Receita dos estados

Arrecadação cresce mesmo com pouco dinamismo econômico

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20 de fevereiro de 2007, 15h15

Com mais um recorde na arrecadação de seu principal tributo, os governadores não têm motivo de queixa. Em vez de reclamar, deveriam começar a discutir seriamente uma reforma para aliviar a carga tributária sobre a produção, o investimento, a exportação e o consumo. No ano passado, os Estados e o Distrito Federal arrecadaram R$ 169,8 bilhões de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). Foi uma receita 9,7% maior que a do ano anterior, em valores correntes. Seja qual for o indicador de inflação considerado, sobrou um substancioso crescimento real, da ordem de 6%, bem maior que o aumento da produção da indústria.

A arrecadação tem crescido mesmo em períodos de pouco dinamismo econômico. Entre 2003 e 2006 a receita do ICMS aumentou 42,4% em termos nominais, enquanto a inflação medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) ficou em 25,7%. Foi uma expansão real de 13,3% acumulada nesses três anos.

O Estado de São Paulo manteve-se no ano passado como o campeão do imposto estadual. O ICMS rendeu ao Tesouro paulista R$ 42,8 bilhões. Esse foi o valor correspondente à parcela do Estado, 75% da arrecadação. O resto é dos municípios.

O crescimento da arrecadação paulista foi também superior à média nacional: 9,1%, já descontada a inflação, ou 6,3%, quando se exclui do cálculo o dinheiro recolhido graças a programas de anistia aos contribuintes em atraso.

A expansão da receita foi favorecida pelo crescimento do consumo, confirmado na semana passada pelos dados do IBGE sobre o desempenho do comércio varejista. A evolução do consumo foi permitida pela melhora dos salários, pelo crédito pessoal e pelas importações facilitadas pelo câmbio valorizado.

Mas a principal fonte do imposto continuou a ser o conjunto de bens e serviços – combustíveis, telecomunicações e eletricidade – com preços administrados. Em 1997, a receita cobrada sobre esses itens correspondeu a 26% da arrecadação total. A participação cresceu nos anos seguintes, porque os bens e tarifas administrados aumentaram bem mais velozmente que os preços de mercado. Nos dois últimos anos, essa participação ficou estabilizada em 38,3%, superando por cerca de 3 pontos porcentuais a parcela da indústria na arrecadação.

A alíquota incidente sobre combustíveis, eletricidade e telecomunicações é a mais alta, 25%, mas esse número resulta de uma forma especial de cálculo (“por dentro”) adotada há 30 anos para o então recém-criado ICM e mantida para o ICMS, instituído pela Constituição de 1988.

Quando se faz o cálculo “por fora”, dividindo-se o imposto cobrado pelo valor básico do bem ou serviço, descobre-se um tributo de 33,3%. Da mesma forma, a alíquota mais comum, 18%, esconde um imposto de 21,9%, revelado quando se faz o cálculo “por fora”, dividindo-se 18 por 82 e não por 100.

O ICMS é um tributo pesado e, como todo imposto indireto, tende a incidir mais pesadamente sobre os mais pobres. Esse efeito perverso tem sido atenuado, mas não extinto, pela redução da alíquota sobre os produtos da cesta básica de consumo. Mas a regressividade não é seu único defeito. Noutros países, tributos desse tipo (sobre o valor agregado) são em geral cobrados pelo governo central e redistribuídos. No Brasil, o ICM foi implantado, em 1967, como tributo estadual. Isso facilitou não só a guerra fiscal, mas também a confusão tributária, por causa da diferenciação de alíquotas entre Estados. Além disso, o ICMS ainda incide sobre máquinas e equipamentos, encarecendo o investimento produtivo. A Lei Kandir, dos anos 90, isentou do tributo a exportação de produtos básicos (os manufaturados já eram isentos), mas a União ficou obrigada a compensar os Estados por sua “perdas”.

O projeto de reforma tributária ainda em tramitação no Congresso não resolve satisfatoriamente nenhum desses problemas. Mas os governadores têm criado obstáculos a toda proposta séria de reforma, empenhados mais em preservar a arrecadação do que em reduzir o peso fiscal suportado pela produção. Esse é um entrave importante ao crescimento econômico e à criação de empregos, mas o governo federal não tem tido coragem para assumir a liderança de um sério movimento de reforma.

Editorial de O Estado de S. Paulo em 20/2/2007.

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