Terror do terrorismo

Justiça italiana indicia 26 americanos ligados à CIA

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16 de fevereiro de 2007, 17h11

Um juiz de Milão vai levar a julgamento 26 cidadãos norte-americanos, a maior parte dos quais agentes da Agência Central de Inteligência (CIA) do governo americano, pelo rapto de um clérigo muçulmano, capturado na Itália e levado à força para o Egito, em 2003. Entre os indiciados estão os ex-chefes da CIA em Milão e o antigo chefe da espionagem militar italiana, a Sismi, Nicolo Pollari.

O julgamento está marcado para 8 de Junho. Será o primeiro caso levado a tribunal relacionado com os vôos da CIA para transporte ilegal de prisioneiros suspeitos de ligações terroristas, detidos sem obedecer aos procedimentos judiciais.

O juizado de instrução italiano indiciou nesta sexta-feira os 26 americanos, a maioria agentes da CIA, e mais cinco italianos pela participação em um seqüestro de um religioso muçulmano em Milão em 2003. O clérigo egípcio Osama Mustafa Hassan teria sido capturado por funcionários da agência de inteligência americana na Itália, em fevereiro de 2003, e levado para o Egito.

O julgamento dos acusados será o primeiro relacionado à polêmica política americana chamada de “rendições extraordinárias”, de transferir suspeitos de terrorismo para países onde, supostamente, poderiam ser torturados.

Cinco agentes italianos que teriam ajudado na operação também foram indiciados pelo juiz, incluindo o ex-chefe do serviço militar de informações Nicolo Pollari, que já havia sido removido do posto por envolvimento em outro inquérito parlamentar.

Segundo a promotoria, uma equipe liderada pela CIA, com a ajuda dos agentes italianos, capturou Hassan em uma rua de Milão, forçou-o a entrar em uma van e o levou a uma base militar no norte da Itália.

De lá, ele teria sido levado, via Alemanha, para o Egito, onde ficou preso por quase quatro anos, no Cairo. Libertado nesta semana, Hassan afirmou ter sofrido tortura com choque elétrico, espancamento e ameaças de estupro enquanto esteve no cárcere.

Uma deputada portuguesa disse, em janeiro passado, que prisioneiros de “vôos suspeitos da CIA”, a central de inteligência dos Estados Unidos, foram vistos sendo transferidos, acorrentados, de aviões para ônibus na base militar portuguesa de Lajes, no arquipélago dos Açores.

Ana Gomes, que é membro do comitê temporário da União Européia que investiga tais atividades da CIA, disse ter ouvido de mais de uma testemunha que “coisas estranhas andam acontecendo no aeroporto de Lajes”. “Tenho conversado com pessoas que confirmaram coisas esquisitas acontecendo na base, como esse transporte de gente acorrentada.”

Essa prática de esconder suspeitos de terrorismo em outros países ganhou o nome de rendition. O nome é dado para um recente fenômeno da política externa americana, que consiste em colocar em campo agentes da CIA seqüestrando suspeitos de terrorismo, em todo o mundo, e os levando em aviões a campos de tortura. Os jornalistas especializados em investigar renditions debatem leis internacionais que possam tolher esse tipo de prática.

As oitivas desses extraditados pela CIA dispensam acompanhamento do caso por advogados e não se submetem às normas da Constituição dos EUA. É o que está previsto pelo Ato Patriótico, pacote legislativo aprovado pelo Congresso americano no auge do clamor anti-terrorista, 45 dias após os atentados às Torres Gêmeas de 11 de setembro de 2001, sem nenhuma consulta à população.

O significado da expressão Patriotic —Provide Appropriate Tools Required to Intercept and Obstruct Terrorism — explica a intenção do governo Bush: gerar ferramentas necessárias para interceptar e obstruir atos de terrorismo.

Caminho de Guantánamo

Em janeiro, a Anistia Internacional, mais importante entidade de defesa dos direitos humanos do mundo, divulgou estudo sobre os cinco anos da criação de centro de detenção de Guantánamo, onde o governo dos Estados Unidos mantém presos algumas centenas de supostos terroristas.

A prisão da base naval de Guantánamo, que fica em Cuba, a 144 quilômetros de Miami, foi criada em 11 de janeiro de 2002. Para lá foram enviados os prisioneiros capturados pelas forças dos Estados Unidos que invadiram o Afeganistão logo após os atentados contra as torres gêmeas de Nova York, em 11 de setembro de 2001. Outros suspeitos de terrorismo também foram enviados para a prisão.

Desde sua inauguração, já passaram pela ilha 775 prisioneiros, classificados como “inimigos combatentes”, sem acusação, processo ou julgamento. Entre os presos, 17 eram menores de 18 anos. Hoje, estão na prisão 430 prisioneiros de 35 diferentes países, mas nenhum americano. Os outros 435 presos foram enviados de volta a seus países.

Nos cinco anos de funcionamento da prisão, nenhum prisioneiro foi condenado. As dez denúncias apresentadas pelas comissões militares de julgamento foram consideradas ilegais pela Suprema Corte dos Estados Unidos. As condições a que são submetidos os prisioneiros são tão duras que 40 deles tentaram cometido suicídio.

Segundo a Anistia Internacional, em setembro passado, 14 novos prisioneiros foram transferidos para Guantánamo. Eles estavam sob custódia da Agência Central de Inteligência (CIA), em centros de detenção clandestinos, sem que seus processos legais fossem dados a conhecimento.

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