado não pode esperar que lhe cheguem às mãos, candidamente, os elementos de culpa. Há de investigar, sempre na forma e no rigor do direito, para obter tais elementos. E há de cuidar para que, de um lado, não sejam atropelados, comprometidos ou afrontados os direitos fundamentais, em especial, o da liberdade; e de outro, que não sejam impedidos, dificultados ou obstruídos os meios para se chegar a isso, sob pena de ver frustrados os sistemas de definição dos delitos e das penas”, concluiu.

Os pedidos de Habeas Corpus da acusada já haviam sido negados também pela Justiça do Rio de Janeiro e pelo Superior Tribunal de Justiça. Todos os pedidos foram julgados por juízas. René Senna foi assassinado com quatro tiros no dia 7 de janeiro quando estava em um bar que costumava freqüentar, sem os seguranças.

Leia a decisão:

HABEAS CORPUS 90.668-1 RIO DE JANEIRO

RELATORA : MIN. CÁRMEN LÚCIA

PACIENTE(S) : ADRIANA FERREIRA ALMEIDA OU ADRIANA FERREIRA DE ALMEIDA

IMPETRANTE(S) : RICARDO CERQUEIRA E OUTRO(A/S)

COATOR(A/S)(ES) : RELATORA DO HC Nº 76158 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

DECISÃO

HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL. ALEGAÇÃO DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. IMPOSSIBILIDADE DE CONHECIMENTO DOS FUDAMENTOS ATACADOS. DECISÃO QUE INDEFERIU LIMINAR NO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. SÚMULA 691. AUSÊNCIA DE MANIFESTA ILEGALIDADE OU DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL DEMONTRADO DE PLANO. IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DE SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. HC AO QUAL SE NEGA SEGUIMENTO.

1. Habeas corpus, com pedido de liminar, impetrado por Alexandre Moura Dumans e Ricardo Cerqueira em favor de ADRIANA FERREIRA ALMEIDA, contra decisão da Ministra Laurita Vaz, do Superior Tribunal de Justiça, Relatora do HC 76.158, que indeferiu liminar ali requerida em benefício da mesma Paciente.

O caso

2. Pelos autos se tem notícia que “a autoridade policial da 119ª Delegacia de Polícia, entre outras medidas, representou pela prisão temporária da paciente… em 25 de janeiro, a MM. Juíza de Direito da 2ª Vara Criminal da Comarca de Rio Bonito/RJ, após manifestação favorável do Ministério Público, decretou a custódia cautelar pleiteada, a qual foi cumprida no dia 30 de janeiro…” (fl. 3).

A paciente foi presa, segundo relatam os Impetrantes, “após a oitiva de várias testemunhas e a realização de diversas diligências”(fl. 3) relativas à apuração do crime de homicídio praticada contra René Senna, da qual é ela, agora, viúva.

3. Asseveram os Impetrantes que contra a decretação da prisão “impetrou-se ordem de habeas corpus no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro na qual se pedia, em caráter liminar, a libertação da paciente até o julgamento do writ…a liminar restou indeferida, na mesma data (da impetração) pela eminente Desembargadora Maria Raimunda Azevedo, da Oitava Câmara Criminal…”(fl. 4). Anotam eles, ainda, que “irresignados com o indeferimento da liminar … recorreram uma vez mais ao remédio heróico, apresentando-o perante o Egrégio Superior Tribunal de Justiça. Coube à eminente Ministra Laurita Vaz, da Quinta Turma, apreciar o pedido de liminar, o qual restou indeferido…. Observe-se, inicialmente, que se impetra o presente writ contra decisão de Exma. Sra. Ministra do Superior Tribunal de Justiça, que, ao examinar (o) pedido … indeferiu medida liminar que visava à soltura da paciente até o julgamento do mérito…” (fl. 5).

4. Os Impetrantes afirmam que “apesar da súmula 691 do Supremo Tribunal, nas hipóteses em que há evidente violação à liberdade de locomoção, esse Excelso Pretório tem admitido um abrandamento da regra de não conhecer de habeas corpus impetrado contra decisão de Relator que indefere liminar…” (fl. 5).

Daí observarem que “diante dos precedentes… e da inequívoca violação da liberdade de locomoção da paciente, é necessário mitigar o alcance da súmula 691 do Supremo Tribunal Federal…” (fl. 6).

Afirmam eles a “desnecessidade” da prisão da paciente, pois “nenhum ato ou diligência foi realizado, até o presente momento, com a necessidade de sua presença” (fl. 13) e que “a lei n. 7.960/89 (que cuida da prisão temporária) é um diploma que, por sua própria essência, ameaça um dos direitos fundamentais mais caros ao cidadão comum: o de ir e vir.”(fl. 13)

Por tudo quanto relatam requerem medida liminar “a fim de que a paciente seja posta imediatamente em liberdade, assim permanecendo até o julgamento do presente writ” e, no mérito, pedem eles seja concedida “a ordem para cassar o decreto de prisão temporária da MM. Juíza da 2ª Vara da Comarca de Rio Bonito/RJ, fazendo cessar, assim, o constrangimento ilegal que ora paira sobre a paciente” (fl. 17).

Apreciada a espécie, DECIDO.

5. Não há fundamento jurídico a permitir o seguimento da presente ação.

6. Em primeiro lugar, porque não há comprovação de constrangimento ilegal manifesto ou “violação da liberdade de locomoção da paciente” a ensejar o temperamento na aplicação da súmula 691, deste Supremo Tribunal, absolutamente pertinente e adequada à espécie vertente.

Dispõe aquela súmula que “Não compete ao Supremo Tribunal Federal conhecer de habeas corpus impetrado contra decisão do Relator que, em habeas corpus requerido a tribunal superior, indefere a liminar”.

O ato que seria coator, na espécie, seria exatamente decisão da eminente Ministra do Superior Tribunal de Justiça que indeferiu liminar de habeas corpus em ação ali impetrada.

E não se demonstra, no caso, manifesto constrangimento ilegal ou violência estatal praticada contra a ora Paciente.

7. Aliás, os próprios Impetrantes é que alertam ter sido fundamentada a decisão de prisão preventiva decretada pela Juíza de Rio Bonito/RJ, a qual foi pedida pelo Delegado que está conduzindo o inquérito. Ressaltam os Impetrantes que o Ministério Público manifestou-se favoravelmente àquela prisão (fl. 3).

Do documento acostado em cópia aos autos se pode verificar que a nobre magistrada de primeiro grau foi taxativa ao declarar estarem “presentes … os pressupostos fumus boni juris e periculum in libertatis autorizadores da medida cautelar pretendida ante o que consta nos autos. Com efeito, dos elementos circunstanciais apontados pela Autoridade Policial ressumam fortes indícios de autoria do delito de homicídio perpetrado contra René Senna por parte dos representados. … O periculum in libertatis decorre da necessidade de preservação de provas que estejam ainda distantes do pálio da Justiça, além de restar desta forma assegurado o prosseguimento das diligências investigatórias”(fl. 32).

Daí porque não se há aceitar o primeiro dos argumentos oferecidos pelos Impetrantes no sentido de ser carente de fundamentação o decreto de prisão, que demonstraria a “violação” da liberdade da Paciente. É certo que aquela digna Juíza não conclui como gostariam os defensores da Paciente. Mas tanto não significa carência de fundamentação.

8. Deixo de aprofundar as considerações sobre a legitimidade, ou não, da prisão preventiva, como dissertam os Impetrantes, porque seria ampliar tema que não tem cabimento no desate da presente ação. A Lei n. 7.960/89 está em vigor e a sua aplicação é dever que se impõe ao magistrado nas situações subsumidas ao quanto nela disposto, tal como até aqui entenderam as autoridades judiciárias competentes.

Aliás, dizem bem os Impetrantes: a liberdade é, sim, direito fundamental. Como é dever constitucional igualmente fundamental o respeito aos outros, em especial à vida do outro. No caso em foco, tem-se, na base de tudo, que uma vida foi ceifada na sociedade. No contexto das investigações, que por dever se impõem ao Estado e têm de ser levadas a efeito para se chegar à descoberta dos autores do ato antijurídico e à punição dos culpados, e a fim de que eventual futuro julgamento possa ser feito com todos os dados da verdade descoberta, é que o sistema jurídico permite, excepcionalmente, a prisão preventiva nos específicos e restritos casos previstos na norma. O Estado não pode esperar que lhe cheguem às mãos, candidamente, os elementos de culpa. Há de investigar, sempre na forma e no rigor do direito, para obter tais elementos. E há de cuidar para que, de um lado, não sejam atropelados, comprometidos ou afrontados os direitos fundamentais, em especial, o da liberdade; e de outro, que não sejam impedidos, dificultados ou obstruídos os meios para se chegar a isso, sob pena de ver frustrados os sistemas de definição dos delitos e das penas. Nem se há de dar a pena a quem não seja culpado, nem se há de impedir a sociedade de cobrar do Estado para que ele descubra e processe quem venha a ser provado autor de atos condenados segundo o sistema jurídico. Nem se antecipem penas, nem se impeça a sua aplicação pelo embaraço à descoberta dos que devam ser processados e, se for o caso, punido na forma do direito vigente. Enfim, nem se vá tão bruscamente que se atropelem direitos fundamentais, sob pena de se ter injustiça ; nem se vá tão devagar, que se deixe de correr contra os atos que trangridam o direito, sob pena de se voltar à barbárie.

Até o julgamento no qual se conclua pela condenação à pena de privação não se cerceia a liberdade, a não ser, excepcionalmente, quando se mostre imprescindível a segregação não como punição, mas como prevenção contra o risco da frustração do direito, o Estado do não direito, a impossibilidade de se aplicar o direito.

À magistrada encarregada de cuidar dos meios para que as investigações sejam levadas a efeito coube o ofício de apurar se, no caso, estavam presentes os dados objetivos que justificaram o deferimento da prisão preventiva da ora Paciente.

Assim ela entendeu e fundamentou a sua decisão.

As dignas magistradas do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro e do Superior Tribunal de Justiça não concluíram pela ocorrência de constrangimento ilegal ou de violência contra a Paciente, pelo menos em juízo de cognição sumária e precária como é a liminar pedida e indeferida naquelas duas instâncias.

9. Também não é fato que a Paciente está presa e “após a (sua) prisão … nenhum ato ou diligência foi realizado, até o presente momento, com a necessidade da sua presença”, pois está previsto o seu interrogatório perante o Delegado competente para os próximos dias.

10. Ressalto, ainda, que tanto a primeira decisão que indeferiu a liminar no E. Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, quanto a segunda, ora questionada e de autoria da eminente Ministra Laurita Vaz, do Superior Tribunal de Justiça, são decisões monocráticas, de natureza precária e, assim, desprovidas de conteúdo definitivo. Sem a cognição do conteúdo material definitivo, torna-se inviável aferir a plausibilidade jurídica da pretensão deduzida pelos Impetrantes em favor do Paciente, pois não há como analisar, de forma cabal, os argumentos expostos no presente habeas corpus, confrontando-os com os fundamentos – ainda passíveis de revisão – em que se apóiam as mencionadas decisões.

11. Observa-se que, tal como ponderado pela nobre Ministra do Superior Tribunal no habeas corpus impetrado perante aquele digno órgão, também aqui o pedido formulado na ação tem natureza satisfativa, “confundindo-se com a própria impetração” (fl. 22), pelo que a concessão da ordem por este Supremo Tribunal prejudicaria o julgamento daquele impetrado no Superior Tribunal, e que ainda está sub judice, o que configura inaceitável supressão de instância (Nesse sentido: HC 88.976-SP, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 13.6.2006; HC 87.051-AgR-SP, Rel. Min. Cezar Peluso, DJ 30.6.2006; HC 80.631-RS, Rel. Min. Moreira Alves, DJ 6.4.2001).

Por todo o exposto, nego seguimento ao presente habeas corpus (art. 21, § 1º, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal), ficando, por óbvio, prejudicado o pedido de liminar.

Publique-se.

Ministra CÁRMEN LÚCIA

Relatora

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