Intenção de recurso precisa ser respeitada no pregão eletrônico
22 de fevereiro de 2007, 15h47
Recentemente, em determinado pregão eletrônico do qual um cliente participava, verificamos uma absurda violação ao direito de recurso administrativo garantido a todos os licitantes.
Foi registrado no portal www.comprasnet.gov.br, ainda durante a sessão do pregão, que a ilustre pregoeira havia “rejeitado” a “intenção” de interposição do recurso. Até esse ponto, não haveria o que estranhar, mas o inusitado foi que o “motivo” para a rejeição da intenção de recurso se confundiu com o próprio mérito recursal, que deveria ser analisado mais adiante, em oportunidade própria, conforme o procedimento legalmente previsto.
O artigo 26 do Decreto 5.450/05, que regulamenta o pregão na sua forma eletrônica, estabelece que “declarado o vencedor, qualquer licitante poderá, durante a sessão pública, de forma imediata e motivada, em campo próprio do sistema, manifestar sua intenção de recorrer, quando lhe será concedido o prazo de três dias para apresentar as razões de recurso, ficando os demais licitantes, desde logo, intimados para, querendo, apresentarem contra-razões em igual prazo, que começará a contar do término do prazo do recorrente, sendo-lhes assegurada vista imediata dos elementos indispensáveis à defesa dos seus interesses”.
Surge, assim, a figura da manifestação da “intenção de recorrer”, que deve ser feita de forma “imediata e motivada” pelo licitante interessado, não estando previsto que o pregoeiro possa interferir no exercício desse direito garantido ao particular.
O parágrafo 1º do citado dispositivo normativo, por outro lado, prevê que “a falta de manifestação imediata e motivada do licitante quanto à intenção de recorrer, nos termos do caput, importará na decadência desse direito, ficando o pregoeiro autorizado a adjudicar o objeto ao licitante declarado vencedor” .
Portanto, apenas a partir desse momento, aparece determinada providência que possa ser adotada pelo pregoeiro, qual seja, prosseguir com o certame caso tenha sido verificada omissão do licitante em manifestar sua intenção recursal. Isso significa que a decadência do direito de recorrer, repita-se, será conseqüência da própria omissão do licitante (uma aplicação do princípio de que “o direito não socorre aos que dormem” — “dormientibus non sucurrit jus”).
A leitura dessas duas regras procedimentais indica que o pregoeiro não possui competência para praticar ato que vá além do exame de admissibilidade formal da intenção de recorrer, inexistindo a menor possibilidade de que ele, pregoeiro, individualmente, manifestando de forma antecipada as suas próprias convicções sobre o mérito do assunto que ainda será tratado na peça recursal, acabe tolhendo sumariamente o direito de recurso do interessado.
O mérito recursal, vale frisar, é matéria a ser tratada pela “autoridade competente” de cada órgão, quando o pregoeiro “mantiver a sua decisão”, tudo conforme o disposto no artigo 8º, caput e inciso IV, do Decreto 5.450/05. Essa disciplina se completa com o disposto no artigo 11, caput e inciso VI, do mesmo decreto, que prevê que ao pregoeiro caberá apenas “receber, examinar e decidir os recursos, encaminhando à autoridade competente quando mantiver sua decisão”.
Não existe, pois, na legislação específica, a hipótese da “rejeição sumária” da intenção de recurso do licitante, especialmente, fundada no entendimento prévio do pregoeiro sobre o mérito das razões recursais, que ainda serão apresentadas dentro dos três dias de prazo.
Basta que haja a manifestação da intenção no momento oportuno e que o licitante indique um ou mais motivos pelos quais estará recorrendo. Feito isto, a análise do mérito do recurso administrativo será objeto de apreciação apenas depois de ultrapassado o prazo de apresentação de contra-razões dos outros licitantes.
Tolher antecipadamente essas fases procedimentais seguintes implica em violar a legalidade do procedimento licitatório, contrariando os princípios do artigo 5º do Decreto 5.450/05, do artigo 4º do Anexo I do Decreto 3.555/00, do artigo 3º da Lei 8.666/93, bem como do artigo 37, caput e inciso XXI, da Constituição Federal.
Por outro lado, verifica-se também contrariedade à garantia do direito de petição, prevista no inciso XXXIV do artigo 5º da Constituição Federal, além da ampla defesa, garantida no inciso LV do mesmo dispositivo constitucional, que, aliás, é exercida pelos “meios e recursos a ela inerentes”.
Surge então a pergunta: como se pode respeitar essas garantias se for criado um bloqueio antecipado e indevido ao mecanismo legal de recurso dentro do ambiente eletrônico do portal Comprasnet?
Não é demais lembrar que, no meio disso tudo, também é direito subjetivo próprio de cada licitante a fiel observância do procedimento legalmente estabelecido para o procedimento licitatório (conforme o artigo 7º do Decreto 5.450/05, o artigo 6º do Anexo I do Decreto 3.555/00 e o artigo 4º da Lei 8.666/93).
E nesse direito subjetivo se inclui o direito de ter respeitado o mecanismo próprio para a interposição dos recursos administrativos, não se admitindo que obstáculos indevidos sejam criados pelo pregoeiro. Afinal de contas, da mesma forma que ocorre no processo judicial, também no processo administrativo a admissibilidade não se confunde com o mérito recursal.
Sob outra ótica, a Lei 9.784/99, que regula o processo administrativo no âmbito da administração pública federal, estabelece em seu artigo 2º, incisos VIII e X, que nos processos administrativos serão observados, entre outros, os critérios de “observância das formalidades essenciais à garantia dos direitos dos administrados” e “garantia dos direitos à interposição de recursos”.
Por fim, o artigo 3º da mesma lei determina que o administrado tem o direito de “ser tratado com respeito pelas autoridades e servidores, que deverão facilitar o exercício de seus direitos”, lembrando-se que esses são preceitos aplicados subsidiariamente aos processos administrativos específicos (artigo 69 da lei). A esse propósito, entre os “específicos” (que possuem regras próprias), se incluem os processos licitatórios.
Por essas razões, o direito à “manifestação da intenção” de recorrer é inviolável para o licitante e, uma vez atendidos os requisitos formais, deve haver a sua admissibilidade, sem opiniões antecipadas a respeito das matérias de mérito.
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