Exigência suspensa

Ministro dispensa depósito prévio para recurso administrativo

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22 de fevereiro de 2007, 23h01

Empresa não precisa fazer depósito prévio para entrar com recurso administrativo. O entendimento é do ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal. O ministro acolheu o pedido de liminar da Cargil Agrícola, para que a empresa possa entrar com recurso sem fazer o depósito.

Celso de Mello considerou que a matéria tem caráter excepcional, porque envolve a discussão do depósito prévio, como exigência para interposição de recurso administrativo — tema sob apreciação do Plenário no Recurso Extraordinário 388.359.

Por isso, o relator deferiu a liminar para suspender a decisão do Tribunal de Justiça mineiro, que determinou o depósito, afastando a obrigação até que a matéria seja decidida pelo Plenário do STF. A decisão de Celso de Mello ainda terá de ser confirmada pela 2ª Turma.

AC 1.566

Leia a decisão

MED. CAUT. EM AÇÃO CAUTELAR 1.566-9 MINAS GERAIS

RELATOR: MIN. CELSO DE MELLO

REQUERENTE(S): CARGILL AGRÍCOLA S/A

ADVOGADO(A/S): FERNANDA FONTES FEIJÓ E OUTRO(A/S)

REQUERIDO(A/S): ESTADO DE MINAS GERAIS

ADVOGADO(A/S): ADVOCACIA-GERAL DO ESTADO – MG – PAULA ABRANCHES DE LIMA

EMENTA: RECURSO ADMINISTRATIVO. DEPÓSITO PRÉVIO. CONTROVÉRSIA CONSTITUCIONAL EM TORNO DESSE PRESSUPOSTO DE ADMISSIBILIDADE RECURSAL. DOUTRINA. REEXAME DA QUESTÃO PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (RE 389.383/SP, v.g.). JULGAMENTO, PELO PLENÁRIO, AINDA EM CURSO (COM 5 VOTOS PRONUNCIANDO A

INCONSTITUCIONALIDADE DESSA EXIGÊNCIA LEGAL). PLAUSIBILIDADE JURÍDICA. MEDIDA CAUTELAR DEFERIDA.

DECISÃO: A parte ora requerente busca a outorga de provimento cautelar, em ordem a suspender, provisoriamente, a eficácia de acórdão, que, emanado do E. Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, foi objeto de recurso extraordinário que sofreu, no entanto, na origem,

juízo negativo de admissibilidade (fls. 201/204).

Registro que, contra esse ato decisório, foi deduzido o pertinente agravo de instrumento (fls. 208/212), ainda em curso de processamento perante a instância judiciária local.

Passo a apreciar o pedido formulado na presente sede processual.

Tenderia a negar trânsito à presente “ação cautelar incidental”, considerada a jurisprudência prevalecente nesta Corte. Como se sabe, a concessão de medida cautelar, pelo Supremo Tribunal Federal, quando requerida na perspectiva de recurso extraordinário interposto pela parte interessada, supõe, para legitimar-se, a conjugação necessária dos seguintes requisitos: (a) que tenha sido instaurada a jurisdição cautelar do Supremo Tribunal Federal (existência de juízo positivo de admissibilidade do recurso extraordinário, consubstanciado em decisão proferida pelo Presidente AC 1.566-MC / MG do Tribunal de origem ou resultante do provimento do recurso de agravo); (b) que o recurso extraordinário interposto possua viabilidade processual, caracterizada, dentre outras, pelas notas da tempestividade, do prequestionamento explícito da matéria constitucional e da ocorrência de ofensa direta e imediata ao texto da Constituição; (c) que a postulação de direito material deduzida pela parte recorrente tenha plausibilidade jurídica; e (d) que se demonstre, objetivamente, a ocorrência de situação configuradora do “periculum in mora” (RTJ 174/437-438, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.).


Isso significa, portanto, que, presente situação em que já formulado juízo negativo de admissibilidade do recurso extraordinário, não se revelará cabível a outorga, por esta Corte, de provimento cautelar destinado a suspender a eficácia do acórdão objeto do apelo extremo denegado na origem, como o Supremo Tribunal Federal tem reiteradamente proclamado (RTJ 191/483, v.g.):

A concessão de efeito suspensivo, seja a recurso extraordinário ainda não admitido, seja àquele cujo trânsito já foi recusado na instância de origem, seja, também, a agravo de instrumento interposto contra a decisão que negou processamento ao apelo extremo, não se mostra processualmente viável, pois a instauração da jurisdição cautelar do Supremo Tribunal Federal supõe, em caráter necessário, além de outros requisitos (RTJ 174/437-438), a formulação, na instância judiciária de origem, de juízo positivo de admissibilidade. Precedentes.” (RTJ 191/123-124, Rel. Min. CELSO DE MELLO)

Ocorre, no entanto, que a colenda Segunda Turma desta Corte, em recentíssimo julgamento (06/02/2007), ao examinar pretensão semelhante à ora deduzida nesta sede processual, reconheceunão obstante em caráter excepcional – a possibilidade de se suspender a eficácia de acórdão objeto de recurso extraordinário que sofreu, na origem, juízo negativo de admissibilidade:

AÇÃO CAUTELAR. EFEITO SUSPENSIVO A RECURSO EXTRAORDINÁRIO NÃO ADMITIDO PELO TRIBUNAL DE ORIGEM. AGRAVO DE INSTRUMENTO PENDENTE DE JULGAMENTO. MEDIDA CAUTELAR CONCEDIDA PARA SUSPENDER OS EFEITOS DO ACÓRDÃO RECORRIDO. 2. Em situações excepcionais, em que estão patentes a plausibilidade jurídica do pedido – decorrente do fato de a decisão recorrida contrariar jurisprudência ou súmula do Supremo Tribunal Federal – e o perigo de dano irreparável ou de difícil reparação a ser consubstanciado AC 1.566-MC / MG pela execução do acórdão recorrido, o Tribunal poderá deferir a medida cautelar ainda que o recurso extraordinário tenha sido objeto de juízo negativo de admissibilidade perante o Tribunal de origem e o agravo de instrumento contra essa decisão ainda esteja pendente de julgamento. 3. Hipótese que não constitui exceção à aplicação das Súmulas 634 e 635 do STF. 4. Suspensão dos efeitos do acórdão impugnado pelo recurso extraordinário, até que o agravo de instrumento seja julgado. 5. Ação cautelar deferida. Unânime.” (AC 1.550/RO, Rel. Min. GILMAR MENDES – grifei)

Assinalo, ainda, que, em 13/02/2007, a colenda Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal reafirmou essa orientação, fazendo-o em julgamento que referendou decisão monocrática por mim proferida (AC 1.549-QO/RO, Rel. Min. CELSO DE MELLO), em contexto processual rigorosamente idêntico ao que ora se examina nesta sede (tratava-se, então, de outorga de provimento cautelar suspensivo da eficácia de acórdão objeto de apelo extremo não admitido na origem).

Assentadas tais premissas, cabe verificar se a fundamentação jurídica em que se apóia a pretensão deduzida pela parte requerente atende, ou não, ao requisito da relevância. Sob tal perspectiva, cumpre ter presente a circunstância de que a controvérsia jurídica suscitada no recurso extraordinário interposto pela parte ora requerente – discussão sobre a constitucionalidade da exigência de depósito prévio para interposição de recurso administrativo em matéria tributária – encontra-se, novamente, sob apreciação do Plenário desta Suprema Corte, no julgamento do RE 388.359/PE, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, do RE 389.383/SP, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, e do RE 390.513/SP, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, nos quais cinco (5) eminentes Juízes desta Corte (Ministros MARCO AURÉLIO, RICARDO LEWANDOWSKI, EROS GRAU, JOAQUIM BARBOSA e CARLOS BRITTO) já proferiram votos favoráveis à tese ora sustentada nesta sede processual.


A existência desses votos (quase perfazendo a maioria absoluta do Tribunal), ao menos até a conclusão do julgamento em referência – adiado em virtude de pedido de vista –, revela-se suficiente para conferir plausibilidade jurídica à pretensão deduzida pela parte ora requerente.

É por tal razão que eminentes Ministros desta Suprema Corte, pronunciando-se em contexto idêntico ao que emerge do pleito ora em exame, têm concedido a suspensão cautelar de eficácia de acórdãos que consideraram constitucional a exigência do depósito AC 1.566-MC / MG prévio para interposição de recurso administrativo (AC 636/MG, Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA – AC 1.449/SP, Rel. Min. EROS GRAU – AC 1.560/SC, Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA).

A pretensão cautelar ora deduzida nesta sede processual mostra-se impregnada de inquestionável plausibilidade jurídica, viabilizando, em conseqüência, em juízo de estrita delibação, o reconhecimento da ocorrência, na espécie, do pressuposto concernente ao “fumus boni iuris”.

Vale ressaltar que a tese ora exposta pela parte requerente tem o beneplácito de valiosa opinião doutrinária, como aquela emanada de ilustres autores, tais como ROQUE ANTONIO CARRAZZA (“Curso de Direito Constitucional Tributário”, p. 429, item n. 5, 22ª ed., 2006, Malheiros), SACHA CALMON NAVARRO COÊLHO (“Curso de Direito Tributário Brasileiro”, p. 784/791, itens ns. 14.2 e 14.4, 9ª ed., 2002, Forense), HUGO DE BRITO MACHADO (“Curso de Direito Tributário”, p. 448, item n. 3.4, 26ª ed., 2005, Malheiros), PATRÍCIA FERNANDES DE SOUZA GARCIA (“Os Direitos dos Contribuintes e as Garantias Recursais no Processo Administrativo”, p. 169/178, “in” “A Defesa do Contribuinte no Direito Brasileiro”, coordenação de IVES GANDRA MARTINS e de ROGÉRIO VIDAL GANDRA MARTINS, 2002, IOB), ALBERTO XAVIER (“Princípios do Processo Administrativo e Judicial Tributário”, p. 208, 2005, Forense) e AGOSTINHO TOFFOLI TAVOLARO (“Solve et Repete”, “in” “Cadernos de Direito Tributário e Finanças Públicas”, ano 6, nº 24, julho-setembro de 1998, p. 185/192, RT, v.g.), cujo magistério não reconhece como legítima, sob uma perspectiva estritamente constitucional, a exigência de depósito prévio como pressuposto de recorribilidade das decisões na instância administrativa.

Registre-se, finalmente, que a parte ora requerente justificou, de maneira inteiramente adequada, as razões que caracterizam a concreta ocorrência, na espécie, de situação configuradora do “periculum in mora” (fls. 10, item n. 2.4).

Desse modo – em face da existência de precedentes específicos sobre a questão suscitada nesta sede processual -, defiro, em caráter excepcional ead referendum” da colenda Segunda Turma desta Corte (RISTF, art. 21, V), até final julgamento do agravo de instrumento interposto contra a decisão que inadmitiu o recurso extraordinário de fls. 165/172, o pedido formulado pela parte requerente, em ordem a suspender, cautelarmente, a própria eficácia do acórdão proferido pelo E. Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais no Agravo de Instrumento nº 1.0024.06.086296-8/001, restaurando, em conseqüência, os efeitos da decisão monocrática que deferiu a antecipação de tutela requerida pela Cargill Agrícola S.A. (fls. 98/99).

2. Deixo de ordenar a citação da parte ora requerida, pelo fato de a outorga da medida cautelar em referência – por se exaurir em si mesma – não depender do ulterior ajuizamento de qualquer ação principal, consoante tem enfatizado, em sucessivas decisões, o magistério jurisprudencial desta Suprema Corte (RTJ 167/51, Rel. Min. MOREIRA ALVES – RTJ 181/960, Rel. Min. CELSO DE MELLO – AC 175-QO/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO – Pet 1.158-AgR/SP, Rel. Min. FRANCISCO REZEK – Pet 1.256/SP, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE – Pet 2.246-QO/SP, Rel. Min. MOREIRA ALVES – Pet 2.267/PR, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE – Pet 2.424/PR, Rel. Min. ILMAR GALVÃO – Pet 2.466-QO/PR, Rel. Min. CELSO DE MELLO – Pet 2.514/PR, Rel. Min. CARLOS VELLOSO, v.g.).

3. A presente decisão deverá ser transmitida, com urgência, à Presidência do E. Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais (Agravo de Instrumento nº 1.0024.06.086296-8/001), ao MM. Juiz de Direito da 4ª Vara de Feitos Tributários da comarca de Belo Horizonte/MG (Mandado de Segurança nº 002406086296-8) e, também, ao Conselho de Contribuintes do Estado de Minas Gerais (Recurso Administrativo PTA nº 01.000.141073-66).

4. Feito o lançamento desta decisão pela Secretaria, voltem-me os autos conclusos para os fins a que se refere o art. 21, V, do RISTF.

Publique-se.

Brasília, 15 de fevereiro de 2007.

Ministro CELSO DE MELLO

Relator

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