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MPF paulista quer reescrever roteiro de Páginas da Vida

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23 de fevereiro de 2007, 12h10

O Ministério Público Federal em São Paulo recomendou ao diretor da novela Páginas da Vida, Jaime Monjardim, que a trama não seja encerrada no próximo dia 2 de março, como manda o roteiro. A sugestão é que, antes disso, sejam exibidas cenas que mostrem que levar crianças com deficiência a escolas regulares é dever dos pais e não mera opção.

Os zelosos procuradores Sergio Suiama e Eugênia Augusta Gonzaga Favero pedem ainda que a novela mostre que a conduta das escolas comuns que recusam crianças com deficiência pode ter conseqüências cíveis, penais ou administrativas.

Caso o autor da novela e a emissora não queiram alterar os capítulos para a inclusão destas cenas, os autores da recomendação sugerem que a Rede Globo exiba por três dias, junto aos créditos da novela, um texto esclarecendo que crianças e adolescentes com deficiência também têm direito inalienável de acesso às classes e escolas comuns da rede regular de ensino e que é “dever dos pais e de seus responsáveis exigirem o cumprimento desse direito”.

O argumento dos dois procuradores é o de que a abordagem feita em Páginas da Vida tratou do direito de crianças com deficiência freqüentarem as escolas comuns como uma opção dos pais e não como um direito indisponível. Não consta das atribuições do Ministério Público reescrever o roteiro de novelas.

Leia o pedido

RECOMENDAÇÃO Nº 05/2007/MPF/PR/SP

O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, pelo Procurador Regional dos Direitos do Cidadão e pela Procuradora da República subscritores, no exercício de suas atribuições institucionais, com assento nos artigos 127, 129 da Constituição Federal, c.c. o artigo 6º , incisos VII, alínea c da Lei Complementar nº 75/93, CONSIDERANDO que:

— a novela “Páginas da Vida” vem abordando vários temas de relevância social, dentre eles, a possibilidade do acesso de crianças com deficiência ao ensino formal, em escolas comuns;

— este acesso à educação, assim como para qualquer criança ou adolescente, é um direito indisponível e, ao contrário do que prega uma prática secular, mas desprovida de amparo jurídico, não é suprido com o acesso exclusivo dessa criança a ambientes segregados e constituídos para grupos de pessoas com a mesma deficiência;

— o acesso das pessoas com deficiência ao ensino formal é garantido inclusive pela legislação penal, pois o artigo 8º, da Lei 7.853/89, prevê como crime condutas quem frustam, sem justa causa, a matrícula de aluno com deficiência;

— a abordagem feita na novela “Páginas da Vida”, entretanto, tratou do direito de crianças com deficiência, de freqüentarem as escolas comuns, como uma opção dos pais e não como um direito indisponível da criança, sem qualquer conseqüência pelo seu descumprimento, mesmo por parte das escolas;

— ainda que tal abordagem reflita o senso comum, o fato de o tema ser levado ao público, ainda mais por um instrumento de tamanha repercussão, exige que tenha lastro no adequado esclarecimento técnico-jurídico;

— a novela também deu menor importância à conduta da escola e respectivos profissionais que praticam atos discriminatórios contra alunos com deficiência, definidos como crime, conforme visto acima;

— essa menor importância é constatada pelo fato de que tais cenas foram exibidas e comentadas com insistência no início da novela, mas restaram

sem qualquer resposta, ao longo da trama, sobre uma possível medida judicial para responsabilizar e coibir esses atos;

— ainda que se alegue que a novela deixou explícita a reprovabilidade da conduta da escola que discriminou a personagem “Clara”, há que se ressaltar que a mera reprovação social é uma conseqüência pífia para uma conduta que caracteriza discriminação contra pessoas com deficiência e ainda é definida como crime apenado com reclusão pela legislação pátria;

— tais distorções (tratar um direito indisponível como opção e deixar de apontar qualquer possibilidade de responsabilização por condutas discriminatórias e ilícitas) geram um prejuízo inegável para o avanço da garantia do direito de acesso das crianças com deficiência à educação e ao ensino comum, pois contribuem e reforçam o desconhecimento do público e das próprias autoridades sobre a temática;

— não se pode negar que a novela deu à Síndrome de Down e a outras deficiências um grau de visibilidade sem precedentes, mas a visibilidade, por si só, é insuficiente para promover algum avanço na garantia de acesso a direitos fundamentais, como o do ensino em estabelecimentos comuns do ensino regular;

— a enorme visibilidade alcançada, acompanhada apenas de referências às dificuldades enfrentadas para o acesso a esse direito, insiste-se, sem nenhuma referência à sua disciplina jurídica, especialmente a relativa às possibilidades de medidas em relação ao seu descumprimento, produz o grave efeito de desestimular os pais de crianças com deficiência a buscarem, das mais diversas maneiras, garantir a seus filhos o acesso às escolas comuns;

— maiores considerações sobre o ordenamento jurídico pátrio e internacional, que respalda a necessidade e importância da revisão da sistemática de atendimento educacional de pessoas com deficiência exclusivamente em locais segregados, além de constarem de vasta bibliografia, podem ser encontradas nos documentos oficiais disponíveis no sítio eletrônico da Secretaria de Educação Especial do Ministério da Educação, bem como na cartilha intitulada “O acesso de alunos com deficiência às classes e escolas comuns da rede regular”, disponível em www.prsp.mpf.gov.br;

— o art. 221, da Constituição brasileira, dispõe que a programação das emissoras de rádio e televisão devem atender aos princípios da preferência por finalidade educativas, informativas, de respeito aos valores éticos sociais da pessoa e da família, entre outros, assim, não poderia adotar abordagens que induzem a erro o telespectador sobre os direitos de crianças e adolescentes com deficiência;

— as emissoras de televisão são concessionárias de um serviço público federal, cabendo ao Ministério Público Federal, nos termos dos artigos 5º e 39 da Lei complementar 75//93 , “zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos da União, dos serviços de relevância pública e dosmeios de comunicação social aos princípios, garantias, condições, direitos, deveres e vedações previstos na Constituição Federal e na lei, relativos à comunicação social”, bem como “exercer a defesa dos direitos constitucionais do cidadão, sempre que se cuidar de garantir-lhes o respeito pelos concessionários e permissionários de serviço público federal” (grifos nossos);

RECOMENDA

a Vossa Senhoria, na qualidade de Diretor da novela “PÁGINAS DA VIDA”, que determine as providências necessárias para:

a) que a novela não seja encerrada sem a veiculação de cenas que demonstrem claramente que o acesso de alunos com deficiência a escolas comuns do ensino regular, não é mera opção de seus pais ou responsáveis, bem como cenas que demonstrem que a conduta das escolas comuns que recusarem ou fizerem cessar essas matrículas, pode ter conseqüências cíveis, penais e administrativas; OU

b) caso o autor e sua equipe insistam na abordagem atual e não queiram preparar cenas que contenham as informações acima, que seja veiculado, por três vezes consecutivas, até o dia 02 de março de 2007, juntamente com os créditos finais exibidos diariamente, por escrito e verbalmente, o seguinte texto: “A Rede Globo de Televisão, atendendo a recomendação do Ministério Público Federal em São Paulo, esclarece que “crianças e adolescentes com deficiência também têm direito indisponível, ou seja, inalienável, de acesso às classes e escolas comuns da rede regular de ensino, o que significa que é dever dos pais e de seus responsáveis exigirem o cumprimento desse direito, se necessário, denunciando ao Ministério Público qualquer conduta que implique na sua negação ou restrição, conforme exibido por esta novela em seus capítulos iniciais”;

c) dar ciência desta recomendação ao autor da novela e respectiva equipe.

São Paulo, 16 de fevereiro de 2007.

SÉRGIO GARDENGHI SUIAMA

Procurador Regional dos Direitos do Cidadão

EUGÊNIA AUGUSTA GONZAGA FÁVERO

Procuradora da República

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