Adolescente infrator

Período máximo de internação de 3 anos é muito pequeno

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19 de fevereiro de 2007, 10h33

A morte do menino João Hélio Fernandes, de 6 anos de idade, no início deste mês de fevereiro, causada por criminosos que, tendo roubado o carro da mãe do garoto, arrastaram o corpo da criança por diversos quilômetros de ruas da cidade do Rio de Janeiro, vem provocando um justo sentimento de indignação em todo o Brasil. Além da violência do próprio crime e dos requintes de crueldade empregados em sua execução, causa espécie na sociedade a frouxidão de nossas leis, que admitem como medida mais grave para o menor de 18 anos partícipe dessa barbárie a mera internação pelo prazo máximo de três anos.

Infelizmente, no entanto, esse não foi um fato inédito. Em 2003, no Estado de São Paulo, a jovem Liana Friedenbach, quando acampava com seu namorado, foi violentada e morta por uma gangue, da qual fazia parte um adolescente conhecido como Champinha. Na época, autor e vítima tinham apenas 16 anos de idade. Tendo permanecido na Febem por três anos, esse jovem infrator só não foi posto em liberdade pelo fato de o Ministério Público de São Paulo ter postulado a sua internação por motivos de natureza civil.

A certeza é que o período máximo de internação de três anos é muito pequeno e atua como verdadeiro fator criminógeno, pois o sentimento de impunidade incentiva o adolescente infrator a praticar novas e mais graves violações das leis penais. Já tramita no Congresso Nacional, há anos, um projeto de lei propondo a ampliação do período de internação por um prazo mais razoável, idéia agora endossada pelo governador de São Paulo, José Serra.

Esta medida, por si só, poderá não reduzir de forma imediata a criminalidade, mas, sem dúvida, servirá para afastar jovens extremamente perigosos do convívio social e acabar com a certeza de impunidade de adolescentes infratores. As quadrilhas, muitas vezes, já escalam menores de idade para tarefas de relativa gravidade, como servir de seguranças e de intermediários para traficantes de entorpecentes.

Não se trata de preocupação isolada. Em relação à criminalidade violenta e organizada, diversas medidas de aperfeiçoamento da legislação penal estão em andamento no Poder Legislativo. Logo após os ataques de maio de 2005, numa terceira onda de crimes provocada por uma facção criminosa que atua a partir dos estabelecimentos penais do Estado, diversas propostas foram encaminhadas ao Congresso pelo Ministério Público de São Paulo, apresentadas pelo senador Romeu Tuma. Várias dessas medidas são de caráter elementar, auto-explicativas, e que encontram paralelo em outros países democráticos que enfrentam, com sucesso, o crime organizado, como a Itália e os Estados Unidos.

Dentre elas, devem ser destacadas a criminalização e a punição como falta disciplinar do porte de telefones celulares em estabelecimentos penais, o aumento da pena mínima para 20 anos de reclusão para o crime de homicídio cometido contra agente público no exercício ou em razão de sua função, a tipificação mais rigorosa para a quadrilha que emprega métodos de terrorismo em sua atuação e a prorrogação do período do regime disciplinar diferenciado por prazo indeterminado para as lideranças de organizações criminosas que continuam a controlar o crime de dentro dos cárceres.

Não devemos esquecer, a propósito, que em 12 de maio de 2005 mais de 40 agentes públicos, entre policiais civis e militares e agentes de segurança penitenciários, foram mortos. Antes disso, em 2003, membros da mesma organização haviam participado da morte do juiz de Execuções Criminais de Presidente Prudente, Antonio José Machado Dias. Em 7 de julho de 2006, na capital paulista, durante a madrugada, uma bomba explodiu na sede do Ministério Público, numa tentativa, absolutamente infrutífera, de intimidar os membros da instituição que combatem o crime organizado no Estado.

Há necessidade de adoção de medidas mais rigorosas, que precisam ser aprovadas independentemente de uma nova grande comoção nacional, provocada por um crime bárbaro ou uma nova onda de ataques de organizações criminosas. Os novos legisladores, representantes da vontade nacional, precisam se debruçar sobre esses projetos de lei.

Temos de tomar medidas duras, porém adequadas. Não nos interessa um direito penal máximo, próprio de regimes autoritários, que pretenda resolver a questão social com a aplicação da legislação criminal. Não atende, porém, às necessidades do Brasil um direito penal mínimo que não distinga os autores de pequenas infrações penais dos grandes delinqüentes. Precisamos de um direito penal ajustado à realidade social do país em que vivemos, onde a violência crescente precisa ser enfrentada de todas as formas.

Não podemos aderir a teses simplistas, como a mera redução da maioridade penal ou a tolerância com respostas que não encontram guarida no ordenamento constitucional. A simples redução da imputabilidade apenas propiciará que jovens em estado de formação sejam postos em contato com criminosos já experimentados. Não podemos consentir, principalmente, que o governo reaja com a mesma intensidade dos criminosos, fora do estrito cumprimento do dever legal, ou admitir a existência de milícias paralelas, que minam o Estado Democrático de Direito, implantado em nosso país a duras penas.

A nova legislatura tem pela frente grandes responsabilidades. A ausência de uma resposta efetiva e consistente poderá dar ensejo a que setores retrógrados da sociedade, após a próxima barbárie, possam pleitear e aprovar medidas extremamente gravosas e contraproducentes, em detrimento dos interesses e das necessidades de um país civilizado.

Artigo originalmente publicado em O Estado de S. Paulo nesta segunda-feira (19/2).

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