A praga do juridiquês

Por que não facilitar a vida do leitor que não é advogado?

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21 de fevereiro de 2007, 16h10

O amigo leitor imagine que vive no Amazonas, por um instante. Acorda pela manhã, serve uma bela xícara de café e abre o jornal A Crítica. Depara-se com este parágrafo de abertura numa notícia:

“O Tribunal Regional Eleitoral do Amazonas (TRE-AM) decidiu pelo improvimento dos embargos de declaração interpostos pela prefeita do município de Barcelos (a 396 quilômetros de Manaus), Alberta Maria Oliveira de Deus. O relator do processo, juiz federal Antônio Francisco do Nascimento, os considerou meramente protelatórios e por isso, além de aplicar multa de quatro salários mínimos a Alberta e à vice-prefeita, Rosely Fonseca Chaves, por litigância de má fé, em julgamento do Processo 15/2006, pediu que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) fosse comunicado da decisão para tornar sem efeito uma Ação Cautelar que tramita naquela Corte em que foi concedida liminar mantendo as duas políticas nos cargos”.

Caso o amigo não devolva o café à xícara, que é coisa muito feia, pode ponderar a forma como a Madame Natasha do mestre Elio Gaspari traduziria a notícia: a prefeita tentou enrolar pra não ser cassada, perdeu e ainda por cima levou uma multa.

É tão difícil assim facilitar a vida do leitor que não é bacharel em Direito mas tem o direito de saber quando um político se ferra?

Por que esse tipo de aberração aparece impressa num jornal, num tempo em que até entidades de classe de juízes buscam combater os excessos do preciosismo jurídico?

Pela minha observação, isso acontece nestes casos:

1) Cópia do release na íntegra. Muitas vezes, e especialmente no interior do Brasil, as assessorias de imprensa do Judiciário são ocupadas por funcionários que conhecem a fundo o vocabulário jurídico, mas muitas vezes não lembram de traduzi-lo para o português antes de passar a notícia adiante. Às vezes na pressa, o repórter tasca na página do jeito que veio e pronto. Acho que não é release na íntegra, porque a notícia está assinada.

2) Disposição de esconder a notícia. É quando se enterra propositalmente a notícia embaixo de camadas de jargão ou de detalhes irrelevantes ao fato principal. Acontece com uma freqüência muito menor do que as teorias da conspiração supõem – mas acontece. Não me parece ser o caso, visto que o jornal é um dos principais do estado e a notícia se refere a uma cidade pequena. Mas vá saber.

3) Insegurança do repórter. Esse me parece o mais provável. Todo especialista em uma área — destaco aqui os do Direito, mas médicos, hackers, leitores de gibi, saudosistas de Jornada nas Estrelas e fãs de metal melódico também fazem isso — espera que uma notícia sobre sua área de especialidade seja escrita da maneira mais precisa possível. Isso é um objetivo imensamente louvável. Ocorre que há preciosistas que não consideram uma matéria precisa se ela não reproduzir letra por letra o jargão específico da área — que, por natureza, só é compreendido por quem é “do ramo”.

Existe um meio termo: o repórter fazer todas as perguntas necessárias para entender do que se trata e escrever a notícia em bom português, com precisão suficiente para explicar a situação da melhor maneira possível sem resvalar no jargão. Ocorre que na área jurídica há dois poréns:

(a) um conceito mal “traduzido” pode caracterizar uma situação como mais grave do que é, e

(b) os políticos adoram contratar advogados pra tirar uma lasquinha da imprensa. Na dúvida, e pra evitar tomar um processo, um repórter mais inseguro acaba optando por reproduzir letra por letra o jargão. Não desagrada os puristas, não distorce o conceito e passa batido pra maior parte dos leitores.

Há alguns remédios pra isso, na área jurídica:

O primeiro é não ter vergonha de perguntar o significado de conceitos que não se conhece. Afinal, ninguém nasceu sabendo, todo mundo um dia precisou perguntar ou consultar. Pior é escrever besteira ou não ser entendido.

O segundo é aproveitar os serviços das assessorias de imprensa dos tribunais não só como repassadores de novidades e marcadores de entrevistas, mas também como “tradutores” desse material. Muitas vezes, pode ser chato pedir a um juiz que esclareça um conceito numa entrevista, mas nunca é chato perguntar isso aos assessores desse juiz. Geralmente é produtivo: tudo o que eu sei sobre lei eleitoral me foi ensinado pacientemente pelas moças do TRE-SP, quando eu ligava pra lá todo dia em 2000 perguntando sobre novidades nos processos entre os candidatos.

O terceiro é procurar ter sempre à mão um guia como o Noções de Direito para Jornalistas — Guia Prático, editado há alguns anos pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região. Ele explica vários desses conceitos, mais os trâmites processuais e a estrutura da Justiça, de maneira razoavelmente compreensível.

Artigo publicado originalmente no blog: http://deunijornal.zip.net

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