Era uma vez...

Teleconferência é o processo do faz-de-conta

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21 de fevereiro de 2007, 10h53

Recentemente, a Assembléia Estadual de Mato Grosso encaminhou projeto de lei, prevendo a teleconferência como recurso tecnológico apto a realizar interrogatórios judiciais. De outro lado, a Comissão de Processo Penal da Ordem dos Advogados do Brasil de Mato Grosso, avaliando juridicamente a proposta, à unanimidade condenou-a pela latente inconstitucionalidade, recomendando às autoridades legislativas, executivo e secretaria de segurança não adotarem o interrogatório virtual. Tudo indica que a idéia, sustentada pela aparente falácia da economia e segurança, persiste, não só em Mato Grosso, mas em outros tantos estados brasileiros.

Para sepultar definitivamente a idéia lúgubre que já mereceu desaprovação da Ordem dos Advogados e a fim de tornar as recomendações da instituição um pouco mais relevantes para a formação de opinião, é imprescindível citar o caso do notório Fernandinho Beira-Mar. O Supremo Tribunal Federal foi instado sobre o tema (HC 86.634-4-RJ), com os mesmos argumentos policialescos e se manifestou de forma peremptória pela ilegalidade do “processo de faz-de-conta”. O relator sorteado foi o ministro Celso de Mello, uma das maiores capacidades em matéria processual penal, sendo ladeado por Sepúlveda Pertence e Marco Aurélio.

Os argumentos manejados para rechaçar o interrogatório à distância foram exatamente os mesmos utilizados pela OAB-MT no caso em que a consulta foi formulada à Comissão de Processo Penal. Doravante, esperamos apenas que as autoridades públicas mato-grossenses, seja de que órbitas forem, tomem a Ordem dos Advogados como amparo jurídico a fim de consultá-la sobre as mais diversas matérias, a fim de antever problemas que podem levar o administrador público ao constrangimento de ser obrigado a anular ato público. Seria mais econômico e saudável à democracia sempre volver atenção ao berço da democracia que é a Ordem. Não atuamos apenas em prol dos advogados, mas sim como patronos da legalidade.

Nesse caso de tendência ao recrudescimento das liberdades em nome de uma pseudo-segurança, somente respiramos mais aliviados graças ao entendimento de ministros da Suprema Corte que preferem contrapor a opinião pública e resgatar o sentido libertário de qualquer Constituição, mormente a nossa, cidadã como é.

Vejamos a lição de Celso de Mello: “Esse entendimento tem por suporte o reconhecimento — fundado na natureza dialógica do processo penal acusatório, impregnado, em sua estrutura formal, de caráter essencialmente democrático de que o direito de audiência, de um lado, e o direito de presença do réu, de outro, esteja ele preso ou não, traduzem prerrogativas jurídicas essenciais que derivam da garantia constitucional do ‘due process of law’ e que asseguram, por isso mesmo, ao acusado, o direito de comparecer aos atos processuais a serem realizados perante o juízo processante, ainda que situado este em local diverso daquele em que esteja custodiado o réu”.

E arremata o célebre ministro Celso de Mello: “Não constitui demasia assinalar, neste ponto, analisada a função defensiva sob uma perspectiva global, que o direito de presença do réu na audiência de instrução penal, especialmente quando preso, além de traduzir expressão concreta do direito de defesa (mais especificamente da prerrogativa de autodefesa), também encontra suporte legitimador em convenções internacionais que proclamam a essencialidade dessa franquia processual, que compõe o próprio estatuto constitucional do direito de defesa, enquanto complexo de princípios e de normas que amparam qualquer acusado em sede de persecução criminal, mesmo que se trate de réu processado por suposta prática de crimes hediondos ou de delitos a estes equiparados”.

O Estado-Executivo e o Estado-Judiciário precisam compreender que há um custo em manter-se segregado um cidadão, seja quem for. E o custo é altíssimo, dada a excepcionalidade que é uma prisão provisória anterior à sentença condenatória definitiva. Se quisermos viver num “estado de segurança”, o que é um sofisma a empulhar a opinião pública, pelo menos que o Estado arque com as conseqüências e preserve o mínimo de cidadania e legalidade.

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