De bem com o Leão

Oliveira Neves não terá de responder por sonegação fiscal

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22 de fevereiro de 2007, 17h13

O Supremo Tribunal Federal arquivou a Ação Penal por sonegação fiscal contra o advogado Newton José Oliveira Neves. A decisão foi tomada pela 2ª Turma. O relator, ministro Gilmar Mendes, considerou que não houve procedimento administrativo para apurar a ocorrência de delito tributário.

Oliveira Neves foi preso durante a Operação Monte Éden, deflagrada em junho de 2005 pela Polícia Federal. Ele está solto desde fevereiro de 2006, por decisão do STF. O advogado ainda é acusado de fraude aos direitos trabalhistas e lavagem de dinheiro.

Durante a Operação Monte Éden, além do escritório de Oliveira Neves, foram invadidos o Aleixo Pereira e o Alves Proença, de Campinas, e um escritório de contabilidade. A polícia investigava fraudes de um grupo especializado em criar empresas off-shore, com sede no Uruguai, em nome de “laranjas”, para ocultar e dissimular valores e bens de “clientes” beneficiários. Até hoje nada ficou comprovado.

Oliveira Neves foi representado pelo advogado Marcellus Parente.

HC 89.965

Leia o voto:

06/02/2007

SEGUNDA TURMA

HABEAS CORPUS 89.965-0 RIO DE JANEIRO

RELATOR: MIN. GILMAR MENDES

PACIENTE(S): NEWTON JOSÉ DE OLIVEIRA NEVES

IMPETRANTE(S): MARCELLUS GLAUCUS GERASSI PARENTE

COATOR(A/S)(ES): SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

R E L A T Ó R I O

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES – (Relator): Trata-se de habeas corpus, com pedido de medida liminar, impetrado por MARCELLUS GLAUCUS GERASSI PARENTE, em favor de NEWTON JOSÉ DE OLIVEIRA NEVES, em face de decisão proferida pela Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça – STJ – nos autos do HC nº 50.933/RJ, Relatora Laurita Vaz. Eis o teor da ementa desse julgado:

HABEAS CORPUS. ADVOGADO. OPERAÇÃO ‘MONTE ÉDEN’. CRIMES CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO E CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA, QUADRILHA, LAVAGEM DE DINHEIRO, SONEGAÇÃO DE CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA, FALSIDADE IDEOLÓGICA, TRÁFICO DE INFLUÊNCIA. ARGÜIDA INÉPCIA DA DENÚNCIA. IMPROCEDÊNCIA.

1. A extensa inicial acusatória, que conta com 163 laudas, aponta, essencialmente, para a participação de liderança do ora Paciente em complexa organização criminosa, desenvolvida por meio do seu escritório de advocacia, cuja finalidade precípua seria a de promover a chamada ‘blindagem patrimonial’ a diversos ‘clientes’, o que se fazia por meio de empresas fictícias no exterior, abertas em nome de ‘laranjas’, para ocultação, proteção e lavagem de dinheiro.

2. A denúncia descreve, suficientemente, as dezenas de ilícitos em tese perpetrados pelos agentes denunciados, relacionando-os com um vasto conjunto de provas constituído principalmente de objetos e documentos apreendidos, interceptações telefônicas, interrogatórios dos réus, depoimentos das testemunhas etc., em perfeita consonância com as exigências do art. 41 do CPP, permitindo ao Paciente ter clara ciência das condutas ilícitas que lhe são imputadas, garantindo-se-lhe o livre exercício do contraditório e da ampla defesa. Não há falar, assim, em inépcia da peça acusatória.

3. É verdade que este Superior Tribunal de Justiça tem-se pronunciado no sentido de aderir à recente jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, reformulada a partir do julgamento plenário do HC nº 81.611/DF, relatado pelo ilustre Ministro Sepúlveda Pertence, para considerar que não há justa causa para a persecução penal do crime de sonegação fiscal, quando o suposto crédito tributário ainda pende de lançamento definitivo, sendo este condição objetiva de punibilidade.

4. Não obstante, considerando as peculiaridades concretas do caso, verifica-se que a hipótese sob exame em muito se diferencia daquelas outras que inspiraram os referidos precedentes. De fato, uma coisa é desconstituir o tipo penal quando há discussão administrativa acerca da própria existência do débito fiscal ou do quantum devido; outra bem diferente é a configuração, em tese que seja, de crime contra ordem tributária em que é imputada ao agente a utilização de esquema fraudulento, como, por exemplo, a falsificação de documentos, utilização de empresas ‘fantasmas’ ou de ‘laranjas’ em operações espúrias, tudo com o claro e primordial intento de lesar o Fisco. Nesses casos, evidentemente, não haverá processo administrativo-tributário, pelo singelo motivo de que foram utilizadas fraudes para suprimir ou reduzir o recolhimento de tributos, ficando a autoridade administrativa completamente alheia à ação delituosa e sem saber sequer que houve valores sonegados.


5. Apurar a existência desses crimes contra a ordem tributária, cometidos mediante fraudes, é tarefa que incumbe ao Juízo Criminal; saber o montante exato de tributos que deixaram de ser pagos em decorrência de tais subterfúgios para viabilizar futura cobrança é tarefa precípua da autoridade administrativo-fiscal. Dizer que os delitos tributários, perpetrados nessas circunstâncias, não estão constituídos e que dependem de a Administração buscar saber como, onde, quando e quanto foi usurpado dos cofres públicos para, só então, estar o Poder Judiciário autorizado a instaurar a persecução penal equivale, na prática, a erigir obstáculos para desbaratar esquemas engendrados com alta complexidade e requintes de malícia, permitindo a seus agentes, inclusive, agirem livremente no sentido de esvaziar todo tipo de elemento indiciário que possa comprometê-los, mormente porque a autoridade administrativa não possui os mesmos instrumentos coercitivos de que dispõe o Juiz Criminal.

6. Tendo em conta que a denúncia descreve, com todos os elementos indispensáveis, a existência de crimes em tese, sustentando o eventual envolvimento do Paciente com a indicação de vasto material probatório, a persecução criminal deflagrada não se constitui em constrangimento ilegal, mormente porque não há como, em juízo sumário e sem o devido processo legal, inocentar o Paciente das acusações, antecipando prematuramente o mérito.

7. Embora os numerosos delitos em apuração sejam, em boa parte, de altíssima complexidade, foram satisfatoriamente descritos na inicial acusatória. E a estreita via do habeas corpus, que não admite dilação probatória, exigindo prova pré-constituída das alegações, não é sede própria para discutir teses defensivas que, substancialmente contrariadas pelo órgão acusador, dependam de aprofundada incursão na seara fático-probatória.

8. Ordem denegada”. (Apenso 03 – fls. 646/647).

O paciente foi denunciado em 13 de junho de 2005, juntamente com outros 10 (dez) acusados, perante o juízo da 5ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro/RJ, pela suposta prática dos seguintes delitos (Apensos 01 e 02 – fls. 56-218):

a) art. 299 do Código Penal por 27 (vinte e sete) vezes (“Art. 299 – Falsidade Ideológica – Omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante”); e art. 337-A do Código Penal (“Art. 337-A – Sonegação de contribuição previdenciária – Suprimir ou reduzir contribuição social previdenciária e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas: I – omitir de folha de pagamento da empresa ou de documento de informações previsto pela legislação previdenciária segurados empregado, empresário, trabalhador avulso ou trabalhador autônomo ou a este equiparado que lhe prestem serviços; II – deixar de lançar mensalmente nos títulos próprios da contabilidade da empresa as quantias descontadas dos segurados ou as devidas pelo empregador ou pelo tomador de serviços; III – omitir, total ou parcialmente, receitas ou lucros auferidos, remunerações pagas ou creditadas e demais fatos geradores de contribuições sociais previdenciárias”).

b) art. 1º, I, da Lei nº 8.137/1990 por 7 (sete) vezes; e art. 2º, I, da Lei nº 8.137/1990 por 15 (quinze) vezes. (“Art. 1° – Constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas: I – omitir informação, ou prestar declaração falsa às autoridades fazendárias; Art. 2° – Constitui crime da mesma natureza: I – fazer declaração falsa ou omitir declaração sobre rendas, bens ou fatos, ou empregar outra fraude, para eximir-se, total ou parcialmente, de pagamento de tributo”).

c) art. 22, caput, da Lei nº 7.492/1986, por 2 (duas) vezes; e art. 22, segunda parte do parágrafo único, da Lei nº 7.492/1986, por 2 (duas) vezes. (“Art. 22. Efetuar operação de câmbio não autorizada, com o fim de promover evasão de divisas do País; Parágrafo único – Incorre na mesma pena quem, a qualquer título, promove, sem autorização legal, a saída de moeda ou divisa para o exterior, ou nele mantiver depósitos não declarados à repartição federal competente”).


d) art. 1º, VI, da Lei nº 9.613/1998; e art. 1º, § 2º, II, da Lei nº 9.613/1998. (“Art. 1º – Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de crime; VI – contra o sistema financeiro nacional; § 2º Incorre, ainda, na mesma pena quem: II – participa de grupo, associação ou escritório tendo conhecimento de que sua atividade principal ou secundária é dirigida à prática de crimes previstos nesta Lei”).

e) delito de gestão fraudulenta de instituições financeiras; delito de frustração a direitos trabalhistas; tudo com a incidência do disposto no art. 62, inciso I, do Código Penal. (“Art. 62 – A pena será ainda agravada em relação ao agente que: I – promove, ou organiza a cooperação no crime ou dirige a atividade dos demais agentes”);

f) formação de quadrilha (“Art. 288 do Código Penal – Associarem-se mais de três pessoas, em quadrilha ou bando, para o fim de cometer crimes”).

Nesta impetração, a defesa alega a inépcia da denúncia com os seguintes argumentos: “em nenhum momento vislumbra-se na peça acusatória o indispensável nexo de causalidade com o resultado danoso ou qualquer elemento indiciário de culpabilidade do Paciente, impossibilitando o elementar direito constitucional do mesmo em exercer o contraditório e a ampla defesa, já que absolutamente, face à confusa denúncia Ministerial, resta impossível saber por qual fato supostamente criminoso o paciente está sendo acusado, tudo em expressa afronta à norma legal consubstanciada no artigo 41 do Diploma Processual Penal e aos consagrados princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa” (fl. 43).

A defesa sustenta, ainda, a ausência de justa causa para a ação penal para a apuração do crime de sonegação fiscal em face da inexistência de prévio procedimento administrativo:

“a averiguação do pretenso crime de sonegação fiscal por parte do Ministério Público Federal, deve ser precedida, necessariamente, de prévia apuração fiscal administrativa, sendo que isto não tendo ocorrido in specie, acarretou-se uma flagrante nulidade e inépcia da denúncia Ministerial quanto a mais este particular, razão pela qual, requer-se, desde já, seja prontamente afastada por Vossas Excelências, a acusação Ministerial quanto à suposta prática do delito de sonegação fiscal” (fl. 24).

Por fim, a inicial postula:

“após os trâmites legais, seja ao final, CONCEDIDA A ORDEM DE HABEAS CORPUS, para que seja definitivamente reconhecida e declarada a inépcia da denúncia Ministerial, e, por conseguinte, seja determinado o trancamento da mencionada ação penal registrada sob o nº 2005.51.01.517854-3, assim como sejam declarados nulos todos os atos processuais subseqüentes” (fls. 46/47).

Em decisão de fls. 74-90 (DJ de 27.11.2006), indeferi o pedido de medida liminar.

O parecer da Procuradoria-Geral da República, da lavra do Subprocurador-Geral da República, Dr. Cláudio Lemos Fonteles, é pelo indeferimento do pedido (fls. 92-102).

É o relatório.

HABEAS CORPUS 89.965-0 RIO DE JANEIRO

V O T O

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES – (Relator): Conforme observado no relatório, neste habeas corpus discutem-se:


i) a falta de justa causa para a persecução penal do crime de sonegação fiscal pela inexistência do procedimento administrativo prévio para a sua apuração e;

ii) a inépcia da denúncia oferecida pelo Parquet Federal em desfavor do paciente.

O Ministério Público Federal, pelo Subprocurador-Geral da República, Dr. Cláudio Lemos Fonteles, assim se manifestou (fls. 92-102):

“6. Examino o desejado.

7. A denúncia, bem ao contrário do que se disse, é subscrita não por uma equipe, mas por dois (2) dignos colegas do Ministério Público Federal (Apenso 2 – fls. 217, numeração por cópia do STJ), é trabalho objetivo, minudente e sereno (…).

8. Trabalho objetivo, minudente e sereno, sem dúvida a ensejar possa a defesa fazer-se em plenitude porque:

– marca o início das investigações (fls. 58/61 – Apenso I – numeração não seqüencial em cópia do STJ);

– diz da formação da organização criminosa (fls. 61/66), e destaca a importância da empresa estrangeira OLINEC CONSULTING INTERNATIONAL (Oliveira Neves Consultoria), a fls. 66/69;

– fixa a atribuição de cada um dos membros da quadrilha (fls. 69/75);

– analisa a mecânica de fraudes nos empreendimentos (fls. 75/81);

– estabelece a falsidade ideológica e a sonegação de impostos em relação a várias empresas (fls. 81/107);

– descreve o mecanismo de evasão de divisas (fls. 107/117)

e nesse diapasão prosseguiu a “opinio delicti por mais 87 (oitenta e sete) páginas – fls. 117/204 (Apensos 1 e 2) -, quando procede a discriminação detalhada do pedido, em relação a cada um dos acusados (fls. 204/217 – Apenso 2).

10. Com efeito, se a sonegação fiscal emaranha-se em condutas outras de evasão de divisas; lavagem de dinheiro; e falsidade ideológica a caracterizar sofisticada quadrilha, não se aplica a jurisprudência impeditiva da persecução do delito de sonegação fiscal – aqui, inclusive, não tendo a impetração demonstrado tenha o paciente questionado, em procedimento administrativo-fiscal, o lançamento do tributo e multas -, dada a inserção dessa infração em quadro maior, e muito mais abrangente, de conduta delitiva a ensejar apuração em conjunto.

11. Pelo indeferimento do pedido”. (fls. 97-102).

Na inicial, o impetrante afirma:

“03. Outrossim, verifica-se que a peça acusatória elaborada pelos ilustres representantes do Parquet Federal, e recebida pelo MM. Juízo da 5ª Vara Criminal Federal do Rio de Janeiro/RJ se apresenta manifestamente inepta, pois, se apresenta em expressa desatenção às exigências legais preestabelecidas no artigo 41 do Código de Processo Penal, assim como avilta, frontalmente, o consagrado e basilar princípio do exercício da ampla defesa e do contraditório do Paciente”. (fl. 03).

No ato decisório ora impugnado, a Ministra Laurita Vaz, Relatora do HC nº 50.933/RJ, do Superior Tribunal de Justiça, assim se pronunciou sobre a alegação da defesa quanto à inépcia da inicial acusatória, verbis:


“O advogado NEWTON JOSÉ DE OLIVEIRA NEVES foi denunciado pelo Ministério Público Federal, juntamente com outros dez co-réus, pela prática de inúmeros delitos, destacando-se os de quadrilha, lavagem de dinheiro, sonegação de contribuição previdenciária, falsidade ideológica, tráfico de influência e crimes contra o sistema financeiro e contra a ordem tributária.

No presente writ, buscam os Impetrantes o trancamento da ação penal em tela, alegando, em síntese, inépcia da denúncia.

A insurgência não merece guarida. Como é sabido, a jurisprudência pacífica desta Corte é no sentido de que o trancamento de ação penal pela via de habeas corpus é medida de exceção, só admissível quando emerge dos autos, de forma inequívoca, a inocência do acusado, a atipicidade da conduta ou a extinção da punibilidade, circunstâncias essas não evidenciadas, estremes de dúvidas, na hipótese em tela.

Com efeito, a extensa inicial acusatória, que conta com 163 laudas, aponta, essencialmente, para a participação de liderança do ora Paciente em complexa organização criminosa, desenvolvida por meio do escritório de advocacia OLIVEIRA NEVES, cuja finalidade precípua seria a de promover a chamada ‘blindagem patrimonial’ a diversos ‘clientes’, o que se fazia por meio de empresas fictícias no exterior, abertas em nome de ‘laranjas’, para ocultação, proteção e lavagem de dinheiro.

A despeito da enorme complexidade das condutas em apuração, os zelosos Procuradores da República denunciantes explicitaram, primeiramente em linhas gerais, mas com bastante clareza, como atuava a organização criminosa em comento.

(…)

Feita, em linhas gerais, a narrativa introdutória das ações criminosas, passam em seguida a descrever, suficientemente, as dezenas de ilícitos em tese perpetrados pelos agentes denunciados, relacionando-os com um vasto conjunto de provas constituído principalmente de objetos e documentos apreendidos, interceptações telefônicas, interrogatórios dos réus, depoimentos das testemunhas etc.

Conforme tem-se reiteradamente decidido nesta Corte, ‘Eventual inépcia da denúncia só pode ser acolhida quando demonstrada inequívoca deficiência a impedir a compreensão da acusação, em flagrante prejuízo à defesa do acusado, ou na ocorrência de qualquer das falhas apontadas no art. 43 do CPP’ (RHC 18.502/SP, 5ª Turma, Rel. Min. GILSON DIPP, DJ de 15/05/2006).

No caso dos autos, vê-se que a denúncia atende perfeitamente às exigências do art. 41 do CPP, permitindo ao Paciente ter clara ciência das condutas ilícitas que lhe são imputadas, garantindo-se-lhe o livre exercício do contraditório e da ampla defesa. Não há falar, assim, em inépcia da peça acusatória.

Exaltando precedentes desta Corte e do Supremo Tribunal Federal, os Impetrantes sustentam ainda a insubsistência dos crimes contra a ordem tributária em face de não ter havido apuração e lançamento do débito na esfera administrativa.

É verdade que este Superior Tribunal de Justiça, inclusive em acórdãos de minha própria relatoria, tem-se pronunciado no sentido de aderir à recente jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, reformulada a partir do julgamento plenário do HC nº 81.611/DF, relatado pelo ilustre Ministro Sepúlveda Pertence, para considerar que não há justa causa para a persecução penal do crime de sonegação fiscal, quando o suposto crédito tributário ainda pende de lançamento definitivo, sendo este condição objetiva de punibilidade.

Não obstante, considerando as peculiaridades concretas do caso, e refletindo mais uma vez sobre o tema, creio que a hipótese sob exame em muito se diferencia daquelas outras que inspiraram os referidos precedentes. De fato, uma coisa é desconstituir o tipo penal quando há discussão administrativa acerca da própria existência do débito fiscal ou do quantum devido; outra bem diferente é a configuração, em tese que seja, de crime contra ordem tributária em que é imputado ao agente a utilização de esquema fraudulento, como, por exemplo, a falsificação de documentos, utilização de empresas ‘fantasmas’ ou de ‘laranjas’ em operações espúrias, tudo com o claro e primordial intento de lesar o Fisco. Nesses casos, evidentemente, não haverá processo administrativo-tributário, pelo singelo motivo de que foram utilizadas fraudes para suprimir ou reduzir o recolhimento de tributos, ficando a autoridade administrativa completamente alheia à ação delituosa e sem saber sequer que houve valores sonegados.


Apurar a existência desses crimes contra a ordem tributária, cometidos mediante fraudes, é tarefa que incumbe ao Juízo Criminal; saber o montante exato de tributos que deixaram de ser pagos em decorrência de tais subterfúgios para viabilizar futura cobrança é tarefa precípua da autoridade administrativo-fiscal. Dizer que os delitos tributários, perpetrados nessas circunstâncias, não estão constituídos e que dependem de a Administração buscar saber como, onde, quando e quanto foi usurpado dos cofres públicos para, só então, estar o Poder Judiciário autorizado a instaurar a persecução penal equivale, na prática, a erigir obstáculos para desbaratar esquemas engendrados com alta complexidade e requintes de malícia, permitindo a seus agentes, inclusive, agirem livremente no sentido de esvaziar todo tipo de elemento indiciário que possa comprometê-los, mormente porque a autoridade administrativa não possui os mesmos instrumentos coercitivos de que dispõe o Juiz Criminal.

Mostra-se, portanto, escorreito o voto condutor do aresto impugnado, que consignou, nesse ponto, litteris:

‘[…] cumpre observar que, muitas vezes, o crime de sonegação fiscal está instrumentalizado por documentos falsos, o que diz respeito, diretamente, com a ilicitude no âmbito penal. Sobretudo nessas hipóteses, em que se possa cogitar de que o tributo sequer era devido e que, portanto, a impropriedade do objeto do crime era absoluta, isso também é questão que está afeta à seara criminal, por representar um juízo sobre a presença do crime impossível.

Por fim, mesmo se se cogita de erro de tipo ou de proibição no que tange à conduta imputada da sonegação, essas também são matérias estranhas à Administração Tributária e ao Conselho de Contribuintes, e da competência do juiz criminal.

De modo que, mesmo ciente da linha de orientação que se forma na jurisprudência do E. STF, que tem como paradigmas o HC n. 77.002/RJ e o HC n. 81.611/DF, e que considera da competência exclusiva da Administração Tributária a constituição do crédito tributário, com reflexo na tipicidade da conduta, condicionando a punibilidade, tenho que essa vertente só se aplica, estritamente, a casos em que seja evidente que a discussão se limita ao não pagamento do tributo em razão de matérias de direito, das quais são exemplos a aplicação de isenções, a inconstitucionalidade de uma determinada exação etc. Não se aplicando, entretanto, tal diretriz do Supremo, aos casos em que se verifica a imputação de sonegação pura e simples. Uma coisa, é o contribuinte deixar de pagar o tributo por entender que determinada lei o isenta ou que a exigência é inconstitucional. Outra, é o agente deixar de pagar o tributo com apoio em documentos falsos ou em omissão fraudulenta.

No presente caso, os documentos apresentados com a denúncia, atinentes à autuação fiscal, são suficientes para dar a visão da presença de crime em tese. Como visto, o cerne da discussão não é a mera infração tributária, dependente da constituição do crédito tributário em última instância administrativa, mas sim a existência de importante FRAUDE’.

Alegam ainda os Impetrantes que o Paciente não poderia ser acusado da prática do crime de gestão fraudulenta, asseverando que, sendo advogado, ‘jamais geriu, presidiu, ocupou ou exerceu qualquer cargo ou função em nenhuma espécie de instituição financeira, sendo este delito exclusivo e inerente aos gestores e presidentes destas entidades’ (fl. 20).

A denúncia, contudo, é clara ao imputar-lhe tal crime, consignando que:

‘Como já descrito na presente peça, as empresas de factoring constituídas por NEWTON JOSÉ DE OLIVEIRA NEVES, em co-autoria com seus funcionários, visam centralizar recebimentos de pagamentos feitos no Brasil e remeter recursos do grupo ao exterior.


Assim sendo, deve NEWTON NEVES, juntamente com seus funcionários referidos, que embora subalternos geriam, de fato, fraudulentamente, com consciência do ilícito, todos tais empreendimentos em questão, serem responsabilizados pelo cometimento do delito descrito no artigo 4º da Lei 7492/86.’ (fls. 201/202).

Ora, como sabido e consabido, não se presta o habeas corpus ao cotejamento do material fático-probatório a fim de averiguar a alegada inocência, discussão que deve ser estabelecida no Juízo ordinário, na instrução criminal, respeitado o devido processo legal.

Não merece reparo o acórdão vergastado, que decidiu, a propósito, no mesmo sentido:

‘No caso dos autos, verifica-se a existência de indícios da possível prática de crime contra o sistema financeiro (Lei nº 7492-86), observando que a sua comprovação depende de dilação probatória, o que não é admissível na via estreita do habeas corpus. Porém não pode deixar de passar in albis que o paciente participou na constituição de várias pessoas jurídicas, inclusive na República Oriental do Uruguai, visando a estabelecer uma <proteção patrimonial>, contando inclusive, de sociedade comercial voltada para a faturização (<factoring>), consultoria, como também os estabelecimento de <offshores> no Uruguai, como também a movimentação de valores para o exterior, sem o devido registro junto ao Banco Central do Brasil. O fato da possibilidade do paciente não ter atuado como gerente de instituição financeira, não o exime da possibilidade de ter atuado com fraude a este sistema, nos termos da Lei nº 7492-86, ao ter estabelecido sociedades empresárias, que atuavam no sistema financeiro de forma indevida. Entretanto, o exame desta questão depende de dilação probatória, inadmissível na presente ordem postulada.’

Outrossim, sustentam que são inconsistentes e incongruentes as acusações relativas ao crime de evasão de divisas e lavagem de ativos, porque a denúncia ‘narra uma série de acontecimentos inverídicos, sem provas ou indícios e conclusões desacertadas, […]. Tem-se que a denúncia Ministerial ora guerreada incidiu em erro crasso ao atribuir ao Paciente a prática do pseudo ilícito de evasão de divisas, pois, como acima comprovado, todas as operações cambiárias constantes da peça acusatória foram devidamente autorizadas e concretizadas pelo Banco Central do Brasil’ (fls. 31-33).

Mais uma vez, o acolhimento da tese defensiva do Paciente encontra óbice inarredável na estreiteza da via do habeas corpus, porque o deslinde da controvérsia demanda, necessariamente, incursão aprofundada no exame de provas, inconciliável com o writ.

Quanto aos supostos crimes de fraude a direitos trabalhistas e sonegação de contribuição previdenciária, asseveram que ‘reconheceu a Justiça que todos aqueles que ingressaram com Reclamação Trabalhista na Justiça Federal do Trabalho são sócios, e não funcionários do escritório de advocacia de titularidade do Paciente, afastando, cabalmente, as equivocadas e infundadas acusações Ministeriais de que teria, em tese, cometido o Paciente o crime de fraude contra direitos trabalhistas’ (fl. 23). E concluem: ‘Plenamente rechaçada a prática de supostas fraudes a direitos trabalhistas, cumpre-nos esclarecer que, conseqüência lógica e implícita também é o total afastamento do crime de sonegação de contribuição previdenciária (art. 337-A)’ (fl. 24). Aduzem ainda que a denúncia não indicou em qual dos três incisos do art. 337-A estaria o Paciente incurso, inviabilizando sua defesa.

Nesse particular, lê-se na denúncia:

‘O delito de frustração a direitos trabalhistas configura-se em face da aposição de funcionários, como sócios de empresas de fachada pertencentes a NEWTON JOSÉ DE OLIVEIRA NEVES, para fins do mesmo eximir-se dos encargos sociais devidos.


Observa-se que todas as empresas de fachada constituídas, pertencentes a NEWTON NEVES, informavam não possuir funcionários ou possuí-los em número ínfimo.

Ademais, omitindo a existência fática dos empregados segurados nos livros próprios de contabilidade das empresas e nos documentos encaminhados à Seguridade Social – VEJAM-SE OS REGISTROS DO CADASTRO NACIONAL DE INFORMAÇÕES SOCIAIS CITADOS NESTA PEÇA – o denunciado suprimiu o pagamento das contribuições previdenciárias incidentes, incorrendo no delito previsto no artigo 337-A do Código Penal.

A caracterizar os delitos em questão, a par de tudo que já foi dito nesta peça inicial, citamos a aposição da suposta representação da empresa GONDAR SERVIÇOS em face de REGINALDO LUIZ DE SOUZA e MODESTO SIMON FLORES JUNIOR. Conforme verificado por ocasião da busca e apreensão realizada no escritório OLIVEIRA NEVES e pelas declarações prestadas em sede policial, tanto REGINALDO como MODESTO são simples funcionários da garagem administrada no subsolo do escritório de advocacia OLIVEIRA NEVES, sem terem ganhado nada mais por constarem como sócios do empreendimento.

Situação similar, com um grau maior de consciência por parte do envolvido – sem, contudo, a denotação do dolo suficiente para oferecimento de inicial acusatório em seu desfavor nesta oportunidade- ocorreu em relação a ALEXANDRE SAKOMOTO, suposto sócio das empresas Ageland Assessoria Empresarial Ltda., Prandium Assessoria Empresarial Ltda, BELIZE CALL CENTER e ex-sócio da empresa Bandug Assessoria Empresarial Ltda., todas pertencentes ao Grupo Oliveira Neves.

Da oitiva do interrogatório do investigado em questão, responsável pelos serviços de informática do escritório, transparece que o mesmo aceitou constar como sócios dos empreendimentos para manter o seu trabalho.

Ainda, em relação à denunciada MARA REGINA SARAIVA MARIANO, tem que, conforme a mesma esclareceu em sede policial, trabalha no escritório de advocacia desde abril de 1999, sem que possua carteira de trabalho assinada, nem contrato individual de prestação de serviços, tendo, no entanto, participado na constituição de várias empresas do grupo OLIVEIRA NEVES.

Como referiu a denunciada, em consonância com as provas constantes nos autos ‘a idéia de registrar os funcionários do escritório como sócios-proprietários de empresas foi do Dr. NEWTON JOSÉ DE OLIVEIRA NEVES, com o objetivo de não pagar a carga tributária e obrigações trabalhistas, que seriam decorrentes de um contrato de trabalho regido pela CLT, ou de um contrato individual de prestação de serviços.’

Por fim, cabe novamente frisar o exposto no tópico referente à constituição das empresas MOMBASA ASSESSORIA EMPRESARIAL LTDA., STARA ASSESSORIA E CONSULTORIA FISCAL, TABRIZ ASSESSORIA DE NEGOCIOS LTDA., KOLOMA ASSESSORIA EM INFORMATICA LTDA., todas a partir da aposição de funcionários do escritório de advocacia OLIVEIRA NEVES como sócios minoritários.’ (fls. 202/203)

Cumpre anotar, desde logo, que, apesar de os Impetrantes sustentarem que a Justiça do Trabalho teria reconhecido a condição de sócios, e não de empregados, ‘de todos aqueles que ingressaram com Reclamação Trabalhista’, juntou aos autos julgados que se referem a Andrea de Raini Theodoro, Raquel Rogano de Carvalho, Gisele Zaarour e Liliane Hellmeister Mendes (fls. 248/269), pessoas que não foram sequer mencionadas na denúncia. E, se não bastasse, é cediço que a apuração de eventual crime pelo Juízo criminal não está vinculada ao que decidir o Juízo trabalhista, porquanto trata-se de esferas autônomas e independentes.

E, quanto à argüida inviabilidade da defesa em face da ausência de indicação de qual dos incisos do art. 337-A estaria o réu incurso, também não prospera a insurgência. A omissão não importa em restrição ou tampouco em inviabilização da ampla defesa, na medida em que, independente da capitulação dada pelo Ministério Público Federal, estando completa ou não, é de conhecimento de todos que o réu se defende dos fatos, e não da capitulação trazida na denúncia, que pode sofrer, inclusive, aditamento. A acusação, a propósito, é clara: ‘[…] omitindo a existência fática dos empregados segurados nos livros próprios de contabilidade das empresas e nos documentos encaminhados à Seguridade Social – VEJAM-SE OS REGISTROS DO CADASTRO NACIONAL DE INFORMAÇÕES SOCIAIS CITADOS NESTA PEÇA – o denunciado suprimiu o pagamento das contribuições previdenciárias incidentes, incorrendo no delito previsto no artigo 337-A do Código Penal.’


Por fim, insistem os Impetrantes na inocência do Paciente, defendendo com veemência o não-cometimento do crime de lavagem de dinheiro, além da não-caracterização da denunciada quadrilha.

Tendo em conta que a denúncia descreve, com todos os elementos indispensáveis, a existência de crimes em tese, sustentando o eventual envolvimento do Paciente com a indicação de vasto material probatório, a persecução criminal deflagrada não se constitui em constrangimento ilegal, mormente porque não há como, em juízo sumário e sem o devido processo legal, inocentar o Paciente das acusações, antecipando prematuramente o mérito.

Embora os numerosos delitos em apuração sejam, em boa parte, de altíssima complexidade, foram satisfatoriamente descritos na inicial acusatória. E a estreita via do habeas corpus, que não admite dilação probatória, exigindo prova pré-constituída das alegações, não é sede própria para discutir teses defensivas que, substancialmente contrariadas pelo órgão acusador, dependam de aprofundada incursão na seara fático-probatória.

Ante todo o exposto, DENEGO a ordem”. (Apenso 03 -fls. 632-644).

Inicialmente, não desconheço os precedentes que firmaram a tese de que falta justa causa para a ação penal pela prática do crime tipificado no art. 1º da Lei nº 8.137/1990 (item “i” acima), enquanto não constituído, em definitivo, o crédito tributário pelo lançamento (cf. ADI nº 1.571/DF, de minha relatoria, Pleno, maioria, DJ 30.04.2004 e HC nº 81.611/DF, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Pleno, maioria, DJ 13.05.2005). No mesmo sentido arrolo os seguintes precedentes da Segunda Turma: HC nº 87.353/ES, unânime, DJ 19.12.2006; HC nº 85.327/SP, maioria, DJ 20.10.2006; HC nº 86.321/SP, unânime, DJ de 04.11.2005; e HC nº 85.428/MA, unânime, DJ de 10.06.2005, feitos cujo acórdão foi de minha lavra.

Conforme pude asseverar em recente assentada no julgamento do HC nº 87.353/ES (Sessão de 07.11.2006), em linhas gerais, pode-se descrever a conformação legislativa do procedimento administrativo-fiscal, nos seguintes termos:

“Nos termos do Decreto nº 70.235, de 6 de março de 1972, o procedimento administrativo pode-se iniciar de três modos:

i) com o primeiro ato de ofício, escrito, praticado por servidor competente, cientificado o sujeito passivo da obrigação tributária ou seu preposto (Decreto nº 70.235/1972, artigo 7º, I);

ii) com a apreensão de mercadorias, documentos ou livros (Decreto nº 70.235/1972, artigo 7º, II);

iii) ou, ainda, com o começo do despacho aduaneiro de mercadoria importada (Decreto nº 70.235/1972, artigo 7º, III).

O início do procedimento exclui a espontaneidade do sujeito passivo em relação a atos anteriores e, independentemente de intimação, a dos demais envolvidos nas infrações identificadas (Decreto nº 70.235/1972, artigo 7º, § 1º). A fase litigiosa do procedimento instaura-se, por sua vez, com a impugnação da exigência (Decreto nº 70.235/1972, artigo 16); desdobra-se, então, o processo administrativo fiscal, ao longo do qual se garante ao contribuinte a suspensão da exigibilidade do crédito tributário (Código Tributário Nacional, artigo 151, III). Em âmbito de tributação federal, a matéria é discutida, primeiramente, junto às Delegacias de Julgamento da Receita Federal; em seguida, junto às Câmaras dos Conselhos de Contribuintes; e, dependendo do caso, a questão ainda pode ser apreciada pela Câmara Superior de Recursos Fiscais do Ministério da Fazenda.

Uma vez considerada improcedente a pretensão do contribuinte, a quem se oferece amplo contraditório em esfera administrativa, providencia-se o lançamento, momento definitivo, que constitui, também definitivamente, o crédito tributário. O não- recolhimento desses valores, dado que ultrapassadas todas as fases e instâncias administrativas, suscita o encaminhamento do processo administrativo fiscal atinente à Procuradoria da Fazenda Nacional, de modo que se providencie a inscrição em dívida ativa dos valores cobrados.


A referida inscrição qualifica o crédito como detentor de presunção relativa (iuris tantum), passível de prova em contrário, quanto à certeza e liquidez. Formata-se, por conseguinte, um título executivo extra-judicial, que instrumentará a execução fiscal decorrente. O ajuizamento da execução fiscal dá continuidade ao procedimento de cobrança. Ao interessado faculta-se garantir o juízo (Lei nº 6.830/1980, artigo 9º) e, supervenientemente, possibilita-se os embargos à execução que se desdobra (Lei nº 6.830/1980, artigo 16). É o depósito do montante total exigido (Código Tributário Nacional, artigo 151, I) ou eventual penhora dos bens do devedor (Código Tributário Nacional, artigo 206) que permite a suspensão da exigibilidade do crédito tributário.

A suspensão de exigibilidade do crédito tributário assegura ao devedor o benefício de efeitos meramente fiscais. Nesse caso, não se suspende a pretensão punitiva do Estado, consubstanciada na ação penal instaurada para a apuração de infrações tributárias de matiz criminal, em decorrência do depósito, da penhora, ou do desdobramento da ação de execução fiscal.

A pretensão punitiva do Estado encontra-se obstada, tão-somente, ao longo da discussão administrativa, que se encerra, definitivamente, no momento em que se inscreve o crédito tributário em dívida ativa da pessoa jurídica de direito público, detentora de competência para lançamento e de capacidade para cobrança”. (HC nº 87.353/ES, Segunda Turma, unânime, julgado em 07.11.2006).

Fixadas essas premissas, é necessário mencionar a jurisprudência dessa matéria quanto ao tema da justa causa para a ação penal nos crimes tributários em geral.

No HC nº 81.611/DF, Rel. Min. Sepúlveda Pertence (DJ de 13.05.2005), o Tribunal deixou assentado, em sessão de 10.12.2003, que, enquanto pendente decisão definitiva do processo administrativo, a ação penal pela prática do crime tipificado no art. 1º da Lei nº 8.137/1990 carece de justa causa. Eis o teor da ementa desse julgado:

“EMENTA: I. Crime material contra a ordem tributária (L. 8.137/1990, art. 1º): lançamento do tributo pendente de decisão definitiva do processo administrativo: falta de justa causa para a ação penal, suspenso, porém, o curso da prescrição enquanto obstada a sua propositura pela falta do lançamento definitivo. 1. Embora não condicionada a denúncia à representação da autoridade fiscal (ADInMC 1571), falta justa causa para a ação penal pela prática do crime tipificado no art. 1º da L. 8.137/1990 – que é material ou de resultado -, enquanto não haja decisão definitiva do processo administrativo de lançamento, quer se considere o lançamento definitivo uma condição objetiva de punibilidade ou um elemento normativo de tipo. 2. Por outro lado, admitida por lei a extinção da punibilidade do crime pela satisfação do tributo devido, antes do recebimento da denúncia (L. 9.249/95, art. 34), princípios e garantias constitucionais eminentes não permitem que, pela antecipada propositura da ação penal, se subtraia do cidadão os meios que a lei mesma lhe propicia para questionar, perante o Fisco, a exatidão do lançamento provisório, ao qual se devesse submeter para fugir ao estigma e às agruras de toda sorte do processo criminal. 3. No entanto, enquanto dure, por iniciativa do contribuinte, o processo administrativo suspende o curso da prescrição da ação penal por crime contra a ordem tributária que dependa do lançamento definitivo.” (HC nº 81.611/DF, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Pleno, maioria, julgado em 10.12.2003, DJ de 13.05.2005).

Na mesma assentada (10.12.2003), no julgamento da ADI nº 1.571/DF, de minha relatoria, o Tribunal Pleno declarou a constitucionalidade de norma que condiciona a persecução penal à decisão final, na esfera administrativa, sobre a exigência fiscal do crédito tributário em acórdão ementado nos seguintes termos:

“EMENTA: 1. Ação direta de inconstitucionalidade. 2. Art. 83 da Lei no 9.430, de 27.12.1996. 3. Argüição de violação ao art. 129, I da Constituição. Notitia criminis condicionada à decisão final, na esfera administrativa, sobre a exigência fiscal do crédito tributário. 4. A norma impugnada tem como destinatários os agentes fiscais, em nada afetando a atuação do Ministério Público. É obrigatória, para a autoridade fiscal, a remessa da notitia criminis ao Ministério Público. 5. Decisão que não afeta orientação fixada no HC 81.611. Crime de resultado. Antes de constituído definitivamente o crédito tributário não há justa causa para a ação penal. O Ministério Público pode, entretanto, oferecer denúncia independentemente da comunicação, dita representação tributária, se, por outros meios, tem conhecimento do lançamento definitivo. 6. Não configurada qualquer limitação à atuação do Ministério Público para propositura da ação penal pública pela prática de crimes contra a ordem tributária. 7. Improcedência da ação.” (ADI nº 1.571/DF, de minha relatoria, Pleno, maioria, DJ de 30.04.2004).


No HC nº 85.207/RS, Rel. Min. Carlos Velloso (DJ de 29.04.2005), esta Segunda Turma deixou assentado, em sessão de 12.04.2005, que, falta justa causa para a ação penal pela prática do crime tipificado no art. 1º da Lei nº 8.137, de 1990, enquanto não constituído, em definitivo, o crédito tributário pelo lançamento. Eis o teor da ementa desse julgado:

“EMENTA: PENAL. PROCESSUAL PENAL. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. Lei 8.137/90, art. 1º. LANÇAMENTO FISCAL: CONSTITUIÇÃO DO CRÉDITO FISCAL.

I. – Falta justa causa para a ação penal pela prática do crime tipificado no art. 1º da Lei 8.137, de 1990, enquanto não constituído, em definitivo, o crédito fiscal pelo lançamento. É dizer, a consumação do crime tipificado no art. 1º da Lei 8.137/90 somente se verifica com a constituição do crédito fiscal, começando a correr, a partir daí, a prescrição. HC 81.611/DF, Ministro Sepúlveda Pertence, Plenário, 10.12.2003.

II. – No caso, o crédito fiscal já está constituído, por isso que não cabe mais nenhum recurso da decisão do Tribunal Fiscal Administrativo: Lei gaúcha 6.537, de 1973, art. 63.

III. – HC indeferido”. (HC nº 85.207/RS, Rel. Min. Carlos Velloso, 2ª Turma, unânime, DJ de 29.04.2005).

Nesse particular, é pertinente invocar dois precedentes da Primeira Turma nos quais, em situações análogas ao do caso ora em apreço, admitiu-se a possibilidade de trancamento da ação penal instaurada tão-somente com relação aos delitos de natureza tributária:

[No HC no 84.423/RJ, Rel. Min. Carlos Britto, a Primeira Turma, por maioria (vencido o Min. Marco Aurélio) deferiu a parcialmente a ordem por entender que, não obstante ser evidente a falta de justa causa para o crime tributário, com relação ao crime de formação de quadrilha (CP, art. 288), estaria caracterizada, ao menos em tese, justa causa para a ação penal:] EMENTA: HABEAS CORPUS. PACIENTE DENUNCIADO POR INFRAÇÃO AO ART. 1º, INCISO II, DA LEI Nº 8.137/90 E ART. 288 DO CP. ALEGADA NECESSIDADE DE EXAURIMENTO DA VIA ADMINISTRATIVA PARA INSTAURAÇÃO DA AÇÃO PENAL, SEM O QUE NÃO ESTARIA COMPROVADA A REDUÇÃO OU SUPRESSÃO DO TRIBUTO E, POR CONSEGUINTE, TAMBÉM REVELARIA A INSUBSISTÊNCIA DO DELITO DE QUADRILHA. PEDIDO DE TRANCAMENTO DO PROCESSO. A necessidade do exaurimento da via administrativa para a validade da ação penal por infração ao art. 1º da Lei nº 8.137/90 já foi assentada pelo Supremo Tribunal Federal (HC 81.611). Embora a Administração já tenha proclamado a existência de créditos, em face da pendência do trânsito em julgado das decisões, não é possível falar-se tecnicamente de lançamento definitivo. Assim, é de se aplicar o entendimento do Plenário, trancando-se a ação penal no tocante ao delito do art. 1º da Lei nº 8.137/90, por falta de justa causa, sem prejuízo do oferecimento de nova denúncia (ou aditamento da já existente) após o exaurimento da via administrativa. Ficando, naturalmente, suspenso o curso da prescrição. Denúncia, entretanto, que não se limita à hipótese comum de crime contra a ordem tributária, imputando aos denunciados a criação de uma organização, especificamente voltada para a sonegação fiscal, narrando fatos outros como a criação de empresas fantasmas, utilização de ‘laranjas’, declaração de endereços inexistentes ou indicação de endereços iguais para firmas diversas, alterações freqüentes na constituição social das empresas, inclusive com sucessões em firmas estrangeiras, nos chamados ‘paraísos fiscais’ (supostamente para dificultar a localização de seus responsáveis legais), emissão de notas fiscais e faturas para fornecer aparência de legalidade, entre outras coisas. Fatos que, se comprovados, configuram, entre outras, a conduta descrita no delito de quadrilha, que aí não poderia ser considerada meio necessário para a prática do crime tributário, a ponto de estar absorvida por ele, mesmo porque a consumação daquele delito independe da prática dos crimes que levaram os agentes a se associarem. Impossibilidade de trancamento da ação penal quanto ao crime tipificado no art. 288 do CP, tampouco quanto a outros delitos formais e autônomos que eventualmente se possa extrair dos fatos narrados na denúncia, dos quais foi possível aos acusados se defenderem. Habeas corpus deferido em parte. (HC no 85.949/MS, Primeira Turma, Rel. Min. Carmen Lúcia, orden parcialmente deferida, unânime, DJ de 06.11.2006).


[No HC no 85.949/MS, Rel. Ministra Carmen Lúcia, a Primeira Turma, por unanimidade, deferiu a ordem parcialmente por igualmente entender que, apesar da falta de justa causa para a persecução do crime tributário, o delito de “lavagem de dinheiro” seria autônomo e, neste particular, a justa causa para a ação penal estaria, ao menos em tese configurada. Eis o teor da ementa desse julgado:] “EMENTA: HABEAS CORPUS. PENAL. PROCESSUAL PENAL. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. REPRESENTAÇÃO FISCAL. SUSPENSÃO DO CURSO DA AÇÃO PENAL. DECISÃO DEFINITIVA DO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO FISCAL. CONDIÇÃO DE PROCEDIBILIDADE DA AÇÃO PENAL. LAVAGEM DE DINHEIRO. CRIME AUTÔNOMO. 1. Denúncia carente de justa causa quanto ao crime tributário, pois não precedeu da investigação fiscal administrativa definitiva a apurar a efetiva sonegação fiscal. Nesses crimes, por serem materiais, é necessária a comprovação do efetivo dano ao bem jurídico tutelado. A existência do crédito tributário é pressuposto para a caracterização do crime contra a ordem tributária, não se podendo admitir denúncia penal enquanto pendente o efeito preclusivo da decisão definitiva em processo administrativo. Precedentes. 2. O crime de lavagem de dinheiro, por ser autônomo, não depende da instauração de processo administrativo-fiscal. Os fatos descritos na denúncia, se comprovados, podem tipificar o crime descrito na norma penal vigente, devendo, quanto a este, prosseguir a ação penal. Precedentes. 3. Habeas corpus parcialmente concedido.” (HC no 85.949/MS, Primeira Turma, Rel. Min. Carmen Lúcia, ordem parcialmente deferida, unânime, DJ 06.11.2006).

Efetuados esses esclarecimentos, observo que, no caso concreto, não há elementos que indiquem a existência de crédito definitivamente constituído em face do paciente. Das informações prestadas pela Juíza Federal da 5ª Vara Criminal da Seção Judiciária do Rio de Janeiro nos autos do HC nº 2005.02.01.010478-6, do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, constata-se:

“No mais, apenas a título de esclarecimento, não há realmente, nos autos, nenhum procedimento administrativo fiscal, auditoria, etc., no que diz respeito ao crime de sonegação supostamente praticado pelo Paciente” (Apenso 02 – fl. 289).

Nesse particular, à primeira vista, vislumbro a existência de situação de patente contrangimento ilegal que ensejaria o deferimento da ordem para o trancamento da ação penal por falta de justa causa com relação ao delito de sonegação fiscal (Lei nº 8.137/1990, art. 1º, I e art. 2º, I).

Ocorre, porém, que, além do crime de sonegação, a peça acusatória imputa ao paciente a suposta prática dos crimes de: i) falsidade ideológica (art. 299 do Código Penal); ii) sonegação de contribuição previdenciária (art. 337-A do Código Penal); iii) evasão de divisas (art. 22, caput; e art. 22, segunda parte do parágrafo único da Lei nº 7.492/1986); iv) lavagem de bens e valores (art. 1º, inciso VI; e § 2º, inciso II, da Lei nº 9.613/1998); v) delito de gestão fraudulenta de instituições financeiras; vi) delito de frustração a direitos trabalhistas e vii) formação de quadrilha (art. 288 do Código Penal).

Conforme bem asseverado no acórdão impugnado, neste Habeas Corpus, há plausibilidade, ao menos em tese, para a apuração de outros delitos autônomos em consonância com os precedentes acima mencionados.

Com relação à alegação de inépcia da denúncia (item “ii” acima), em decisão de 05.06.2006 (DJ 09.06.2006), indeferi pedido de reconsideração de ato decisório da Presidência que negou seguimento ao Habeas Corpus nº 87.592/RJ (DJ 01.02.2006), posteriormente distribuído à minha relatoria. Ao comparar a causa de pedir (causa petendi) de ambos os pleitos, observo a identidade da argumentação expendida naquela impetração e os fundamentos jurídicos apresentados pela petição inicial acostada a estes autos (fls. 02-47). Naquela oportunidade asseverei:


“Analisando os argumentos da presente impetração à luz destas premissas e da jurisprudência da Corte, verifico, inicialmente, sobre a alegada inépcia da denúncia, por desatenção aos requisitos do art. 41 do CPP, que a mesma não parece revelar-se como imediatamente perceptível.

A peça acusatória, ao longo de 163 (cento e sessenta e três) páginas – nestas incluindo as duas páginas finais onde consta um sumário das situações denunciadas e das respectivas imputações caso-a-caso (fls. 92-254, e sumário às fls. 240-242) -, descreve as inúmeras operações – afirmando em que consistiam (modus operandi), quais os seus objetivos e a razão pela qual infringiriam a legislação – que, a juízo do Ministério Público Federal, conduziriam às diversas tipificações penais atribuídas ao paciente.

A efetiva ausência, em vários casos, da especificação de ‘data, hora e local’, como afirmado na exordial, em nada compromete a consistência da narrativa ali registrada, porque se trata, na grande maioria das situações, de operações societárias complexas e diferidas no tempo e no espaço (inclusive no exterior), onde os aspectos essenciais aos respectivos tipos penais imputados não exigem aqueles elementos e sim estão descritos na denúncia.

Assim, não se observa as situações de ‘imprestabilidade’ ou ‘absurdo’ afirmadas na petição inicial, não comprometendo a denúncia, em sua consistência dos elementos essenciais descritos no art. 41 do CPP, o pleno exercício do direito de defesa. Esta foi, aliás, a conclusão a que, anteriormente, chegaram o Min. Carlos Velloso, relator do HC nº 87.016, e esta Turma, por votação unânime em sessão de 13.12.2005.

No que diz com as críticas formuladas ao mérito da denúncia apresentada contra o paciente, cabe dizer, inicialmente, que os argumentos desenvolvidos na peça vestibular relativamente às imputações relacionadas com os alegados crimes de gestão fraudulenta de instituição financeira, de fraude a direitos trabalhistas (e, conseqüentemente, de sonegação de contribuição previdenciária), de evasão de divisas e de ‘lavagem de dinheiro’ obviamente não envolvem estritamente questões de direito, estando a demandar aprofundamento em tema probatório. Mesmo se isto fosse possível em sede de habeas corpus, com as restrições que lhe são próprias – o que, de regra, é repudiado pela jurisprudência da Corte –, a simples configuração desta situação parece suficiente para desqualificar, per se, a eventual caracterização da denúncia, nestes pontos, como flagrantemente ilegal ou em afronta direta à jurisprudência da Corte.

Especificamente sobre o ponto em que a denúncia atribui ao paciente a responsabilidade por crimes de sonegação fiscal e contra a ordem tributária, afirma a impetração – com suporte em documentação fiscal e nas informações prestadas pelo Juízo da causa ao respectivo Tribunal Regional Federal por ocasião de antecedente impetração de habeas corpus ali articulada (fl. 30) – que a mesma foi levada a efeito sem prévio e conclusivo procedimento administrativo, como exigido pelo art. 83 da Lei nº 9.430/96. Haveria aqui, como articulado na peça inaugural do writ, infração ao entendimento assentado pela Corte na matéria, especialmente na forma do HC n° 81.611/DF (Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Pleno, DJ 13.05.2005).

Contudo, cabe aqui verificar que a exigência inserta no art. 83 da Lei nº 9.430/96 diz com a exigibilidade, definitiva e na instância administrativa, do crédito tributário. Este se constitui mediante o lançamento (art. 142 do CTN), e se faz definitivo, na instância administrativa, quando esgotados os meios ordinários para a sua alteração naquele mesmo âmbito (art. 145 do CTN c/c art. 42 do Decreto nº 70.235/72).

No caso dos autos, a denúncia, dentro do tópico ‘III.A’ (‘Dos crimes cometidos com relação a cada um dos empreendimentos analisados, pertencentes de fato a Newton José de Oliveira Neves’: ‘prática dos crimes previstos no art. 299 do Código Penal e no artigo 1º, inciso I, da Lei 8137/90 no tocante à empresa Inter Rise Assessoria Empresarial Ltda’ – empresa esta que se caracteriza no próprio escritório de advocacia titularizado pelo paciente), expressamente informa a existência de (a) créditos tributários de responsabilidade da Secretaria da Receita Federal (SRF) já inscritos em dívida ativa, (b) créditos tributários de responsabilidade da SRF já definitivamente constituídos na instância administrativa ainda que não inscritos em dívida ativa e (c) créditos tributários de responsabilidade do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) já inscritos em dívida ativa e outros ‘em fase de inscrição’ (fls. 115-116).


E estes créditos tributários, já definitivamente constituídos na instância administrativa, estão vinculados ou a pessoas jurídicas direta e formalmente titularizadas – no presente ou à época dos fatos – pelo paciente, ou a outras pessoas jurídicas que, segundo a denúncia, seriam titularidadas por prepostos dissimulados (‘laranjas’) do paciente (vide, especialmente, fls. 95/96).

(…)

Entretanto, isto não induz, à luz do art. 83 da Lei nº 9.430/96 e da jurisprudência que nesta Corte pacificou-se sobre a matéria, nem à inépcia da denúncia, nem à falta de justa causa para a ação penal. A comprovação, ou não, daquela responsabilidade penal, do paciente relativamente às empresas ‘relacionadas’ e às pessoas físicas caracterizadas como ‘laranjas’, far-se-á por meio do devido processo legal penal, já instaurado para tanto”. (HC nº 87.592/RJ, decisão monocrática de minha relatoria, DJ 09.06.2006).

Desse modo, não entendo ser possível reconhecer, neste caso em apreço, a inépcia da denúncia, pois o fato criminoso está narrado, bem como as suas circunstâncias, assim como estão presentes a qualificação do acusado e a classificação dos crimes. Estão atendidos, ao menos em tese, os requisitos do art. 41 do CPP.

Anoto que a jurisprudência desta Corte entende que o preenchimento desses requisitos é suficiente para que, ao menos em princípio, a denúncia esteja apta. Nesse sentido, indico uma série de precedentes de ambas as Turmas: HC no 87.293-PE, Rel. Min. Eros Grau (DJ 03.03.2006, 1ª Turma); HC no 85.636-PI, Rel. Min. Carlos Velloso (DJ 24.02.2006, 2ª Turma); HC no 85.706-GO, de minha relatoria (DJ 30.09.2005, 2ª Turma); HC no 84.889-PR, Rel. Min. Marco Aurélio (DJ 19.08.2005, 1ª Turma); RHC no 84.898-SP, Rel. Min. Carlos Britto (DJ 17.06.2005, 1ª Turma), HC no 82.958-PE, Rel. Min. Ellen Gracie (DJ 31.10.2003, 2ª Turma); HC no 80.027-SP, Rel. Min. Sydney Sanches (DJ 22.06.2001, 1ª Turma); HC no 79.844-RJ, Rel. Min. Celso de Mello (DJ 17.03.2000, 2ª Turma); HC no 76.158-MS, Rel. Min. Sepúlveda Pertence (DJ 20.03.1998, 1ª Turma); e HC no 75.655-PE, Rel. Min. Maurício Corrêa (DJ 12.12.1997, 2ª Turma).

Meu voto é pelo conhecimento desta ordem de habeas corpus. No mérito, posiciono-me pela concessão parcial da ordem para que a ação penal instaurada na origem seja trancada tão-somente com relação ao delito de sonegação fiscal (Lei nº 8.137/1990, art. 1º, inciso I e art. 2º, I), sem prejuízo, porém, de que a persecução penal persista com relação aos demais tipos imputados ao paciente na denúncia, a saber, os crimes de: i) falsidade ideológica (art. 299 do Código Penal); ii) sonegação de contribuição previdenciária (art. 337-A do Código Penal); iii) evasão de divisas (art. 22, caput; e art. 22, segunda parte do parágrafo único da Lei nº 7.492/1986); iv) lavagem de bens e valores (art. 1º, inciso VI; e art. 1º, § 2º, inciso II, da Lei nº 9.613/1998); v) delito de gestão fraudulenta de instituições financeiras; vi) delito de frustração a direitos trabalhistas e vii) formação de quadrilha (art. 288 do Código Penal).

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