Atuação do MP

Compromisso do promotor é com Justiça não com acusação

Autor

  • Antônio Cláudio Mariz de Oliveira

    é ex-presidente da OAB-SP da Aasp (Associação dos Advogados de São Paulo) ex-secretário de Justiça e de Segurança do estado de São Paulo e membro do conselho deliberativo do IDDD (Instituto de Defesa do Direito de Defesa).

15 de fevereiro de 2007, 17h59

A preocupação não é nova. Lembro-me ter escrito um artigo por solicitação da revista da Universidade de Brasília a respeito da atuação do Ministério Público. O título era “Ministério Público na Berlinda” tendo abaixo a seguinte indagação: “Estão os jovens Procuradores da República extrapolando os limites fixados na Lei?”.

Dizia eu na ocasião e repito agora: os poderes outorgados pela Constituição de 1988, ao contrário do que muitos dizem, em minha opinião não foram excessivos e são necessários para que a instituição cumpra o seu relevante mister. Assim, a questão a ser examinada não se refere aos poderes da Instituição, mas à forma como eles são exercidos.

Não se pode negar a imprescindibilidade de um Ministério Público dotado de instrumentos legais aptos a possibilitar o cumprimento de suas relevantes atribuições. Ao lado da advocacia e da magistratura, deverá ele estar capacitado a zelar pelo primado da lei, pela intangibilidade do regime democrático e pela efetivação da aplicação da justiça para todos os segmentos da sociedade brasileira.

No entanto, o não pequeno rol de prerrogativas e o amplo campo de atuação exigem dos membros do Ministério Público parcimônia na utilização de seus poderes, discrição no desempenho de suas obrigações e, acima de tudo, perfeita consciência do seu papel e especialmente dos exatos limites de sua atuação.

Assim, a primeira observação a ser feita é que o desiderato do promotor de Justiça não é o de exercer a acusação de forma sistemática e obrigatória. Sua missão paira acima do obstinado objetivo de perseguir a condenação.

Na verdade, como instituição permanente e essencial à administração da justiça e responsável pela defesa da ordem jurídica e da democracia, não pode ser reduzida à condição de exclusivo órgão acusatório, pois assim se estará aviltando e apequenando a sua condição de instituição essencial à administração da justiça. Ademais, nesta hipótese, estará ela descomprometida com o relevante objetivo de zelar e fiscalizar a fiel observância do ordenamento jurídico.

Tal como o eminente Hugo Nigro Mazzili, que honrou o Ministério Público paulista, hoje aposentado, entendo que o vínculo do promotor, o seu compromisso maior, deve ser com a Justiça e não com a acusação. Disse o citado autor com grande propriedade que o promotor que assim não pensa “caminha para séria deformação profissional e pessoal” (Regime Jurídico do Ministério Público – fls. 80).

Reflexo dessa deformação, característica do acusador sistemático, felizmente um pequeno número de promotores, é a conduta açodada de alguns, que requerem medidas, adotam providências, prestam declarações, por vezes inadequadas e sem nenhum amparo legal, sobre um determinado fato cujas circunstâncias não foram sequer apuradas adequadamente.

Lamentavelmente, essa conduta possibilita à imprensa escrita e televisionada um grande alarde, uma desproporcional divulgação de um fato nem ao menos caracterizado como criminoso e de seu indigitado responsável, tido como tal por meras, frágeis e inconsistentes ilações, muitas vezes produzidas pelos próprios jornalistas e aceitas pelo promotor, mais preocupado em mostrar a sua agilidade e presteza do que em apurar, investigar e formar a sua convicção, o que seria indispensável para que viesse a requerer as medidas judiciais.

Há, desta forma, fruto da apontada “deformação” e da pressão exercida pela mídia, que muitas vezes diz falar em nome de um fictício clamor público, uma inaceitável inversão na ordem natural da formação de qualquer opinião, de qualquer juízo valorativo. Ao invés do pleno conhecimento dos elementos factuais, há a pressurosa declaração de uma convicção ainda não constituída, a qual mesmo que contestada, posteriormente, pelos dados apurados não mais poderá ser abandonada, em nome da “coerência” e do “orgulho profissional” que levam a gritantes injustiças.

Saliente-se, ainda: declarações açodadas sobre providências requeridas ao Judiciário criam expectativas na sociedade, que muitas vezes não se concretizam, por serem contrárias à lei ou até por serem estranhas aos fatos. Esta conduta apressada de promotores, do agrado da mídia, cria um indesejável e imerecido descrédito em relação à Justiça, que não pode deferir pedidos sem base legal ou fática e com isso frustra aquelas expectativas que foram criadas sem apoio na realidade dos fatos.

Em face da relevância do papel desempenhado pelo Ministério Público no Estado Democrático de Direito, deve ele também dedicar severa atenção aos direitos e às garantias individuais. Nesse sentido, não pode permitir ou, por vezes, até colaborar com a mídia ou com a própria sociedade, hoje essencialmente punitiva, ávida por encontrar culpados, nessa escalada repressiva que despreza princípios constitucionais e valores morais e éticos em nome de um pseudo combate à criminalidade, que nada mais representa do que a negação de um avanço alcançado pela civilização no qual a dignidade humana é o valor supremo a ser preservado.

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