Desafios tecnológicos

Judiciário não pode mais postergar procedimento eletrônico

Autor

  • Angelo Caldeira Ribeiro

    é advogado pós-graduado em Administração de Empresas sócio do Caldeira Ribeiro & Soares Advogados e um dos fundadores da Lawsoft Desenvolvimento de Sistemas empresa especializada em softwares de gestão para a área jurídica.

19 de fevereiro de 2007, 23h00

A entrada em vigor da Lei 11.419/06, que regulamenta o processo eletrônico, abriu a possibilidade para uma radical aceleração da informatização do Poder Judiciário, propiciando sensível avanço no tempo de tramitação dos casos e na redução dos custos tanto para o Estado quanto para os cidadãos que precisam acessar a Justiça.

Graças a iniciativas corajosas de vários tribunais, existem hoje em tramitação cerca de 2,5 milhões de processos 100% virtuais, observando-se que a grande maioria está concentrada nos Juizados Especiais Federais, com enorme sucesso quanto à velocidade de julgamento.

O número de processos em papel, porém, é ainda avassaladoramente alto. Segundo o Ministério da Justiça, mais de 17 milhões de novos processos são iniciados anualmente no país, mas com o marco regulatório da Lei 11.419, existe agora segurança jurídica suficiente para a adoção em massa do processo eletrônico pelos tribunais.

Os processos poderão ser, agora, parcial ou totalmente eletrônicos, com as petições, documentos e manifestações do juiz armazenadas em computadores acessíveis preferencialmente pela internet. O protocolo de petições, as citações e intimações das partes e outros atos somente ocorrerão eletronicamente. Quando isso não for possível, o documento será digitalizado após a realização do ato e o papel, jogado fora.

Todavia, apesar de a tendência pela digitalização dos processos cíveis, trabalhistas e criminais parecer inexorável, é surpreendente que pouco ou muito pouco tenha sido debatido até agora sobre a produção de provas pelo meio eletrônico.

Hoje, quando um advogado pretende juntar ao processo os e-mails trocados entre as partes ou fotos, ele os imprime em papel; quando pretende provar o conteúdo de uma página de internet, ele elabora uma ata notarial (em papel), juntando-a aos autos; quando pretende mostrar um vídeo, ele solicita uma perícia para que o expert o assista e escreva em papel o que viu para o juiz.

Com a impressão ou a transcrição do conteúdo multimídia em um relatório, desaparece parte importante do conteúdo, como hiperlinks que constem em um texto, metadados que um arquivo do Microsoft Word pode guardar (preservando-se o autor do documento ou o histórico de envios do arquivo por e-mail), animações em e-mail, entre outras inúmeras coisas. A discussão sobre este conteúdo adicional das provas já está ocorrendo nos Estados Unidos, mas no Brasil a limitação de juntar apenas o papel praticamente suprimia qualquer tema até agora.

A Lei 11.419, mesmo sendo moderna em muitos sentidos, não tratou deste importante tema. Com efeito, a norma legal continua a tratar a prova documental ou escrita como documentos físicos de papel que devem ser digitalizados, sendo o advogado obrigado a guardar os “originais” por um determinado período de tempo. Ela não considerou as provas que nunca existiram em formato impresso, que foram geradas desde o início eletronicamente.

O que fazer com este tipo de prova? Poderá ser apresentada no seu formato original (e-mail, foto, página da internet, arquivo do MS Word, etc.) ou será necessária a sua conversão para um formato único, acompanhando a petição no mesmo arquivo?

O Judiciário provavelmente irá adotar esta última opção e eleger um formato único, mas sem descartar a possibilidade de ser apresentado o documento no seu formato original para verificação da validade e perícia se necessário, tal como o arquivo digitalizado que estava inicialmente em papel. Teremos de adotar uma interpretação ampla do inciso VI e do parágrafo 1º do artigo 365 do Código de Processo Civil, adicionados pela Lei 11.419 e que trata da preservação dos documentos originais.

Este formato único, por sua vez, terá de ser preferencialmente um padrão aberto, como dispõe o artigo 14 da Lei 11.419, para que a Justiça não dependa de uma empresa ou de um software específico para seu funcionamento e para que fique garantido que, em futuro mais distante — de 10 a 20 anos pelo menos — os arquivos ainda possam ser abertos e lidos em qualquer máquina. Os candidatos mais prováveis são, hoje, o Mime (Multipurpose Internet Mail Extensions), o famoso e disseminado PDF (Portable Document Format) da Adobe e o formato aberto que o Conselho Nacional de Justiça está preparando e oferecendo gratuitamente para os tribunais.

Porém, seja qual for o formato que ganhe a disputa, continua sem resposta a questão sobre o tipo de mídia que poderá ser apresentado. Na maioria dos padrões possíveis, deverá ser gerado muito mais do que textos e imagens como as que temos hoje no papel, prevendo-se meios como vídeos, show de slides, animações gráficas, links para sites na internet e outros que sequer foram inventados ainda.

Não se trata de exercício de ficção para o futuro. Embora a maioria das pessoas não tenha conhecimento, arquivos como PDF aceitam vários tipos de animação multimídia, como foto, vídeo e áudio. Poderão advogados e juízes criar um link para acessar uma jurisprudência diretamente na página do site do tribunal? Terá o advogado condição de colocar gráficos que interagem com serviços oferecidos pela internet, como o Google Maps, para indicar o endereço da pessoa a ser intimada? Um vídeo apresentado por uma das partes poderá ser copiado pelo juiz para justificar na sua sentença um determinado entendimento? E o áudio de uma sustentação oral poderá ser inserido em uma petição?

Até mesmo em pequenas causas — como acidentes de automóvel — os clientes apresentam para o advogado documentos eletrônicos, tais como e-mails trocados, conversas no MSN ou ICQ e até gravações em vídeos feitas com um telefone celular ou câmera portátil. Como lidar com essa questão?

Dispõe o artigo 332 do Código de Processo Civil que “todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados neste código, são hábeis para provar a verdade dos fatos”. O Judiciário, os advogados e a sociedade civil não podem mais postergar a decisão sobre como e o que poderá ser utilizado.

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    é advogado, pós-graduado em Administração de Empresas, sócio do Caldeira Ribeiro & Soares Advogados e um dos fundadores da Lawsoft Desenvolvimento de Sistemas, empresa especializada em softwares de gestão para a área jurídica.

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