Inflação do crime

Baixar menoridade aumentaria em 15% os processos penais

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15 de fevereiro de 2007, 10h25

Novamente, diante de um fato profundamente perturbador, vem à tona a discussão sobre o enrijecimento das normas penais e processuais, além da antiga ansiedade pela redução da menoridade penal. Está muito claro que o Congresso Nacional, a fim de juntar os cacos da credibilidade que ainda conserva, quer dar resposta imediata à sociedade, encaminhando legislação altamente complexa, sem qualquer capacidade técnica de perceber as conseqüências de ordem prática das medidas sugeridas.

Nem pretendemos expor quaisquer anotações quanto à constitucionalidade de várias propostas em voga, tão ao gosto da opinião pública, porquanto devemos lembrar que o Supremo Tribunal Federal sepultou a lei de crimes hediondos recentemente, notabilizando ainda mais a ilegalidade que se perpetrava havia 16 anos consecutivos. Ou seja, vedando a progressão de regime, os juizes de direito menos arejados cometiam claras arbitrariedades que, num átimo de bom-senso, o STF veio dar-se conta, negligentemente tarde, entretanto. Assim sendo, debandemos da teoria e não tardemos à prática.

O rebaixamento da menoridade penal significaria uma inflação superior a 15% dos processos penais no território nacional, sendo que a estrutura judiciária nem mesmo dá conta do atual movimento processual, considerada a ampliação do acesso jurisdicional das últimas décadas. Logo de plano, não só os tribunais ficariam mais entupidos com novas causas, como as antigas estacionariam em sua tramitação já morosa, em termos gerais brasileiros. Isso já ocorre com os Juizados Especiais, engessados com a quantidade assombrosa de processos. O que deveria ser célere, transformou-se num pesadelo, imputando-se como culpado a falta de investimentos maciços na resolução alternativa de conflitos.

Outro dado pitoresco é a incapacidade prisional para lidar com o inchaço causado pela incidência da norma processual penal àqueles entre 16 e 18 anos de idade. Se já reconhecemos a superlotação carcerária, é insofismável o agravamento futuro da situação do sistema penitenciário, corrompendo ainda mais os indivíduos que jazem lá esquecidos. Como a experiência com adolescentes foi um fracasso nacional e os sistemas de (re)integração, uma vergonha coletiva, é mais interessante desconsiderar a adolescência para efeitos penais, enterrando o jovem nos atuais calabouços que ninguém freqüenta, a não ser o triste cortejo familiar dos prisioneiros da masmorra.

Falar de um sistema prisional reabilitador é a mais grosseira das hipocrisias — justo por isso, nenhum governante quer dar o “abraço ao afogado”, tocando em tema tão delicado. Na verdade, o sistema judiciário funciona teoricamente até a condenação do cidadão que, após, amarga a administração de sua pena à míngua de garantias judiciais, nas mãos de servidores públicos estaduais ou federais. Tanto que a esquecida vara de execuções penais costuma ser assombrada pelo maior contingente processual, com pouquíssimos magistrados e todo aparato que determina a lei de execuções.

Malgrado todas as inconveniências essencialmente jurídicas que um cidadão menos leigo desconheça às mudanças fascistas que se pretendem, basta apenas informar a temeridade que se fará: a) está provado que penas mais graves não reduzem a violência, nem mesmo a pena de morte; b) está provado que regimes mais rigorosos não surtem resultado, nem quanto a trabalhos forçados ou isolamentos prolongados; c) está provado que o sistema carcerário não reabilita ninguém, face à completa inoperância pública quanto a projetos educacionais, trabalhistas e de reintegração social.

Quem comemora a fleuma oportunista do Congresso Nacional são as empreiteiras que serão contratadas em aproximadamente 5 anos para dar conta da demanda por novas vagas em presídios de segurança máxima. O cidadão comum, desinformado de dados objetivos, não quer se enfronhar numa realidade tão bárbara como a carcerária. Nem precisa – basta colher dados de contabilidade pública para saber que o dinheiro de tributos exorbitantes não é capim e que nossos legisladores sofrem de menoridade lógica. Será muito complicado aprender, definitivamente, que os empreiteiros lucram o mesmo construindo mais escolas e menos presídios e, assim, a sociedade ganha mais?

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