Fora do armário

Reportagem que menciona opção sexual não gera danos

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17 de fevereiro de 2007, 23h03

Homossexual que tem a sexualidade retratada pela imprensa não deve receber indenização se já tiver assumido publicamente antes sua opção sexual. O entendimento é do juiz Clávio Kenji Adati, da 20ª Vara Cível de São Paulo, que livrou a Editora Globo de pagar indenização por danos morais a Dário Pereira Neto, companheiro de Edson Néris da Silva, atacado e morto por skinheads no centro de São Paulo em fevereiro de 2000. Cabe recurso.

Dário passeava de mãos dadas com Edson, no centro de São Paulo, em 6 de fevereiro de 2000. Um grupo de Skinheads, conhecidos como Carecas do ABC, que passava pelo local, viu a cena, atacou o casal e matou Edison a pontapés, socos e golpes de correntes de aço. Dezesseis pessoas participaram do crime.

Os envolvidos começaram a ser julgados em 2001. A revista Época fez a cobertura do júri e preparou uma reportagem com partes do depoimento de Dário. Ele, então, entrou com ação de indenização contra a revista. Alegou que a publicação o “expôs ao meio social, de forma vexatória, sua opção sexual, divulgando sua homossexualidade”. Também sustentou que sofreu discriminação no trabalho e na relação familiar.

Já a Editora Globo, representada pelo advogado Luiz de Camargo Aranha Neto, afirmou que apenas noticiou um caso de interesse público. O juiz aceitou o argumento.

“Ao circular pela via pública de mãos dadas com outro homem, o requerente assumiu sua homossexualidade, não podendo, portanto, imputar à ré a responsabilidade pelas repercussões causadas pela divulgação de tal informação. Ademais, a divulgação da opção sexual do autor — e de Édson Néris da Silva — era inevitável, já que motivo de crime tão brutalmente conhecido”, entendeu.

Clávio Kenji Adati considerou que o “descontentamento do requerente em relação ao conteúdo da reportagem publicada pela requerida não é suficiente para amparar a pretensão indenizatória. O autor não nega ser homossexual e assumiu esta opção quando em via pública caminhou de mãos dadas com seu companheiro, vítima de homicídio. A ré limitou-se a noticiar o fato, ressaltando a intolerância dos agressores contra os homossexuais. Nenhuma carga pejorativa pode ser extraída dessa matéria”.

A revista Época ganhou prêmio, em 2001, de ONG ligada à defesa dos direitos dos homossexuais, pela cobertura que fez do caso.

Leia a decisão:

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO

Processo nº 01.066631-1

20ª Vara Cível Central de São Paulo/SP

Vistos, etc.

Trata-se de ação indenizatória proposta por DARIO PEREIRA NETO em face de EDITORA GLOBO S/A objetivando, em síntese, a condenação da ré ao pagamento de indenização por danos morais provenientes de reportagem envolvendo seu nome e imagem, veiculada na revista “Época”, edição de 19/02/2001, periódico de propriedade da requerida.

Alega que em 06/02/2000 foi vítima de espancamento promovido por grupo do movimento denominado skinheads. Por sorte, conseguiu escapar das agressões, mas Edson Néris da Silva, que o acompanhava no momento do ataque, não resistiu aos ferimentos, vindo a falecer.

Diz que a ré, ao descrever o crime e a sessão de julgamento que resultou na condenação dos acusados a uma pena 21 anos de reclusão em regime fechado, expôs ao meio social, de forma vexatória, sua opção sexual, divulgando sua homossexualidade.

Alega que após a publicação da referida reportagem passou a sofrer discriminação, tanto em seu ambiente de trabalho quanto no âmbito familiar, o que lhe causou sérios constrangimentos.

Assim, invocando a aplicação do artigo 5o, V e X da Constituição Federal, requer a condenação da ré ao pagamento de indenização em montante equivalente a 1000 (mil) salários mínimos e a concessão dos benefícios da Justiça Gratuita.

Junta documentos (fls. 13/27).

Concessão da gratuidade processual à fl. 47.

Citada, a requerida apresentou contestação, sustentando, preliminarmente, nulidade da citação e, no mérito, a decadência do direito de ação com base no artigo 56 da Lei 5.250/67 (Lei de Imprensa).

Aduz que o fato publicado é de interesse público, não cabendo, portanto, indenização àqueles que sintam lesados com a veiculação da notícia, ainda mais se levado em conta que os fatos já haviam sido objeto de matérias publicadas em outros meios de comunicação.

Documentos às fls. 98/137.

Houve réplica (147/158).

Ordenada a especificação de provas, o autor requereu a produção de prova testemunhal, o depoimento de representante legal da ré e a juntada de novos documentos.

A ré, por sua vez, pediu pela oitiva de testemunhas.

Em apenso os autos da impugnação ao valor da causa interposta pela a ré, a qual foi julgada procedente, reduzindo o valor da causa para R$18.000,00 (fls. 17/18).

O feito foi sentenciado, tendo sido extinto o feito com julgamento de mérito, privilegiada a tese da decadência.

O acórdão cassou a sentença.

É o relatório.

DECIDO.

Prescinde o feito de dilação probatória, comportando seu julgamento antecipado conforme o disposto no art. 330, I do Código de Processo Civil, por se tratar de matéria exclusivamente de direito, estando os fatos devidamente comprovados nos autos.

Inicialmente, cumpre apreciar a preliminar de nulidade de citação argüida em contestação, e verifico que a mesma não merece acolhimento porquanto operada a citação pessoal da requerida à fl. 60.

No mérito, a demanda é improcedente. Trata-se de ação onde pretende o autor ser indenizado pelos danos morais decorrentes da publicação em revista editada pela ré, onde teriam sido veiculados fatos e imagens desabonadores de sua conduta, refletindo em seu meio social.

A ocorrência de decadência foi afastada pelo Acórdão de fls. 223/226.

São requisitos para que surja o dever de indenizar: (i) o dano; (ii) a conduta ilícita do agente; e (iii) o nexo causal entre o dano e a conduta do agente. E, no caso em tela, verifico que não houve qualquer ato ilícito por parte da requerida.

A reportagem de fls. 16/24 descreveu a sessão de julgamento ocorrida em 13/02/2001, a qual resultou na condenação de Juliano Filipini Sabino e José Nilson Pereira da Silva pelo homicídio triplamente qualificado de Édson Néris da Silva, crime de grande repercussão e do qual o autor foi testemunha.

Não houve qualquer tipo de ataque pessoal ou direto ao autor. O referido texto foi elaborado com base em informações verídicas (o próprio autor, em sua inicial, narra grande parte dos fatos nela descritos), e sua leitura integral, incluindo-se o trecho tido como ofensivo à honra, não permite concluir pela inexistência de carga de julgamento dos jornalistas que o subscreveram.

Ao circular pela via pública de mãos dadas com outro homem o requerente assumiu sua homossexualidade, não podendo, portanto, imputar à ré a responsabilidade pelas repercussões causadas pela divulgação de tal informação. Ademais, a divulgação da opção sexual do autor – e de Édson Néris da Silva – era inevitável, já que motivo de crime tão brutalmente cometido.

O descontentamento do requerente em relação ao conteúdo da reportagem publicada pela requerida não é suficiente para amparar a pretensão indenizatória. O autor não nega ser homossexual e assumiu esta opção quando em via pública caminhou de mãos dadas com seu companheiro, vítima de homicídio. A ré limitou-se em noticiar o fato, ressaltando a intolerância dos agressores contra os homossexuais. Nenhuma carga pejorativa pode ser extraída desta matéria.

Assim, ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTE a ação indenizatória proposta por DARIO PEREIRA NETO em face de EDITORA GLOBO S/A.

Em virtude da sucumbência, condeno o autor ao pagamento das custas e dos honorários advocatícios, estes fixados por equidade em mil reais, ressalvando-se o disposto no artigo 12 da Lei 1.060/50.

No mais, JULGO EXTINTO o processo com a apreciação do mérito, nos termos do art.269, I do Código de Processo Civil.

P.R.I.

São Paulo, 15 de janeiro de 2007.

CLÁVIO KENJI ADATI

Juiz de Direito

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