Pleno x Especial

Desembargadores paulistas vão ao STF contra liminar do CNJ

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15 de fevereiro de 2007, 20h34

Dezessete desembargadores do Tribunal de Justiça de São Paulo ingressaram com mandado de segurança no Supremo Tribunal Federal contra a liminar concedida pelo Conselho Nacional de Justiça a um outro grupo de 13 desembargadores da Corte paulista. O mandado de segurança é um remédio constitucional que serve para a garantia de direito líquido e certo. O pedido, apresentado pelos advogados Hotans Pedro Sartori e Magaly Garisio Sartori Haddad, foi distribuído ao ministro Sepúlveda Pertence e foi interposto

O CNJ cassou todos os atos e deliberações administrativas ou normativas do Tribunal Pleno que invadiram a competência do Órgão Especial. Na liminar, o Conselho atendeu, parcialmente, pedido de um grupo de desembargadores paulistas que defende a competência do Órgão Especial, e não do Pleno, para aprovar o novo texto do Regimento Interno.

O acórdão do conselheiro Marcus Faver anulou uma expressão do artigo 1º (“a ser submetida à apreciação pelo Tribunal Pleno”) e todo artigo 5º da Portaria 7.348/06 do tribunal paulista. A portaria disciplinava a formação de comissão para elaborar o projeto de novo regimento interno. O relator entendeu que o Órgão Especial é constituído para o exercício das funções administrativas e jurisdicionais retiradas, transferidas ou delegadas do Tribunal Pleno. Para ele, constituído o Órgão Especial resta ao Pleno apenas a função eleitoral, que não pode ser delegada.

O mandado de segurança ao STF é feito pelos desembargadores Ivan Sartori, Ferraz de Arruda, Ciro Campos, Samuel Junior, Mário Devienne, Reis Kuntz, Alberto Viegas Mariz de Oliveira, Mathias Coltro, Aroldo Mendes Viotti, Luis Antonio Ganzerla, Penteado Navarro, Guilherme Gonçalves Strenger, Pinheiro Franco, Eduardo Pereira Santos, Fábio Monteiro Gouvêa, Teodomiro Mendez e Antonio Manssur.

A defesa alega que os impetrantes aguardam há quatro meses uma decisão do CNJ enquanto a comissão que discute o projeto de novo regimento interno para a corte paulista realiza seu trabalho sem saber que colegiado vai apreciar a proposta.

Recurso Administrativo

Em dezembro, o presidente do TJ paulista, Celso Limongi, ingressou com recurso administrativo contra a mesma liminar. Limongi afirma que foi surpreendido com o teor do acórdão e pede que ele seja retificado. O presidente do TJ-SP aponta que o trecho que causou estranheza diz que o deferimento parcial da liminar se aplica “para cassar todas as deliberações administrativas ou normativas do Tribunal Pleno, que usurparam atribuições do Órgão Especial, afrontaram o Enunciado Administrativo 2 deste Conselho e violaram os textos constitucionais”.

Segundo o recurso de Limongi, este tema não foi debatido na sessão plenária de 24 de outubro deste ano quando o CNJ, sem a presença de todos os conselheiros, decidiu pela concessão parcial da liminar. Portanto, ele não foi objeto de deliberação ou aprovação. Pondera, ainda, que a cassação de todas as deliberações administrativas do Tribunal Pleno prejudica a que se refere à competência do Órgão Especial para julgar processos criminais contra prefeitos municipais, o que gerou sua imediata distribuição aos desembargadores do Órgão.

“A decisão, segundo se pensa, acrescida indevidamente no acórdão concessivo da liminar, fez instaurar compreensível insegurança a respeito do assunto, já que implicará na restituição à Seção Criminal de todos os processos já distribuídos aos integrantes do Órgão Especial. Tudo resultando em evidente comprometimento à celeridade reclamada pelos julgamentos”, diz outro trecho do recurso, justificando a inadequação da medida.

Limongi lembra que até agora o CNJ não solicitou nenhuma informação do Tribunal sobre o teor do pedido feito ao Conselho, embora a Presidência do TJSP tenha tomado a iniciativa de se manifestar a respeito do assunto. De acordo com Limongi, em pelo menos três ocasiões, por meio dos ofícios 284/06, 306/06 e 320/06 fez esses pedidos. Os três documentos continham, segundo o recurso, “pedido de reapreciação da matéria, sem que, no entanto, se tenha, até aqui, notícia de decisão a respeito”.

Leia a petição

EXCELENTÍSSIMA SENHORA MINISTRA PRESIDENTE DO EGRÉGIO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL OU EXCELENTÍSSIMO MINISTRO QUE A ESTIVER SUBSTITUINDO.

IVAN RICARDO GARISIO SARTORI, brasileiro, casado, domiciliado em Santos, São Paulo; AUGUSTO FRANCISCO MOTA FERRAZ DE ARRUDA,

domiciliado e residente em São Paulo; CIRO PINHEIRO E CAMPOS, brasileiro, casado, domiciliado em São Paulo, Capital; SAMUEL ALVES DE MELO JUNIOR, brasileiro, casado, domiciliado em São Paulo, Capital; MARIO DEVIENNE FERRAZ, brasileiro, casado, domiciliado em São Paulo, Capital; LUIZ CHRISTIANO GOMES DOS REIS KUNTZ, brasileiro, domiciliado em São Paulo, Capital; ALBERTO VIEGAS MARIZ DE OLIVEIRA, brasileiro, divorciado, domiciliado em São Paulo, Capital; ANTONIO CARLOS MATHIAS COLTRO, brasileiro, casado, São Paulo, Capital; AROLDO MENDES VIOTTI, brasileiro, casado, LUIS ANTONIO GANZERLA, brasileiro, casado, ALCEU PENTEADO NAVARRO, brasileiro, casado; GUILHERME GONÇALVES STRENGER, brasileiro, casado; GERALDO FRANCISCO PINHEIRO FRANCO, brasileiro, casado; EDUARDO PEREIRA SANTOS, brasileiro, casado; FÁBIO MONTEIRO GOUVÊA, brasileiro, casado; TEODOMIRO CERILLO MENDEZ FERNANDEZ, brasileiro, solteiro; ANTONIO MANSSUR, brasileiro, casado, desembargadores do Tribunal de Justiça de São Paulo, vêm, por seus advogados, adargados no art. 102, inciso I, letra “r”, da Constituição Federal, na Lei n.º 1.533/51 e legislação posterior, impetrar


MANDADO DE SEGURANÇA, COM MEDIDA LIMINAR,

contra decisão liminar parcial do CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, que será aqui representado por sua Ministra Presidente, lançada no Procedimento de Controle Administrativo (PCA) sob o n.º 260/2006, pelas seguintes razões e fundamentos de direito:

1. Da Prevenção.

Como se exporá mais adiante, o presente “mandamus” tem por fim convelir ato administrativo do CNJ, lavrado no PCA 260, ao qual também se refere à ação cautelar 1531, ajuizada por desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo nessa Colenda Corte, com vistas à produção antecipada de prova para apurar-se eventual discrepância entre o acórdão do relator daquele ato e o decidido pelo colegiado administrativo respectivo, feito esse distribuído ao douto Ministro Sepúlveda Pertence.

Requer-se, pois, seja a ação constitucional que ora se impetra distribuída, por força da prevenção, àquele ilustre Ministro.

2. Dos Fatos.

Como sabido, a Emenda Constitucional 45/04, provocou a fusão dos Tribunais Bandeirantes (Alçadas e Justiça), surgindo uma nova Corte, absolutamente distinta das anteriores, com sensível elevação do número de desembargadores.

Em razão desse fato, no dia 17 de julho de 2006, o Presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, desembargador Celso Limongi, por meio de portaria, convocou o Pleno do TJ-SP, formado pelo expressivo número de 360 (trezentos e sessenta) desembargadores, para decidir, dentre outras questões, sobre a aplicação do artigo 93, XI, da Constituição Federal (EC 45/04), que diz o seguinte:

“Nos tribunais com número superior a 25 julgadores, poderá ser constituído órgão especial, com o mínimo de 11 e o máximo de 25 membros, para o exercício das atribuições administrativas e jurisdicionais delegadas da competência do tribunal pleno, provendo-se metade das vagas por antigüidade e a outra metade por eleição pelo tribunal pleno”.

Então, aos 31 de agosto seguinte, mais de dois terços dos desembargadores responderam à convocação, deliberando:

a) por votação unânime, referendar a Portaria convocatória presidencial 7.353/06;

b) por votação unânime, aprovar a retificação do Regimento Interno para constar o Tribunal Pleno como primeiro e soberano Órgão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo;

c) por maioria de votos, manter o Órgão Especial já existente;

d) por maioria de votos, atribuir à comissão para a elaboração do Regimento Interno a formulação de proposta quanto ao número de integrantes do Órgão Especial;

e) por maioria de votos, atribuir ao Órgão Especial competência para julgamento dos processos criminais contra prefeitos municipais;

f) por maioria de votos, aprovar a formação, em trinta dias, de comissão para, no prazo de seis meses, apresentar projeto de novo Regimento Interno, a ser submetido ao Tribunal Pleno, composta por doze integrantes eleitos, sendo três da Seção Criminal, três da Seção de Direito Público, três da Seção de Direito Privado e três do Órgão Especial.

No dia 20 de setembro, em sessão do Órgão Especial do TJ-SP, os 25 desembargadores que o integram, por unanimidade de votos e cumprindo a decisão do Tribunal Pleno, elegeram os três membros do órgão para compor a comissão de reforma.

Para surpresa dos outros 347 desembargadores do TJ-SP, os 12 magistrados mais antigos integrantes do Órgão Especial do TJ-SP, além de outro digno componente do Tribunal (todos adiante nomeados), foram ao CNJ aos 15 de setembro – depois, portanto, das deliberações do Tribunal Pleno de 31 de agosto e antes da decisão unânime do próprio Órgão Especial, aos 20 de setembro, relativa à eleição dos membros da comissão de regimento implantada – impugnar a deliberação do Pleno, para manter a supremacia jurisdicional e administrativa do Órgão Especial.

O Conselho Nacional de Justiça, por sua vez, concedeu liminar parcial para “anular a expressão ‘a ser submetida à apreciação pelo Tribunal Pleno’, contida no art. 1º e todo o art. 5º da Portaria nº 7.348/06, do Exmo. Des. Presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, bem como para cassar todas as deliberações administrativas ou normativas do Tribunal Pleno, que usurparam atribuições do Órgão Especial, afrontaram o Enunciado Administrativo nº 2 deste Conselho (…)”. Em outras palavras, aquele Colegiado Nacional, simplesmente, suspendeu tudo quanto deliberado pelo Pleno do Tribunal de Justiça, ao argumento de que o Órgão Especial seria projeção do Plenário com competência absoluta e completamente desvinculada da totalidade dos desembargadores.

Contra a liminar concedida pelo impetrado, voltam-se os ora requerentes membros do Pleno.

São os fatos em breve escorço.


3. Da Legitimação Ativa dos Impetrantes.

Os impetrantes são desembargadores integrantes do EE. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo e, destarte, têm eles legitimidade ativa para integrar o pólo ativo do presente “writ”, haja vista que a decisão administrativa proferida pela autoridade impetrada lhes feriu direito líquido e certo, consistente em cassar-lhes os votos pelos quais traçavam as vigas mestras à reorganização da Corte, que tanto vem se ressentindo de modernização e estruturação hábil à severa demanda que a assola.

No respeitante, o saudoso jurista Hely Lopes Meirelles entende:

“O fato de o mandado de segurança estar incluído entre os direitos e garantias individuais (Constituição da República, art. 153, § 21) não exclui a sua utilização por pessoas jurídicas, nem por órgãos públicos despersonalizados, nem por universalidades patrimoniais. (…) instituiu-o como meio constitucional hábil a proteger indiscriminadamente direitos de quaisquer titulares, personalizados ou não, desde que tais titulares disponham de capacidade processual para defendê-los judicialmente, quando lesados ou ameaçados de lesão por ato ou omissão de autoridade.” (Mandado de Segurança e Ação Popular, Ed. RT, 7ª ed., pp. 25/26).

Dúvidas não restam, pois, que a decisão proferida pelo colegiado impetrado veio a ferir a competência do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, por seu Tribunal Pleno, em evidente desrespeito ao art. 96, I, letra “a”, da Constituição Federal, que confere à Corte, sem reservas, exceções, designações ou especificações, o poder-dever de “eleger seus órgãos diretivos e elaborar seus regimentos internos, com observância das normas de processo e das garantias processuais das partes, dispondo sobre a competência e o funcionamento dos respectivos órgãos jurisdicionais e administrativos” (g.n.).

Daí a lesividade a direito subjetivo dos ora impetrantes, na condição de integrantes do referido tribunal.

Impende obtemperar, ademais, que, se os treze dignos desembargadores adiante nomeados são partes legítimas para provocar a instauração, por representação, do PCA 260/2006, cuja decisão liminar é objeto do presente “mandamus”, por questão de lógica e isonomia, também os ora impetrantes têm legitimidade ativa para o presente remédio heróico, sendo alguns deles, inclusive, membros do Órgão Especial (Sartori e Navarro).

Entendimento diverso, lhes retiraria, por certo, o direito constitucional à acionalidade.

Como se não bastasse, a ação cautelar suso declinada, sob n. 1531, embora com objetivo diverso, em trâmite nessa Corte Suprema e de autoria de desembargador do TJSP, teve seqüência normal, reconhecendo-se, implicitamente, a legitimação do postulante, o que aplicável aos ora impetrantes, em se tratando do mesmo ato administrativo.

4. Dos fundamentos.

A decisão administrativa sob exame veio a definir que, criado o Órgão Especial, a ele são reservadas, exclusivamente, as deliberações administrativas e jurisdicionais do Pleno, de acordo com os termos do Enunciado Administrativo Nº 2 – no qual criou-se a figura da “teoria da projeção” -, assim redigido:

“Enunciado Administrativo Nº 2:

“Constituído, pelo tribunal, órgão especial, este exercerá as atribuições administrativas e jurisdicionais delegadas de competência do Tribunal Pleno, inclusive as disciplinares, que serão tomadas pelo voto da maioria absoluta de seus membros”.

Ocorre que, “vênia concessa” do entendimento do órgão impetrado, tal provimento e notadamente a decisão do CNJ ora hostilizada, que concedeu liminar para suspender os efeitos de decisão legítima do Tribunal Pleno do TJ-SP, ferem frontalmente os art. 92, inciso VII; 93, inciso XI; 96, inciso I, letra “a”; 99 e 125, todos da Constituição Federal e na linha enfática da absoluta independência dos Tribunais, quanto a sua própria organização, estruturação e administração, quer material, quer financeira, quer estrutural.

O art. 96,I, letra “a”, como visto acima, confere ao tribunal, com exclusividade, dispor sobre a competência e o funcionamento dos respectivos órgãos jurisdicionais e administrativos, incluso, obviamente, o Órgão Especial.

E não se extrai do art. 93, inciso XI, da Carta da República qualquer distinção ou especificação sobre a competência a ser delegada ao Órgão Especial, se criado, mencionando aquela disposição sim e expressamente a expressão “atribuições delegadas”, a indicar, sem dúvida, transmissão dessas atribuições por ente superior, o Plenário, a ente inferior, o Órgão Especial, sucedendo, evidentemente, que podendo aquele o mais, ou seja, criar e extinguir órgão fracionário e delegar-lhe atribuições suas, pode também e obviamente reservar para si o que entender por bem ao funcionamento da Corte.


Não há como extrair da dicção de tal dispositivo que todas as atribuições administrativas e jurisdicionais passam automaticamente ao Órgão Especial, se criado, tanto que, assim não fosse, não haveria referência ali a “delegação”, bastando previsão conferindo competência plena ao Órgão Especial, se instituído, o que não insculpido nessa norma suprema.

Por isso que a interpretação do CNJ destoa, manifestamente, do princípio de hermenêutica que veda ao intérprete distinguir onde a lei não o fez.

Inconcebível e ilógico erigir-se o Órgão Especial acima do Tribunal Pleno, em verdadeira sinédoque, ao tomar-se a parte pelo todo.

Ao abordar o assunto, pontuou, com maestria, o ilustre desembargador Augusto Francisco Mota Ferraz de Arruda:

“Sabe-se que o Poder Judiciário é órgão constituído e estrutural do Poder de Estado. Os tribunais de Justiça, por sua vez, são órgãos do Poder Judiciário, assim como o tribunal pleno é órgão dos tribunais. Termina essa hierarquia orgânica com o órgão público político individualizado consistente no cargo de desembargador do TJ. (…) Dentro dessa realidade constitucional orgânica, a existência do órgão especial, como se disse acima, é meramente contingencial, ou seja, pode ou não fazer parte da estrutura administrativa dos tribunais com mais de 25 desembargadores. Isso significa dizer que o órgão especial é um órgão delegado do Tribunal Pleno para apenas viabilizar a administração interna dos tribunais, podendo, a qualquer momento, por outro lado, ser extinto pelo Tribunal Pleno, caso não corresponda às expectativas jurisdicionais e administrativas que lhe são delegadas. (…) Pascal ilustra bem esse princípio na metáfora do corpo humano, em que membros e órgãos trabalham pela vontade única do próprio corpo, ou seja, não haveria a possibilidade ôntica da existência da racionalidade humana, se cada órgão ou membro do corpo humano resolvesse agir por vontade própria. (…) Estamos, pois, diante de uma absoluta impropriedade hermenêutica do CNJ ao entender que o contingencial (órgão especial) prevaleça sobre o necessário (tribunal pleno), ou seja, uma interpretação que, além de ser antinômica, viola o princípio constitucional da prevalência, numa sociedade democrática, da vontade geral pública sobre a particular.” (Apud “Revista Virtual Consultor Jurídico”, 21 de novembro de 2006, http://www.conjur.com.br/static/text/50332,1).

Ao comentar o art. 96, I, alínea “a”, da Constituição Federal, o constitucionalista e membro do CNJ, Alexandre de Moraes, assim se manifesta:

“Importante previsão constitucional, como alicerce da independência do Poder Judiciário, é o art. 96, I, “a”, da Constituição Federal, que afirma competir aos Tribunais a eleição de seus órgãos diretivos.(…) Como salienta Celso de Mello, trata-se de garantia constitucional inerente a todos os Tribunais do País, que se destina a assegurar o autogoverno da magistratura”. (Apud “Constituição do Brasil Interpretada, Ed. Atlas, 6ª ed., p. 1405, n.º 96.1.)

Outrossim, como bem salientou o Presidente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, no ofício ao CNJ n.º 320/2066 – GACI 1:

“‘Compete ao poder delegante estabelecer as regras da delegação, pois ‘essa delegação depende de ato dos delegantes, consubstanciado nas normas de criação do órgão de sua competência’ (Sérgio Bermudes, A Reforma do Judiciário pela Ementa Constitucional n.º 45, Forense, 1ª edição, p. 34), mesmo porque o objeto da delegação deve ser definido e não ‘cheques em branco’ (nesse sentido J.J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Almedina , 4ª edição, p. 745) e ‘De acordo com a nova redação do inciso XI, do art. 93, a competência do Órgão Especial será aquela delegada pelo Tribunal Pleno. Desse modo, nem sempre o Órgão Especial estará apto a funcionar quando se tratar de atribuição do Tribunal Pleno, pois deverá haver expressa delegação nesse sentido. O que não se pode perder de vista é que o legislador constituinte reformador preocupou-se em prever a necessidade de delegação de tais atribuições, o que antes não se verificava no texto constitucional, daí porque se pode concluir que a intenção foi obstar a total absorção das competências do Tribunal Pleno pelo Órgão Especial’ (Zeno Veloso e Gustavo Salgado, Reforma do Judiciário Comentada, Saraiva, 7ª edição, p. 76).”

Por sua vez, o art. 99 prevê a independência administrativa e financeira dos Tribunais, enquanto o art. 125 “caput” confere aos Estados o poder-dever de organizar suas Justiças.

Vai daí que, além de o CNJ ter se conduzido em sentido completamente oposto ao da Constituição Federal, negando a plena autonomia ali prevista em prol dos tribunais e invadindo, na condição de órgão estranho à unidade federativa, atribuição exclusiva da Corte Paulista, usurpou competência do Legislativo Estadual, inovando na estrutura do Judiciário Paulista.


Nem se diga que a reforma implantada pela EC 45/04 atribui-lhe competência tal, já que ao poder constituinte derivado não é dado ir além do que permitido pelo originário, o qual, no art. 60, parágrafo 4º, estabeleceu as vedações reformadoras, preservando a forma federativa do Estado e a separação dos Poderes, dentre outros institutos e garantias fundamentais.

Acerca do Poder Constituinte derivado ou reformador, preleciona Ronaldo Leite Pedrosa, em artigo específico:

“Desde que não afete as cláusulas pétreas, direta ou indiretamente, e nem ofenda as vedações explícitas e implícitas, inexiste inibição à matéria trazida na proposta de emenda. (…). 12. Mas, será a Constituição limitável? (…) No apanhado das lições dos mestres já referidos, forçoso é concluir que EMENDA CONSTITUCIONAL NÃO É MANIFESTAÇÃO DO PODER CONSTITUINTE ORIGINÁRIO. Daí surgir a vedação do § 4º do art. 60, e o controle jurisdicional judicial de constitucionalidade das demais leis e atos normativos federais e estaduais em face da Constituição Federal (art. 102, I “a”). Assim, é corretíssima a afirmação do Magistrado NAGIB. A Constituição, enquanto emanação DO PODER CONSTITUINTE ORIGINÁRIO, é ilimitável, dentro de seu contexto histórico, político e cultural. Suas reformas, todavia… 13. Portanto, se a própria Constituição Federal, ao ser elaborada, criou direitos, e estes se incorporam paulatinamente, passo a passo, dia a dia ao patrimônio do titular, impossível sua alteração pelo reformador, seja por Emenda Constitucional, seja por Lei Complementar, seja por Lei Ordinária, seja por Medida Provisória, ou qualquer outra espécie de norma infra-constitucional. No máximo, para o futuro, para as novas relações que se criarem a partir da vigência de eventual emenda, seria, em princípio, aceitável a modificação. Para o passado e no presente, jamais!” (HÁ DIREITO ADQUIRIDO CONTRA A CONSTITUIÇÃO?, COAD-ADV, Seleções Jurídicas, agosto; ou “site” http://www.justicavirtual.com.br/artigos/art21.htm).

Não cabe argumentar, outrossim e “data venia”, que o art. 60 da Constituição do Estado, por força do art. 125, parágrafo 1º, da Constituição Federal, impôs a criação do Órgão Especial.

É que interpretação da norma estadual suprema nesse diapasão afronta o art. 93, inciso XI, da Carta da República, que exprime a idéia clara e indiscutível de faculdade e delegação do próprio tribunal pleno, sucedendo que o Poder Constituinte estadual, ainda que sendo poder constituinte, não poderia e não pode intervir no Judiciário, atropelando a autonomia que antes lhe confere a Carta Magna (arts. 96, I, “a”, e 99), sob pena, inclusive, de ofensa ao princípio da separação dos Poderes.

Por isso que a melhor interpretação daquele dispositivo constitucional estadual só pode ser a de que haverá Órgão Especial no Tribunal de Justiça, se assim o entender o tribunal pleno.

Aliás, a Constituição Estadual, pelo parágrafo 1º, do art. 125 da Lei Maior, pode ir até a definição da competência dos tribunais, nunca, porém, dispor sobre os órgãos do Judiciário, nem mesmo os menos graduados, a dependerem de lei de organização judiciária de iniciativa do próprio tribunal, quanto mais em se tratando do órgão fracionário máximo da Corte.

5. Considerações sobre a impetração.

Se é certo que se está a objurgar ato administrativo liminar, não menos certo que o acórdão a ele referente esgotou toda matéria, abordando com profundidade o mérito, como se pode concluir de sua leitura.

Por isso que constitui adiantamento hialino do entendimento do conselho, tanto que há referência no decisório a enunciado daquele órgão.

E mais: os impetrantes estão no paciente aguardo, por quase quatro meses, de uma decisão final, embora já plenamente instruído o feito para tal, enquanto os trabalhos da comissão do regimento se desenvolvem, sem se saber se seu projeto será apreciado e por qual órgão (Pleno ou Órgão Especial), o que prejudicial ao estabelecimento de diretrizes. Divergências competências sobre os processos crimes de prefeitos vêm assolando a Corte, em prejuízo da prestação jurisdicional e com possibilidade de prescrição, tudo em face do ato administrativo ora objurgado.

Não podem, portanto, ficar à espera de que algum dia a questão seja julgada pelo Conselho.

Receiam os suplicantes, ainda, que, decorrido o prazo decadencial (art. 18 da Lei 1.533/51) desde a liminar administrativa tratada, o que se mostra iminente, haja inferência de que aceito e não questionado judicialmente o implementado preambularmente pelo Conselho, ora em discussão, tudo a servir de base a sua consolidação.

Por outra banda, embora repressivo o “mandamus” em relação à liminar, claro seu caráter preventivo no tocante a eventual decisão de mérito, que, na certa, seguirá os caminhos já larga e indelevelmente traçados na liminar, sem se falar que, de todo modo, o art. 462 da Lei Processual Civil torna possível e cogente a apreciação de eventual decisão meritória no curso desta ação.


6. Do pedido.

Manifesto o caráter urgente de uma prestação jurisdicional no caso, na medida que a incerteza e o atraso vêm cercando o Tribunal de Justiça de São Paulo, haja vista o que acima colocado, enquanto sabida a necessidade de sua urgente modernização e reestruturação, mormente depois da unificação dos tribunais estaduais (Justiça e Alçadas) ordenada pela EC 45/04, nada impedindo que, com o advento do Estatuto da Magistratura, haja alterações regimentais pontuais.

O atual Regimento Interno, assaz extenso e vetusto, já não fornece, como público e notório, condições de reger o funcionamento da Corte, dando lugar a inúmeros entraves de ordem processual e administrativa, tanto assim que, nenhum dos integrantes do Órgão Especial, inclusos os autores da representação administrativa, impugnou a criação da comissão de reforma do Regimento, ao revés, até houve concordância com essa deliberação, quando da eleição, por unanimidade, dos componentes provenientes do Órgão Especial.

Outrossim, inegável o direito defendido pelos impetrantes, dado o maltrato às normas máximas trás invocadas, notadamente os arts. 92, inciso VII; 93, inciso XI; 96, inciso I, letra “a”; 99 e 125, todos da Constituição Federal, tudo como já exposto.

Assim, requer-se a concessão de liminar, para que se suspendam: a) a decisão sob enfoque, prolatada no PCA 260 do Conselho Nacional de Justiça, prevalecendo as deliberações do Pleno do Tribunal de Justiça, em todos os seus termos ou, quando não, ao menos aquelas que dizem com a elaboração do Regimento Interno e a competência jurisdicional estabelecida para as ações criminais envolvendo prefeitos, as primeiras já sufragadas pelo próprio Órgão Especial quando da eleição de seus componentes da Comissão de Regimento criada pelo Pleno e a segunda a resultar de mera interpretação da Constituição do Estado (art. 74, I); e b) cumulativamente, o curso do procedimento administrativo até decisão final dessa Corte.

Após isso, requisitadas as informações e processado regularmente o feito, seja concedida definitivamente a segurança, para que resultem invalidados, completa e definitivamente, tudo quanto decidido no PCA 260 do CNJ e eventuais atos posteriores que conflitem com as deliberações do Plenário do Tribunal de Justiça de 31 de agosto de 2006.

Requer-se, ainda, se assim entender V. Exa., a notificação/citação dos litisconsortes necessários, autores da representação que determinou a instauração do PCA 260/06, para que, querendo, se manifestem acerca da impetração, expedindo-se, para tanto, ofícios a seus gabinetes, a saber: desembargadores Luiz Elias Tâmbara, Adalberto Denser de Sá, Jarbas Coimbra Mazzoni, Ruy Pereira Camilo, Marco César Müller Valente, Antonio Carlos Munhoz Soares, Octávio Roberto Cruz Stucchi, Laerte Nordi, Carlos Alberto de Sousa Lima, Walter de Almeida Guilherme, Alberto Antonio Zvirblis, Paulo Henrique Barbosa Pereira, Antonio Carlos Debatin Cardoso, todos com gabinetes na Avenida Paulista 750, São Paulo, Capital, CEP 01310-908.

Os requerentes encaminham a essa Augusta Casa tantos traslados da inicial quantos os litisconsortes, mais outro traslado com toda a documentação da vestibular para a notificação da digna autoridade impetrada e mais um, ainda, para ciência do E. Tribunal de Justiça de São Paulo, caso V. Exa. entenda imperioso.

Protestam, todavia, por eventual complementação de peças, se V. Exa entender necessário, tudo sem prejuízo da apreciação imediata do pleito.

Atribui-se à causa o valor de R$ 1.000,00, somente para que se observe a legislação processual, embora de valor inestimável a causa.

Termos em que,

Pede Deferimento.

São Paulo para Brasília, 13 fevereiro 2007

Hotans Pedro Sartori

OAB/SP 10117

Magaly G. Sartori Haddad

OAB/SP 227674

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